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Quando fazer teste? Como cuidar de idosos? O que fazer com beijos? Médico explica

Professor da USP, Esper Kallás tira as dúvidas mais comuns sobre o coronavírus

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São Paulo

O médico Esper Kallás, infectologista e professor da faculdade de medicina da USP, deu alguns conselhos a sua mãe, que tem 75 anos, para se proteger durante a pandemia do novo coronavírus —e eles servem para todos.

Como ela é mais velha e, por isso, está no grupo que corre o risco de desenvolver formas mais graves da doença, primeiro é preciso evitar aglomerações —e aí estão incluídos missa, cinema, teatro. Pode até receber parentes e pessoas que conheça, mas é bom perguntar se eles têm algum sintoma de resfriado —nesse caso, é melhor bater em retirada.

Kallás é um dos principais especialistas em infecções virais do país, além de ser um nome fundamental na história do combate ao HIV no Brasil. Em entrevista à Folha, ele tirou de forma didática as dúvidas mais comuns que se tem sobre o novo vírus, mesmo que em alguns casos, por enquanto, não se tenha respostas precisas.

Grávidas são grupo de risco? Dá para beijar e abraçar amigos e parentes? Todo mundo que se sentir mal precisa ser testado? Você pode conferir respostas a essas e outras dúvidas na entrevista abaixo.

Diferença para outros vírus
Há uma quantidade grande de vírus por aí, e eles causam infecções todos os anos em praticamente todo mundo. O Sars-CoV-2 é mais um que vai fazer parte desse rol. Aos poucos, estamos entendendo qual a capacidade de ele de se multiplicar, causar doenças e quais são as características dessa doença que foi apelidada de Covid-19.

É mais perigoso?
Depende de como você faz a comparação. De forma geral, esse coronavírus é mais agressivo do que os vírus da gripe comum. Aparentemente, a porcentagem das pessoas que podem desenvolver doenças é maior.

Mas, agora, ainda não temos certeza absoluta disso. Está todo mundo praticamente se infectando muito rápido, mas não sabemos qual é o universo de pessoas infectadas. E não se sabe porque não temos ainda todas as ferramentas para ter essa resposta.

Se esse coronavírus está causando uma infecção em um número muito grande de pessoas e a maioria não estiver tendo sintoma nenhum, [quando descobrirmos o universo total] vamos diluir essa taxa de pessoas que tem a doença mais agressiva ou eventualmente morrem, por conta da quantidade de pessoas que têm [a doença]. Daqui a algum tempo, talvez cheguemos à conclusão de que ele é parecido com o vírus da gripe.

Mas, atualmente, se pegarmos todo mundo que chega ao hospital e vermos quais as porcentagens deles que precisam se internar, vão para a UTI ou acabam morrendo, [a taxa] está mais alta do que o vírus da gripe. Mas não sabemos o tanto de gente que se infectou para dar essa resposta definitiva.

Qual a hora de ir ao médico
A pessoa pode pegar e não ter sintoma nenhum, o que provavelmente está acontecendo com as crianças, porque praticamente não vemos criança com a doença. Não é que elas não estejam se infectando, mas elas não desenvolvem a doença.

Há pessoas que têm um nariz entupido, depois escorrendo. E pessoas que têm uma doença mais agressiva, uma tosse mais exuberante, febre, dor no corpo, muito cansaço. E aí começam a aparecer outros sintomas. Uns têm mais dor de cabeça, a febre vem um pouco mais alta, a tosse é ainda mais intensa, 3% das pessoas podem ter diarreia, um pouco de mal-estar mais intenso, calafrios.

Até aí não tem nada melhor a fazer do que repousar em casa e esperar os sintomas passarem. Não temos um tratamento específico para isso. A maioria das pessoas, pelo menos 80%, vão ter desde sintomas brandos até esses mais exuberantes, mas que são totalmente possíveis de suportar em casa.

