Descrição de chapéu Coronavírus Rio de Janeiro

No Rio, favelas esperam a chegada do vírus sem água e com aglomerações

Circulação de moradores diminuiu pouco nas comunidades, onde muitos não têm como lavar as mãos

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Júlia Barbon Tércio Teixeira
Rio de Janeiro

Por vários dias na última semana, Mayara Alves, 39, e seu marido ficaram acordados até de madrugada. À 1h, quando o movimento já não era tão grande na favela da Rocinha, eles começavam o sobe e desce na ladeira entre sua casa e a única bica que jorrava água.

Com os baldes carregados, o casal e os dois filhos tomavam banho agachados em uma bacia, para depois aproveitar o restante como descarga. A roupa suja que já não tinha mais onde colocar, Mayara confinava em sacos de lixo para evitar contaminação.

Todo o cuidado é para impedir ao máximo o contato das duas crianças, que têm dermatite atópica e, portanto, a imunidade baixa, com a rua. Mas vinha sendo difícil fazer isso sem poder lavar as mãos por quase três semanas, até sexta (20), e com as vias da comunidade movimentadas.

A falta de água e a aglomeração ainda são a realidade de favelas do Rio de Janeiro como Rocinha, Tabajaras (zona sul) e Providência (centro), onde a circulação de pessoas diminuiu pouco após a chegada do coronavírus no estado, que já confirmou 119 casos e 3 mortes da doença.

Famílias morando num único cômodo, trabalhadores se deslocando, crianças brincando nas ruas, comércios abertos e bares cheios continuam sendo cenas frequentes. No Beco do Índio, por exemplo, pequena comunidade no Recreio (zona oeste), nem vizinhos doentes afastaram a população.

Ali, uma mulher que não quis ser identificada, de 31 anos, gritava da varanda, de máscara, que está apavorada desde que começou a sentir febre alta, tosse, dores no corpo e dificuldade para respirar. Ela foi ao posto de saúde mas, sem testes para o coronavírus, recomendaram apenas isolamento.

A empresa de call center onde ela é atendente insiste que ela pegue dois ônibus e leve o atestado médico pessoalmente até o local, diz, onde 150 funcionários continuam trabalhando numa sala fechada e dividindo computadores e microfones sem limpeza adequada.

"Essa quarentena é muito seletiva. Quem consegue ficar em casa recebendo, ok. Mas quem depende do dinheiro do dia para comer precisa sair. Não tem nenhuma fala do poder público direcionada à favela, quando o vírus chegar vai ser como um dominó", diz Cintia Sant'Anna, 34, moradora do Morro da Providência.

A única ação de ampla divulgação voltada para as comunidades até agora tem sido o acionamento de sirenes da Defesa Civil em 103 áreas, três vezes por dia, pedindo que a população "combata o coronavírus e por favor evite sair". Mais de um quinto dos cariocas vive em favelas, pelo Censo 2010.

Por conta própria, os moradores têm se organizado para comprar sabonete e água. Cintia, que é atriz e fundadora do coletivo cultural Entre o Céu e a Favela, já conseguiu R$ 600 e precisa de mais R$ 800 para adquirir dois caminhões-pipa para a Pedra Lisa, área da Providência que estava sem abastecimento até esta sexta.

É lá que mora a educadora social Janilfe de Jesus, 40, que convive com as torneiras secas há três meses e tem comprado dois galões de água mineral por dia. Pela mesma situação passam a empregada doméstica Maria (nome fictício), 39, e o pedreiro Josimar Ferreira, 42.

Ela, moradora do Complexo da Penha (zona norte), está lavando "mais ou menos" a mão com água do balde e usando a metade de um álcool em gel que a patroa lhe deu. Ele, morador do Tabajaras, só conseguiu limpar o rosto e escovar os dentes no trabalho.

"O que já era um problema se tornou um problema gravíssimo com a pandemia", diz Guilherme Pimentel, ouvidor da Defensoria Pública do RJ. O órgão está fazendo um levantamento de locais sem fornecimento para tomar medidas judiciais.

"Muitas dessas áreas têm pagamento de taxa de água e esgoto formal", afirma ele, que ainda não tem dados fechados. "E não é uma questão apenas da favela. Se algumas pessoas não seguirem as recomendações sanitárias, todos estamos em risco."

Pensando na falta de insumos e informações nesses espaços, o Observatório de Favelas também decidiu divulgar entrevistas e dicas especialmente para essa população, como diluir um sabão em barra em uma garrafa de água de dois litros para lavar as mãos.

"Muitas orientações têm sido dadas como se os direitos fossem iguais para todo mundo. Como se todos tivessem água corrente em casa, como se álcool em gel fosse uma realidade factível para todas as pessoas, e não é bem assim", diz Isabela Souza, diretora da organização social.

Questionada sobre a falta de água nas favelas citadas, a Cedae (companhia estadual que abastece a capital) respondeu na última sexta que técnicos já repararam o sistema da Rocinha, que estava "realizando manobras para reforçar o abastecimento" no Tabajaras e na Providência, e que iria à Vila Cruzeiro em 24 horas para verificar a situação.

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