Descrição de chapéu Coronavírus Rio de Janeiro

Isolamento pelo coronavírus reduz distribuição de comida a moradores de rua no RJ

Idosos deixam de ir às ruas para entregar alimentos e doação escasseia; procura por cestas básicas aumenta

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Italo Nogueira Tércio Teixeira
Rio de Janeiro

Se a ordem é não ir para a rua, como chegar àqueles que moram lá? É a pergunta que se fazem dezenas de voluntários que diariamente distribuem alimentos para pessoas em situação de rua no Rio de Janeiro.

Idosos, maioria dos voluntários, deixaram de ir aos pontos de entrega por serem os mais vulneráveis à Covid-19. Os restaurantes que forneciam alimentos não usados para compor a marmita entregue aos moradores de rua não estão mais funcionando.

O resultado do isolamento social determinado pelo governo foi o início do desfazimento temporário de uma rede de apoio a essa população.

Nesta sexta-feira (20), o grupo “Dois pães e um pingado” realizou o último café da manhã na Cinelândia, centro da cidade. Cerca de 250 foram atendidos por cinco voluntários que se dispuseram a ir à última distribuição de alimentos do coletivo até o restabelecimento da normalidade.

“Foi difícil até encontrar voluntário para ir. A maioria do grupo é composto por idosos. Outra parte, vive com idoso e teme transmitir o coronavírus para eles”, disse Natália Terra, 34, membro do grupo.

O café com leite foi substituído por um copo plástico de guaraná natural. O objetivo era permitir que, após recolher a primeira refeição do dia, a pessoa possa se afastar a fim de evitar aglomeração. Além do pão, o kit vinha também com sabonetes.

Rafael, 39, foi um dos que foram à Cinelândia. O esvaziamento das ruas também afetou uma fonte de recursos que obtinha nas ruas.

"Vivo do garimpo, procurando coisas no lixo. Falta dinheiro porque esse trabalho está acabando [sem pessoas nas ruas]. Está nas mãos de Deus", disse ele.

O coletivo chegou a tentar apoio da prefeitura para realizar a entrega de alimentos, mas não obteve resposta.

Outro grupo que distribuía café da manhã na Glória e jantar na praça da Cruz Vermelha encerrou as atividades no início da semana.

“A prefeitura fechou a praça Paris para evitar aglomerações. Era onde encontrávamos todos eles. Temos muitos idosos entre os voluntários. E também não estamos recebendo os alimentos que recebíamos de restaurantes. Muitos fecharam”, disse Delclenes Dias, 67.

O Rio de Janeiro é o estado que adotou as restrições mais rígidas de isolamento social para tentar adiar a contaminação do novo coronavírus. Restaurantes, bares e lanchonetes foram proibidos de abrir a partir da próxima segunda-feira (21). Desde terça (17), já havia a recomendação do governo para redução de 30% do movimento, o que na prática provocou o fechamento de muitos estabelecimentos.

A ONG Gastromotiva também fechou o refeitório na Lapa (centro) em que recebia diariamente 90 pessoas em situação de vulnerabilidade social. O local continua recebendo alimentos e distribuindo para entidades parceiras que ainda estão realizando atendimento.

O grupo tenta criar uma nova forma de atuar, buscando experiências em outros países que passam pelo mesmo problema —ainda não há solução clara nesses locais. Quem quiser doar alimentos para o Gastromotiva pode entrar em contato através do email refettorio@gastromotiva.org.

Uma das parcerias da entidade é com os Missionários de Nossa Senhora e São Bruno, de Santa Teresa, onde padres continuam recebendo pedidos de ajuda. Frei Valdir Moreira, que atua na assistência social aos moradores de rua, afirmou que os atendidos estão se queixando de falta de apoio nos últimos dias.

“Nós mesmos deixamos de ir procurá-los para evitar sermos contaminados e, principalmente, para não contaminá-los. Alguns já sabem onde ficamos e vão ao nosso encontro. Mas as doações estão acabando e não sabemos até quando conseguiremos atender”, disse frei Valdir.

Missionárias de Madre Teresa de Calcutá, que mantém a janta que distribuem às 16h, notaram o aumento na procura na última semana. Elas deixaram de servir as refeições na instituição onde atendiam, na Lapa, para distribuí-los numa praça próxima, em busca de um local mais arejado.

“Costumamos receber cerca de 300 pessoas. Nesta quinta, foram 400”, disse irmã Theonas.

Se os alimentos rareiam, aumentam o número daqueles que necessitam de ajuda. A ONG Ação da Cidadania, fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, viu acabar em dois dias uma carga de dez toneladas de cestas básicas que costuma durar de duas a três semanas.

Elas são distribuídas por 250 comitês locais espalhados no estado a fim de atender áreas mais pobres.

“Muita gente não está podendo trabalhar porque não tem ninguém na rua. Pessoas que trabalham no mercado informal estão sem qualquer renda e proteção, à mercê da crise. Essas pessoas passaram a procurar os comitês locais”, disse o diretor-executivo da ONG, Rodrigo Afonso.

Um dos comitês é coordenado por Marcos Fagundes, que atua em Santa Cruz.

“Para atender a procura, estamos dividindo algumas cestas. Em vez de dar cinco ou seis itens, como antes, doamos apenas quatro. O objetivo é atender o maior número de pessoas”, disse ele.

A Ação da Cidadania encomendou uma nova remessa de mantimentos de 20 toneladas. A chegada prevista para essa semana foi adiada para a que vem em razão da grande demanda sobre os fornecedores que atende a entidade.

A ONG abriu uma campanha de doação para pessoas físicas em seu site (www.acaodacidadania.com.br). Os recursos também podem ser enviados por meio dos aplicativos iFood e Ame Digital.

Servidores do município se organizaram para receber alimentos para moradores de rua no Centro Administrativo São Sebastião, na Cidade Nova (Rua Afonso Cavalcanti, 455).

A Prefeitura do Rio de Janeiro não divulgou as estratégias para suprir a ausência dos voluntários nas ruas. ​A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos estuda transformar o Terreirão do Samba, espaço aberto para shows ao lado do Sambódromo, num abrigo para moradores de rua.

“A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos continua atuante no atendimento aos moradores de rua. Os abrigos públicos da SMASDH estarão abertos para receber as pessoas em situação de vulnerabilidades tanto para alimentação quanto na prevenção e combate ao Coronavírus. A pasta orienta e reforça a toda a população carioca a importância da quarentena para as pessoas que têm a possibilidade para evitar contato e propagação do vírus”, diz a nota do município.

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