Sete em cada dez pacientes com coronavírus em UTIs no Reino Unido são obesos

Possível relação entre obesidade e infecção grave começa a ser observada também no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Sete em cada dez pacientes graves com coronavírus são obesos ou estão acima do peso, revela dados do serviço de saúde inglês, o NHS, obtidos a partir de admissões nos centros de cuidados intensivos no Reino Unido.

Foram analisados 196 pacientes internados entre segunda (16) e quinta (19) da semana passada. Desses pacientes, 16 morreram.

O estudo, liderado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Terapia Intensiva, mostra que 71,7% dos que estão nas UTIs por Covid-19 têm excesso de peso —na população adulta em geral, a taxa é de 64%.

Outra informação que chama atenção no levantamento: perto de 40% dos doentes estão na faixa etária idade abaixo de 60 anos.

Hospital St Thomas' em Londres; sete em cada dez pacientes internados em UTI com coronavírus no Reino Unido são obesos
Hospital St Thomas' em Londres; sete em cada dez pacientes internados em UTI com coronavírus no Reino Unido são obesos - AFP

No Brasil, onde 55,7% da população adulta está com excesso de peso e 19,8% é obesa, alguns serviços de saúde já começam a perceber uma possível associação entre obesidade e quadros mais graves de infecção por coronavírus.

"Ainda é só uma impressão, não temos dados definitivos para dizer que há uma associação clara. Alguns colegas começaram a notar isso, mas não é geral, aparece mais em pessoas mais jovens e obesas. Não é regra entre os idosos", afirma o infectologista Esper Kallás, professor da USP.

Segundo ele, talvez haja alguma alteração comum entre esse grupo (jovens obesos) e idosos, ainda não muito bem compreendida.

Uma hipótese, diz o infectologista, é que essas alterações estejam no que se chama de resposta inata. "Não é uma coisa construída com anticorpos, com imunidade celular, mas sim algo que está presente no germe. Cabe uma reflexão para a gente entender melhor porque essas pessoas [jovens obesos] vão pior."

Não é a primeira vez que a relação entre obesidade e infecção viral é estabelecida. Um estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a pandemia do H1N1 em 2009, já relatava uma associação entre a obesidade e os quadros mais graves da doença. A publicação envolveu uma revisão de resultados de 70 mil laboratórios de 20 países.

A obesidade é uma doença crônica que envolve um inflamação contínua do corpo, que é o que leva ao aparecimento de inúmeras doenças como diabetes, hipertensão e até o certos tipos de tumores.

Essa inflamação tem influência direta sobre o sistema imunológico, principalmente sobre as células adiposas, segundo o cirurgião bariátrico Caetano Marchesini, pesquisador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

"Os adipócitos, células especializadas em acumular gorduras no corpo, tomam volume e começam a comprometer a circulação do sangue que as supre de oxigênio. Isso causa uma hipóxia, morte celular com liberação de ácidos graxos na circulação, levando a uma resposta inflamatória com ativação de vários mecanismos que comprometem a imunidade dos pacientes."

Outra hipótese é que a obesidade promova defeitos no sistema imunológico alterando a contagem de leucócitos, além da resposta dessas células a condições infecciosas.

Entre as explicações estão o aumento da produção de um hormônio chamado leptina e a diminuição de outro, a adiponectina. O primeiro promove inflamação e o segundo é um hormônio anti-inflamatório. O aumento da leptina tem efeito direto sobre as células imunológicas.

Segundo Marchesini, as recomendações e os cuidados nesse momento de pandemia não mudam para pessoas obesas, mas precisam ser reforçados. "Pacientes com obesidade devem tomar ainda mais cuidado para não se contaminarem."

A pesquisa britânica também mostra que a média dos pacientes graves com coronavírus é de 63 anos, e sete em cada dez casos são de homens. Pouco mais de 10% dos pacientes estudados tinham condições de saúde mais sérias —4%, com problemas renais, 3% com doenças pulmonares e 3,7% eram imunodeprimidos.

As atuais políticas de enfrentamento do coronavírus no Reino Unido e em outros países têm priorizado pessoas com idade média de 70 anos, que sejam frágeis e tenham doenças associadas.

Vários estudos internacionais também sugerem que nesse grupo estarão concentradas as maiores taxas de mortalidade —acima de 15% nos que têm mais de 80 anos.

Esse novo levantamento sugere que muitos casos envolvem pessoas jovens, que vivem independentemente e não têm condições sérias de saúde além do excesso de peso.

Embora os pacientes obesos tenham mais chances de ter diabetes e hipertensão, esses dados não foram coletados na pesquisa.

Segundo o médico Bharat Pankhania, da Universidade de Exeter, apesar de esses doentes críticos na UTI serem jovens, isso não quer dizer que sejam saudáveis.

"Altos níveis de gordura corporal deixa as pessoas vulneráveis a várias condições, como problemas cardíacos e artrite, e talvez mais predispostas a infecções pelo novo coronavírus. Não é uma doença só de pessoas velhas."

Mas a pesquisa pode ter outros viés, pontua Ron Daniels, consultor de medicina intensiva do NHS Foundation. É possível que pacientes mais jovens e com mais chances de cura possam estar sendo priorizados nas vagas de UTIs.

No fim de semana, o serviço de saúde inglês reforçou as orientações de que a idade não deve ser fator prioritário nessa escolha, mas sim o grau de fragilidade, medido numa escada de um a nove. Sendo um a pessoa saudável, robusta e que se exercita regularmente e nove, os doentes terminais.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.