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Precisa de um teste de coronavírus? Ser rico e famoso pode ajudar

Em meio a falta de testes, cresce a lista de famosos com coronavírus nos EUA

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Megan Twohey Steve Eder Marc Stein
The New York Times

Políticos, celebridades, influenciadores de mídia social e até equipes da liga nacional de basquete (NBA) foram testados para o novo coronavírus. Enquanto a lista de pessoas ricas, famosas e poderosas cresce a cada dia, porém, o mesmo acontece com as perguntas sobre se elas estão tendo acesso a testes que são negados a outros americanos.

Algumas dessas pessoas de destaque dizem estar se sentindo doentes e tinham boas razões para serem testadas. Outras argumentam que aqueles que foram infectados e depois se isolaram deram um bom exemplo ao público.

Porém, com os testes ainda escassos em áreas do país, deixando os profissionais de saúde e muitas pessoas doentes sem diagnóstico, algumas personalidades importantes obtiveram testes sem exibir sintomas ou ter contato com portadores do vírus, conforme exigido por algumas diretrizes de teste. Outros se recusaram a especificar como foram testados.

Tais casos provocaram acusações de elitismo e tratamento preferencial em um sistema de testes já atribulado por atrasos e confusão, e agora instigaram um novo debate nacional que chegou à Casa Branca --com o presidente Donald Trump sendo perguntado em uma entrevista coletiva na quarta-feira se "os bem conectados vão para a frente da fila".

"Você tinha de fazer essa pergunta", respondeu ele, sugerindo que não deveria ser o caso. "Talvez essa seja a história da vida. Isso acontece ocasionalmente, e eu notei que algumas pessoas foram testadas muito rapidamente."

Na NBA, onde oito equipes inteiras foram testadas, há opiniões diferentes. Bob Myers, presidente de operações de basquete dos Golden State Warriors, disse que sua equipe acha que seria injusto para os jogadores buscar acesso especial.

"Fomos informados de que os testes estão escassos", disse Myers em uma teleconferência na terça-feira, explicando que nenhum treinador, jogador ou membro da equipe Warriors faria o teste se não tivesse sintomas --e só então de acordo com as diretrizes do governo. "Não somos melhores que ninguém, não somos piores. Apenas um time de basquete."

No mesmo dia, o prefeito Bill de Blasio, de Nova York, em um post no Twitter, criticou os Brooklyn Nets, que conseguiram testes para todos os seus membros. Quatro deram positivo, com um deles exibindo sintomas.

"Desejamos a eles uma rápida recuperação", escreveu De Blasio. "Mas, com todo o respeito, uma equipe inteira da NBA NÃO deve fazer o teste do Covid-19 enquanto houver pacientes gravemente doentes aguardando para ser testados. Os testes não devem ser para os ricos, mas para os doentes."

O acesso mostrou-se desigual em todo o país, mesmo quando as diretrizes sobre quem se qualifica foram ampliadas e os laboratórios que realizam exames se expandiram, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) federais aos departamentos estaduais de saúde e, depois, a hospitais e laboratórios particulares.

Nas áreas do país onde o vírus demorou a aparecer, as pessoas conseguiram testes facilmente. Mas em Nova York, Califórnia, Estado de Washington e Massachusetts, onde o vírus se espalhou rapidamente e a demanda por testes é mais alta, é muito difícil.

O Departamento de Saúde da cidade de Nova York orientou os médicos a solicitar exames apenas para pacientes que precisam ser hospitalizados. As pessoas com sintomas leves estão sendo instruídas a ficar em quarentena em casa. Até os profissionais de saúde, com alto risco de contrair o vírus e transmiti-lo, têm enfrentado dificuldade para fazer o teste.

Em New Rochelle, comunidade ao norte de Manhattan onde o vírus se espalhou, uma mãe doente foi informada de que não poderia fazer o teste porque não havia estado em um "ponto quente" global. Em Boston, um funcionário da Biogen, empresa de tecnologia onde muitas dezenas deram positivo após uma conferência, foi recusado porque não apresentava sintomas. No Twitter, a hashtag #CDCWontTestMe circula há semanas.