É preciso procurar um hospital ou um médico quando você começar a ter sinais de falta de ar. Por exemplo, se você está sem febre naquele momento, vai andar um quarteirão e fica muito ofegante. Ou se está sentado vendo TV e está com dificuldade de pegar o ar. Ou começa a notar que as pontas dos dedos e os lábios ficam um pouco arroxeados quando você fica mais ofegante. E a frequência com a qual você tenta pegar o ar é maior do que você está habituado. Nesses casos, é bom que alguém dê uma olhada para ver se merece um cuidado especial.

Necessidade ou não de teste
O teste deve ser reservado, a partir deste momento em que estamos entrando, para situações especiais. Se é uma pessoa que tem vários problemas de saúde, uma idade avançada, está com sintoma e eles são um pouco mais exuberantes, vale a pena fazer.

Pessoas de mais idade podem ter um quadro mais agressivo. Se tiver falta de ar, vá para o hospital.

Há outras duas circunstâncias. Uma são as pessoas que trabalham no cuidado aos pacientes. Por que isso? Porque não queremos que um profissional de saúde com o vírus atenda pessoas com suspeita, senão ele começa a espalhar muito mais [a doença].

A outra situação é para fazer pesquisa. Porque precisamos dar respostas importantes —se conseguimos um remédio para poder tratar, um remédio para poder prevenir, se uma vacina vai funcionar ou não, se um teste vai ser melhor do que o outro.

Nessas circunstâncias é importante esse investimento. Querer fazer o teste em gente que não tem sintoma é bobagem. Querer fazer um teste em uma pessoa que tem uma coisa muito branda é bobagem. No momento que for fazer o teste, essa pessoa vai ficar possivelmente com pessoas que têm o vírus ali na sala de espera do hospital e, caso não tenha o vírus, acabar pegando.

Temos uma quantidade de recursos finita. E essa quantidade pode se esgotar se todo mundo quiser fazer o teste ao mesmo tempo. Então, se você não tem os sintomas não faça o teste —isso pode causar um potencial problema para você e um problema para o sistema de assistência às pessoas.

Passeios com crianças
Neste momento, ainda estamos aprendendo e as recomendações mudam dinamicamente. Digamos que haja um grande aniversário com 300 pessoas, vovô, vovó, papai, mamãe, um monte de crianças da escolinha e gente que chegou de viagem.

Talvez surja um ponto em que o vírus aproveite para se espalhar mais rápido. Especialmente entre pessoas que têm mais idade e outros problemas de saúde.

Ainda não temos visto uma justificativa para interromper encontros menores. Aí, caso perguntem: “Quanta gente? Qual o limite? 10? 2? 200? 300?”. Infelizmente não temos resposta definitiva para esse número. Vai ser preciso cada um fazer um julgamento —pesar se há necessidade absoluta de fazer aquele tipo de encontro e o risco que vai representar.

Idosos e multidões
Pessoas de mais idade devem evitar essas aglomerações com um pouco mais de cuidado. Vou dizer o que disse para a minha mãe. Eu pedi para ela ficar mais em casa, evitar aglomerações. Por exemplo, ir à missa, a reuniões com amigas, cinemas com salas muito cheias, teatro. Minha mãe tem em torno de 75 anos, fuma, tem um pouco de enfisema no pulmão e preenche os critérios de alguém que pode desenvolver uma doença grave.

Não que ela não possa receber alguns membros da família, encontrar pessoas que ela conheça. Mas sempre deve ter o cuidado de, ao encontrá-los, pedir para eles informarem se estão com algum sintoma de resfriado ou gripe. Caso isso aconteça, é melhor ir embora para diminuir as chances de pegar o vírus. E, mesmo fazendo isso, existe a possibilidade de isso acontecer.

Grávidas
Não temos ainda ideia se grávidas podem ter problemas mais sérios se comparadas a mulheres não grávidas da mesma idade. Até agora, não chegou nenhuma informação —inclusive da China, Coreia do Sul ou Itália— de que elas sejam um grupo de maior risco.

É uma boa notícia. Se não chegou essa informação até agora, caso haja algum efeito [em grávidas], não deve ser algo tão grande, porque senão nós saberíamos depois de mais de 150 mil terem pegado esse vírus em diferentes países.

