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Em tempos de coronavírus, cresce solidariedade entre paulistanos; veja histórias

Pessoas espalham bilhetes para ajudar idosos e ajudam microempreendimentos e autônomos a sobreviver à pandemia

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São Paulo

O rapper Criolo estava errado. Existe, sim, amor em São Paulo.

Mesmo com abraços, beijos e apertos de mão confiscados pelo novo coronavírus, o paulistano tem usado a gentileza para manter laços e cuidar das pessoas mais vulneráveis durante a pandemia.

Pipocam por elevadores e áreas comuns dos condomínios recados do tipo "me disponibilizo a fazer as suas compras caso você esteja no grupo de risco".

Os bilhetes foram parar na internet e, no bom sentido, viralizaram, dando origem a novas ofertas de gentilezas para quem está em quarentena, como aulas gratuitas de educação financeira e ioga a distância.

A capital paulista tem o maior número de casos de pessoas com infecção por coronavírus confirmada. Cinco das setes mortes por Covid-19 ocorreram na cidade.

Idosos, hipertensos, asmáticos e pessoas com problemas cardíacos, renais e respiratórios —todos no grupo de risco—, já estão ilhados em suas casas. Mas em que condições?

Foi pensando nisso que Alex Camargo, 47, consultor em desenvolvimento humano, e o educador Tiago Gusmão, 36, resolveram agir.

Eles vivem num condomínio de duas torres residenciais, na avenida Rebouças, em Pinheiros (zona oeste), que tem ao menos 70% dos vizinhos com idades acima de 60 anos. Muitos deles vivem sozinhos.

No último sábado (14), os dois fixaram um bilhete no elevador que acabou sendo publicado nas redes sociais do apresentador Luciano Huck.

“Aos vizinhos que, pela idade ou complicações de saúde, estejam nesse momento com receio de se deslocarem na rua nos disponibilizamos para ajudar com coisas simples como ir ao mercado, à farmácia ou outra necessidade que considerem importante”, diz trecho do bilhete.

A dupla já transportou uma caixa pesada de livros para uma moradora e agendou uma ida ao banco para ajudar um casal de israelenses. “Vamos fazer compras coletivas no supermercado e organizar encontros online. A gente precisa estar afastado fisicamente para sobreviver, mas ninguém é uma ilha”, diz Camargo.

No Itaim (zona sul), Felipe, 13, e sua irmã, Lara Quintas Salvarani, 11, que também haviam distribuído um bilhete para os idosos do prédio oferecendo ajuda, receberam da vizinha de 71 anos o seguinte pedido: música. Ela queria que os dois tocassem violão e cantassem com as portas dos apartamentos abertas para assistir pelo hall.

Lailda Marques, que não está recebendo visitas nem da família, filmou com o celular enquanto os irmãos cantavam “Ouvi Dizer”, do trio Melim, que crianças e adolescentes adoram, com versos como “O errado se acerta / O quebrado conserta / E assim tudo muda / Mesmo sem mudar / A paz se multiplicou / Que bom que você chegou pra somar”.

Emocionada, escreveu pelo WhatsApp para a mãe dos dois, Diana, 42: “Só Deus para pagar esse gesto tão maravilhoso, vocês fazem a diferença em minha vida!”. Como “vizinha abusada”, brincou, pediu mais: serenatas diárias durante o isolamento.

A fisioterapeuta Marisa Linares de Godoy, 52, foi outra pega pela solidariedade em tempos de coronavírus. Ela suspendeu os atendimentos aos pacientes idosos ou com alguma doença crônica para protegê-los. “Fiquei com os saudáveis e uma preocupação: como fecharia as minhas contas daqui para frente?”.

A surpresa foi que 15 desses 25 pacientes disseram que continuarão a pagar pelo serviço não prestado para a fisioterapeuta manter a clínica aberta durante a crise. “Isso me emocionou muito. Me senti amparada, querida, amada e respeitada. Me fez bem como profissional”, disse ela, aos prantos.

A dona de casa Roseli Figo, 55, também barrou pela primeira vez em nove anos as idas da diarista Eliana, 59, até sua casa em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo). Mas, enquanto o coronavírus não passar, Roseli continuará a pagar o salário da diarista. “A casa hoje é o que menos importa. A hora é de cuidar do outro, olhar para o lado e perceber que estamos no mesmo barco”, afirma.

No centro da cidade, um bairro inteiro age para amortecer outro impacto da pandemia: o fechamento dos microempreendimentos. À frente dessa operação está a publicitária Priscilla Torelli, 47. Ela monitora a página do Instagram de Vila Buarque, com pouco mais de 4.300 seguidores.

Além de conectar voluntários que queiram ajudar os grupos de risco, ela mapeou os negócios do bairro que mantêm delivery e os bares e os restaurantes com boas práticas de higienização e distanciamento de mesas no salão. "Tudo isso que está acontecendo tem mostrado a importância dos espaços locais na nossa vida e como eles precisam estar saudáveis para a gente continuar a viver, e bem".

Para Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP, pequenos esforços de união em momentos de crise levam as pessoas a redescobrirem que existe "mais unidade dentro das diferenças".

"O que estamos vivendo é um projeto de recuperação do que é comum. Todos nós estamos sendo afetados por essa pandemia do coronavírus. Não existe diferença alguma entre ricos e pobres e pouco importam as divergências políticas."

Colaborou Laura Mattos

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