Descrição de chapéu Coronavírus

Minha filha 'coroner' nasceu junto com a pandemia, conta repórter

Próxima vacina está prevista para o período em que o Brasil poderá estar no auge da crise

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Rio de Janeiro

Antes de Violeta chegar, separamos suas primeiras roupinhas assim: as de sair e as de ficar em casa. Mal sabíamos que deixar o apartamento, dias após nossa filha nascer, pareceria uma opção tão sensata quanto dar Coca-Cola na mamadeira pra pirralha.

Violeta veio no 3 de março, dias antes de virarmos nós também, brasileiros, alvos das primeiras medidas de isolamento social. Se progressistas têm o slogan "ninguém solta a mão de ninguém", 2020 o atualizou para "ninguém segura a mão de ninguém". Até o Mercado Livre mudou sua logomarca, um aperto de mão, para dois braços se cumprimentando com um toque de cotovelos.

Saudações de uma nova era, na qual o planeta tenta conter uma pandemia que já matou milhares e sobrecarrega sistemas de saúde de tal maneira que médicos de todo o mundo vêm lidando com o dilema: "Que paciente merece um leito e que paciente deixo morrer?".

Violeta é uma "coroner". Faz parte da geração que estreou junto com este coronavírus que coleciona prejuízos por onde passa.

E a Covid-19 não vai a lugar algum, não tão cedo. Cientistas falam em semanas, meses, até um ano inteiro de distanciamento social, um eufemismo barato para "fica na tua e não sai de casa, caceta".

Isso para não lotar hospitais de uma vez só e proteger os grupos de risco, porque na maioria das pessoas, ao que tudo indica, o vírus não provoca estragos maiores como aquela gripe pé no saco. E quem são os mais vulneráveis?

Idosos, sobretudo. Também diabéticos, hipertensos e outros com doenças imunodepressivas.
Grávidas e bebês, em geral, têm a imunidade baixinha. Empiricamente, contudo, parecem ser menos suscetíveis à Covid-19, assim como crianças e jovens. Ufa. Relaxei?

Não exatamente. A verdade é que sabemos muito pouco sobre o vírus e seus efeitos a longo prazo. Sem contar que as informações sobre ele mudam a toda hora.

Deu no New York Times, por exemplo: ainda que os velhinhos tenham mais chance de morrer, jovens adultos (20 a 54 anos) são maioria entre os hospitalizados nos EUA, ao contrário do que acontece em outros países.

Outro dia mesmo os jornais replicavam que o ibuprofeno não prestava para tratar o Covid-19, pois agravaria o quadro clínico do paciente. A OMS (Organização Mundial da Saúde) voltou atrás na quinta (19), argumentando que não há dados científicos que amparem essa restrição.

Se mãe já é um bicho paranoico, imagina só a barra de ser mãe de primeira viagem no meio de uma pandemia global. Drauzio Varella pode bater aqui em casa com uma carta de recomendação do diretor da OMS e uma tatuagem de "eu (coração) ciência" no peito, e eu ainda vou ficar ressabiada.

Minha filha tem pouco mais de duas semanas, anticorpos ainda estagiários e quase nenhuma vacina.
A próxima, aliás, está prevista para daqui a um mês e meio, quando o Brasil poderá estar no auge da crise. Só a perspectiva de me enfiar num posto de saúde nessa temporada me deixa mais perdida do que Jair Bolsonaro tentando ajeitar sua máscara naquela coletiva de imprensa de quarta (18) sobre o coronavírus. (Não se anima, não, nação anti-vax, que ainda assim vacinarei minha cria.)

Como garantir que, se o Covid-19 a alcançar, ela estará a salvo? "Ah, mas criança não pega esse vírus, não, e se pega é fraquinho", me dizem por aí. Mais ou menos.

Com dados de 2.143 crianças e adolescentes chineses, estudo publicado pela Associação Americana de Pediatria mostrou que metade desses casos teve sintomas leves (febre, tosse); 39%, moderados (o que inclui pneumonia); 4% foram assintomáticos; 6%, muito graves. Um garoto de 14 anos morreu.

A pesquisa revelou também que bebês com menos de um ano são mais predispostos a quadros graves. Relaxei?

Mulher com vestido sem manga e homem de regata e short, ambos com máscaras cirúrgicas; a mulher empurra um carrinho de bebê azul, e o bebê veste um boné
Casal caminha com bebê no calçadão da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro - Pilar Olivares/Reuters

Pelo resguardo natural com um recém-nascido e com uma mulher se recuperando de um parto, meu marido (de licença-paternidade + férias) e eu já estávamos bem econômicos em passeios antes da quarentena virar o novo normal.

Agora, o casulo é quase integral. A maior parte das compras fazemos online. Cada saída de casa, para ir na farmácia comprar fraldas ou remédio para a coliquinha da bebê, é uma missão. Se sugerem cantar duas vezes "Parabéns pra Você" na hora de lavar as mãos, um tempo apropriado para a assepsia eficaz, eu mando logo um "Faroeste Caboclo".

O pote de álcool gel que conseguimos comprar antes do produto sumir das prateleiras é nosso Santo Graal. Lambuzo a mão depois de tocar qualquer superfície na rua.

Vale fazer cara feia para quem não respeita a distância de um metro na fila. Eu que lute, elas que tussam —bem longe de mim.

Há o temor, ainda, pela consulta já marcada para daqui a 20 dias com a pediatra. Nela veremos se Violeta está bem, ganhando peso etc. Será mantida? Se for, como chegar lá? Não temos carro, e o último Uber que chamamos, dez dias atrás, contava que loucura, veja só, foi o vaivém de turistas europeus no carro dele naquele dia.

A encrenca não é só se nossa pequena contrair o vírus. Caso um de nós se contagie, vamos ficar apartados da nossa menina e um do outro? "Inception" de uma quarentena dentro de uma quarentena, com o pai, por exemplo, trancado num cômodo do apartamento, sem ajudar nas noites insones cuidando da neném?

Para mães infectadas que amamentam, recomenda-se que continuem o fazendo, pois não há indícios de que a transmissão da Covid-19 é vertical, ou seja, passe para o leite materno. Seria preciso, no entanto, evitar toques e usar máscara com o bebê, que provavelmente, pela proximidade física, já estaria com o vírus também, mas teria que ser preservado de uma maior carga viral.

Uma das faces mais cruéis dessa crise é a necessidade de afastar Violeta do convívio com amigos e família. A vovó paterna dela sequer conseguiu conhecê-la ainda —a mineira dona Lázara viria para cá no fim de semana passado, mas postergamos a visita sabe-se lá pra quando. Ela já tem mais de 60 anos, melhor prevenir.

E tem meu avô Arnaldo, um guerreirão que em poucos dias fará uma cirurgia para combater um tumor. Pelo bem dele, já octogenário, achamos prudente proibir o contato com a bisnetinha. O que isso faz pela saúde mental dele, pela nossa?

Força, vô. Força para você também, leitor. Sigamos juntos, ainda que separados.

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