Segundo paciente no mundo foi curado da infecção por HIV, afirma estudo

Paciente que também tinha linfoma recebeu transplante de medula óssea com uma mutação "anti-HIV" em 2016

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Paris e São Paulo | AFP

Uma pessoa com HIV que foi submetida a um transplante de medula óssea está agora curada, tornando-se a segunda no mundo a se recuperar da infecção, aponta um estudo publicado na revista médica inglesa The Lancet HIV.

Quase dez anos após o primeiro caso confirmado de um paciente que conseguiu se livrar do HIV, conhecido como "paciente de Berlim", esse segundo caso, conhecido como "paciente de Londres", não apresenta sinais do vírus há 30 meses.

O doador do transplante possuía um gene hereditário pouco comum, associado à redução do risco de contrair o HIV.

"Nossos achados mostram que o sucesso de um transplante de células-tronco como cura para o HIV, reportado pela primeira vez há nove anos no paciente de Berlim, pode ser replicado", disse  Ravindra Kumar Gupt, professor da Universidade de Cambridge e autor principal do estudo.

Ele faz a ressalva, porém, de que o tratamento tem alto risco e só pode ser usado como último recurso para pacientes com HIV que também têm doenças hematológicas que ameacem a vida. Ou seja, essa não é uma terapia que poderá ser oferecida de forma ampla a pacientes com HIV.

O "paciente de Berlim" revelou sua identidade em 2010. Desde então, o americano Timothy Ray Brown  se tornou um ativista da causa, não só doando suas células para pesquisas clínicas como também se dedicando a ajudar grupos de pacientes que vivem com HIV e de pessoas que perderam entes queridos para a Aids.

Timothy Brown, conhecido como 'paciente de Berlim', em visita a São Paulo
Timothy Brown, conhecido como 'paciente de Berlim', em visita a São Paulo - Patricia Stavis/Folhapress

Brown teve leucemia e, após a quimioterapia não ter conseguido impedir o avanço da doença, precisou de dois transplantes de medula óssea.  Os transplantes eram de um doador que carregava um gene resistente ao HIV, com uma mutação em uma proteína chamada CCR5, que fica na superfície de certas células do sistema imunológico. O HIV "escala" essa proteína para entrar nessas células, mas não consegue se agarrar à versão mutante.

O transplante então tornou o vírus incapaz de se replicar no corpo do paciente ao substituir as células imunológicas dele pelas do doador. Já a radiação e a químio tinham como alvo qualquer resíduo do HIV.

O tratamento também incluiu radiação do corpo todo e sessões de quimioterapia. Brown recebeu drogas imunossupressoras de um tipo que não é mais usado e sofreu complicações intensas por meses após os transplantes. Ele foi colocado em coma induzido em um ponto e quase morreu.

"Ele realmente sofreu durante todo o procedimento", disse o Steven Deeks, especialista em Aids da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que tratou Brown. "Nós sempre nos perguntamos se toda essa destruição do seu sistema imunológico explica por que Timothy foi curado, mas ninguém mais."

O paciente de Londres respondeu a essa pergunta: uma experiência de quase morte não é necessária para o procedimento funcionar.

Ele tinha um linfoma de Hodgkin e, em maio de 2016, recebeu um transplante de medula óssea de um doador com a mutação na proteína CCR5. Seu tratamento foi muito menos danoso, já que ele fez quimioterapia com intensidade reduzida e não precisou da radiação em todo o corpo.

"Acho que isso muda um pouco o jogo. Todo mundo acreditava que, após o paciente de Berlim, você precisava quase morrer, basicamente, para curar o HIV, mas agora talvez não mais", disse Gupta em 2019, quando os cientistas disseram que ele poderia estar curado por estar em remissão.

Os autores do novo estudo apontam que esse caso representa um avanço em relação ao paciente de Berlim porque mostra que a remissão do HIV pode ser alcançada usando drogas menos agressivas, com apenas um transplante de medula óssea e sem irradiação do corpo.

Ainda assim, como se trata apenas do segundo paciente a passar por esse tratamento experimental com sucesso, ele continuará sendo monitorado e avaliado para um possível ressurgimento do vírus.

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