Aos olhos de alguns médicos, figuras importantes pareciam estar avançando para o início da fila.
"Como previsto, o #COVID19 está expondo todas as desigualdades sociais", escreveu no Twitter Uché Blackstock, médico de emergência no Brooklyn. "É perturbador para mim 1) ter que racionar o teste #COVID19 para meus pacientes, depois 2) ter que esperar 5-7 dias pelos resultados, quando as celebridades estão sendo testadas com facilidade e rapidez nos prazos de resposta."

Os chefes de polícia de todo o país estão ficando preocupados com o fato de não conseguirem receber testes.

"O que é frustrante é continuar ouvindo que não há kits de teste disponíveis, e meus funcionários precisam continuar atendendo a solicitações de serviço enquanto atletas profissionais e estrelas de cinema estão sendo testados sem demonstrar nenhum sintoma", disse Eddie Garcia, chefe de polícia de San Jose, na Califórnia, em uma teleconferência com policiais de todo o país.

A elite de Hollywood --estrelas, agentes, estúdios e executivos de redes-- tem médicos em ligação direta e está acostumada a receber tratamento preferencial em centros médicos de Los Angeles como Cedars-Sinai e Ronald Reagan UCLA Medical Center. Muitos na lista "top" usam o LifeSpan, um consultório particular.

Nos últimos dias, entretanto, algumas celebridades --mesmo as com sintomas-- expressaram frustração pela incapacidade de fazer o teste devido à falta de kits. Heidi Klum, personalidade e modelo da TV, postou um vídeo no Instagram na sexta-feira em Los Angeles no qual afirma ter tentado dois médicos, sem sucesso. "Eu simplesmente não consigo um", afirmou.

O vídeo pode ter ajudado a conseguir acesso. Um dia depois, ela voltou ao Instagram para dizer que "finalmente" conseguiu fazer o teste. O resultado foi negativo. Os representantes de Klum não responderam às perguntas.

Mas, geralmente, celebridades de todos os tipos parecem ter tido muito mais facilidade para obter diagnósticos. Na segunda-feira, Arielle Charnas, uma influenciadora de rede social em Manhattan com mais de 1,3 milhão de seguidores no Instagram, postou que ela teve dor de garganta e febre nos "últimos dois dias". Foi-lhe dito que não atendia aos critérios de teste e que devia tratar seus sintomas em casa.

Mas depois de postar no Instagram ela disse que foi inundada com mensagens de fãs pedindo que ela fosse testada pelo Covid-19. Ela marcou um amigo, o doutor Jake Deutsch, fundador do Cure Urgent Care, que concordou em testá-la.

Charnas teve a amostra retirada dentro do carro, documentando o procedimento online. Ela marcou a conta do Instagram de Deutsch e de sua clínica, agradecendo a eles. Na quarta-feira de manhã, ela postou uma declaração informando a seus seguidores que o resultado foi positivo. "Sei que muitas pessoas, tanto na cidade de Nova York quanto em todo o país, não têm a capacidade de receber atendimento médico imediato ao primeiro sinal de doença, e o acesso ao tratamento é a prioridade número 1 em um momento como este", escreveu.

Deutsch disse que estava em parceria com dois laboratórios particulares, BioReference e Lenco, para oferecer testes. Nos últimos três dias sua clínica examinou quase cem pacientes, a metade dos quais deu positivo, segundo ele.

No Capitólio, onde quatro senadores e quase uma dúzia de deputados optaram por ficar em quarentena após uma possível exposição ao vírus, pareciam surgir padrões.

Aqueles que consultaram seus próprios médicos ou o médico que atende no Congresso foram, em geral, desaconselhados de fazer o teste se estivessem sem sintomas.

"Todos os médicos que consultei me aconselharam que, como não tenho sintomas, não estou doente, o teste era medicamente ineficaz", disse no sábado o senador republicano Ted Cruz, do Texas, em entrevista à ABC News.