Recém-nascidos
Recém-nascido aparentemente têm quase nenhum sintoma. Há alguns poucos, mas muito raros casos de crianças muito pequenas que ficaram doentes. De forma geral, raramente vemos uma criança doente, especialmente aquelas até os dez anos.

Esse número é muito pequeno entre adolescentes até 15 anos. Há poucos casos em pessoas com até 30 anos. A coisa começa a subir a medida em que entra na faixa dos 40 anos e vai escalonando aos 50, 60, 70 e, depois, 80, com mais chances de ter sintomas.

Beijinho, tchau tchau
É melhor evitar [beijos e abraços]. Especialmente em qualquer pessoa que tenha sintomas. Chega seu amigo com o nariz escorrendo, diz que acordou meio mal, vem te dar um beijo —existe uma chance de ele te passar alguma coisa .

Fechar escolas ou não
Não adianta uma escola fechar, e a outra não. Não adianta termos uma cidade adotando uma política radical, e a outra não. Porque aí todo mundo faz ou deixa de fazer. Já vi vários comentários de alunos que foram dispensados e foram passear no shopping, no cinema. Você acaba trocando o lugar a que a pessoa vai.

Temos que tomar medidas mais coletivas para dar certo. Isso de todo mundo querer resolver o problema a seu modo não dá resultado.

Ar-condicionado no trabalho
É melhor deixar as janelas abertas, porque a troca de ar é muito maior e mais rápida. Havendo essa possibilidade, deixe-as abertas. Estamos num clima maravilhoso nesta época do ano. A ventilação nos favorece na redução da transmissibilidade do vírus.

Lenço ou cotovelo para tossir
As duas opções têm suas vantagens e falhas. A tosse e o espirro são formas relativamente eficientes de espalhar o vírus.

Quanto melhor a gente tapar [boca e nariz], melhor. Se você tiver um lenço de papel descartável, melhor. Mas, mais do que tudo isso, primeiro lave bem as mãos depois de tossir na mão ou no braço. As gotículas transmitem o vírus. Enquanto o braço de quem tossiu nele estiver úmido, o vírus pode estar presente. Se alguém vai, toca, depois coça o olho, coça o nariz, põe a mão na boca, acaba pegando.

Microondas no trabalho
Não tem problema compartilhar o microondas do trabalho. Agora, se vai se alimentar, lave bem as mãos antes, lave bem depois. Vai usar o talher? Lave antes, lave depois. É a melhor forma de se proteger. Não só de gripe, mas também de outras doenças.

Doenças virais simultâneas
A ocorrência de duas doenças virais, embora seja possível, é baixa. Não é uma regra geral. Mas, na grande maioria das vezes, se a gente vê uma pessoa que tem um vírus como o da gripe, por exemplo, é muito pouco provável que ela tenha o coronavírus.

Sintomas leves e transmissão
Se a pessoa tem sintomas leves e os ignora, ela pode transmitir a doença em seus contatos sociais. Se a pessoa tem sintomas leves, é melhor que ela se recolha a um isolamento na sua casa até eles desaparecerem completamente.

Esse período é suficiente [para deixar de transmitir]? Muito provavelmente. É certeza absoluta que a pessoa não transmitiu a doença antes dos sintomas surgirem nem depois deles sumirem? Não temos ainda essa resposta definitiva.

Pegue três pessoas. Sabemos que a capacidade de transmissão do vírus é de 2,6% a 3%. Vamos imaginar que tem eu aqui e duas pessoas do meu lado com o coronavírus. A pessoa à minha esquerda tem muita tosse e muito espirro. Eu tenho uma tossinha discreta, um nariz um pouco coçando. E a pessoa à minha direita não tem sintoma nenhum.

Na média, cada um de nós pode transmitir o vírus para 2,6% a 3% das pessoas [com quem entramos em contato]. Mas isso é uma média.

Provavelmente a pessoa à minha direita não transmite para quase ninguém. Eu, que tenho sintomas leves, transmito muito pouco. Mas essa pessoa tossindo e espirrando ao meu lado transmite para muita gente. Ela é o que a gente chama de super-disseminador. Deve passar para 15, 20 pessoas. Temos que ter preocupação principalmente com esse grupo.

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