Alguns que obtiveram testes eram republicanos aliados do presidente --o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul e parceiro frequente de golfe de Trump; o deputado Mark Meadows, da Carolina do Norte, novo chefe de gabinete da Casa Branca; e o deputado Matt Gaetz, da Flórida, que soube que havia sido exposto ao vírus ao embarcar no Air Force One na semana passada para voltar a Washington com Trump. Seus testes deram resultados negativos.

Porta-vozes de Meadows e Graham se recusaram a responder a perguntas por e-mail sobre as circunstâncias de seus testes, incluindo quem o encomendou e onde foi realizado.

Gaetz disse no Twitter que as autoridades médicas da Casa Branca disseram que ele estava sendo testado "não porque estou no Congresso, mas porque estive em contato próximo com o presidente Trump durante vários dias".

Na quarta, foi anunciado que dois congressistas haviam testado positivo: os deputados Ben McAdams, democrata de Utah, e Mario Diaz-Balart, republicano da Flórida. (Outro político da Flórida, o prefeito Francis Suarez, de Miami, também deu positivo.)

A NBA está no centro do debate desde que dois jogadores do Utah Jazz deram positivo. Agora, o número de resultados positivos conhecidos aumentou para sete, incluindo Kevin Durant, dos Nets. Mas dezenas de outros foram testados.

Adam Silver, comissário da NBA, reconheceu as críticas em uma entrevista na quarta-feira à ESPN. Mas ele insistiu que a liga buscou testes sob a orientação de autoridades de saúde pública.

"Deixe-me começar com a situação em Oklahoma City na quarta-feira à noite", disse Silver. "O Utah Jazz não pediu para ser testado. O funcionário da saúde pública de Oklahoma no local não apenas exigiu que fossem testados, como também não lhes permitiu deixar o vestiário, pelo menos quatro horas após o jogo, onde eles precisaram ficar mascarados."

A liga divulgou poucos detalhes sobre como obteve acesso aos testes.

Wendy Bost, porta-voz da Quest Diagnostics, um dos maiores laboratórios comerciais do país, disse que várias organizações pediram ajuda para testar seus funcionários, observando que a Quest forneceu "uma porcentagem extremamente pequena de nossos kits de coleta para um pequeno número de equipes esportivas". Ela disse que a empresa concordou em fazê-lo apenas para equipes com pelo menos um caso diagnosticado.

A Quest, assim como a LabCorp, outra grande empresa de diagnósticos, disse que os testes foram processados na ordem em que foram recebidos.

A NBA, no dia 7 de março, instruiu todas as equipes a identificar uma instalação próxima onde poderiam se inscrever para realizar os testes, de acordo com um memorando privado obtido por The New York Times. Mas as abordagens das equipes variaram, e algumas disseram que não testaram seus jogadores.

Uma porta-voz do Nets disse que os testes foram obtidos através de uma empresa privada, para evitar o uso de recursos públicos. Os testes ocorreram depois que a equipe "notou que vários de nossos jogadores e funcionários tinham sintomas", disse ela.

O time reagiu às críticas de que havia recebido acesso injusto, dizendo: "Se esperássemos que os jogadores apresentassem sintomas, eles poderiam ter continuado a representar um risco para suas famílias, amigos e o público".

Outras ligas esportivas enfrentaram perguntas sobre práticas de teste.

De acordo com um comunicado da Major League Baseball, "os jogadores só estão sendo testados sob certas circunstâncias se apresentarem sintomas, e os testes estão sendo administrados pelos mesmos médicos que tratam o público em geral".

Os Yankees foram o primeiro time de beisebol com um teste positivo conhecido: um arremessador da liga menor. Estima-se que 150 a 200 membros da liga menor e funcionários dos Yankees estejam em quarentena, e o complexo da liga menor, que passou por uma limpeza profunda, está fechado até 25 de março.

Colaboraram Brooks Barnes, Scott Cacciola, Sopan Deb, Ellen Gabler, Tyler Kepner, Taylor Lorenz, Richard A. Oppel Jr., Farah Stockman, Sheryl Gay Stolberg e James Wagner.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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