Universidades desenvolvem respiradores para pacientes com Covid-19 em estado grave

Pesquisadores estimam que o número de equipamentos na rede de saúde não será suficiente para suprir a demanda

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Rio de Janeiro e São Paulo

Pesquisadores de universidades como a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a USP (Universidade de São Paulo) estão desenvolvendo protótipos de ventiladores mecânicos para produção industrial em larga escala.

Os ventiladores, também chamados de respiradores, são peças fundamentais no tratamento de pacientes com casos graves de Covid-19, acometidos por insuficiência respiratória. O equipamento funciona como um suporte que viabiliza a função pulmonar e a oxigenação do sangue, mantendo os doentes vivos.

Projeções apontam que o número de respiradores pode ser um dos maiores gargalos no cuidado de pacientes graves. A aquisição de novos itens esbarra tanto no preço, que pode variar entre R$ 50 mil e R$ 150 mil, quanto na capacidade de produção dos fabricantes, a maior parte no exterior.

Na UFRJ, pesquisadores da Engenharia Biomédica do Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) desenvolvem um protótipo de ventilador que possa ser reproduzido em massa, de forma simples, rápida e barata. Eles estimam que o país precisará de mais de 20 mil respiradores e dizem que a produção atual mensal das empresas nacionais é de cerca de 2.000 unidades.

A proposta é possibilitar a ventilação mecânica com diferentes concentrações de oxigênio e pressões compatíveis com os pacientes com dificuldade respiratória. Ao mesmo tempo, válvulas de segurança protegerão o doente de pressão excessiva e filtros especiais evitarão que o ar expirado espalhe o vírus no ambiente, impedindo a contaminação dos profissionais de saúde.

De acordo com a universidade, uma versão preliminar do ventilador foi criada com recursos disponíveis no laboratório e apresentou um bom resultado quando testada em um modelo de pulmão, com condições semelhantes às enfrentadas por pacientes com insuficiência respiratória.

O próximo passo é o teste do protótipo em um paciente que precise de ventilação, o que deve ocorrer até a semana que vem e depende da aprovação prévia da comissão nacional de ética em pesquisa. O objetivo é adaptar o equipamento, garantindo sua eficácia para a produção em escala industrial. Se tudo der certo, o projeto deve estar pronto daqui a duas ou três semanas.

Enquanto isso, a universidade iniciou uma campanha para obter financiamento e parcerias com empresas e instituições públicas privadas que possam viabilizar a produção e a distribuição do protótipo.

Segundo o professor Jurandir Nadal, da Engenharia Biomédica do Coppe, empresas de grande porte como a Vale têm manifestado interesse em ajudar, assim como o BNDES. O Ministério da Defesa também teria oferecido a estrutura do Exército e da Aeronáutica para distribuir os respiradores.

Nadal afirma que, dependendo do financiamento obtido com as empresas, os ventiladores podem ser distribuídos até gratuitamente nos hospitais. O custo de fabricação não deve passar de R$ 5.000, já que a mão de obra é voluntária e o sistema é menos avançado tecnologicamente do que o dos respiradores vendidos comercialmente.

De acordo com o professor, o projeto está sendo acompanhado pelo Ministério da Saúde, apesar de não figurar entre as primeiras opções do órgão. A preferência do governo é comprar todos os ventiladores que o país produz, tentar importá-los ou acelerar a produção nacional. Se alguma das alternativas falhar ou se a propagação do vírus for mais rápida do que o estimado, os respiradores produzidos pela UFRJ poderão entrar em cena emergencialmente.

Na USP, a produção de um protótipo de ventilador está sendo coordenada pela diretoria da Escola Politécnica. Foi formado um grupo multidisciplinar com engenheiros, médicos e empresas que se prontificaram a manufaturar os componentes e associações de indústrias que têm oferecido ajuda.

A partir do financiamento de algumas empresas e da participação em editais, a universidade pretende produzir de mil a 10 mil unidades, que poderão ser distribuídas para hospitais de todo o país. A produção deve ter início nas próximas semanas.

"Nosso equipamento é emergencial, porém permite a realização das terapias mais avançadas para o tratamento da síndrome de angústia respiratória aguda", afirma o professor Raul Gonzalez.

A previsão é de que o custo unitário da produção seja de R$ 1.000. O barateamento foi possível por meio do uso de componentes já produzidos em massa no país. A montagem final será realizada por indústrias certificadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Empresas de várias parte do mundo também correm para se adaptar e produzir os equipamentos em tempo recorde. A Dyson, empresa britânica especialista na produção de aspiradores de pó, purificadores de ar, ventiladores e secadores de mão recebeu um pedido de 10 mil ventiladores do primeiro-ministro Boris Johnson para ajudar no tratamento das vítimas do novo coronavírus.

Outra empresa, a Gtech, especializada em itens de jardinagem e em aspiradores, também apresentou exemplos para a avaliação do governo do Reino Unido. Nos EUA, Ford, 3M e GE Healthcare trabalham juntas para a produção de ventiladores e equipamentos de segurança. A GM e Tesla também já anunciaram a intenção de entrar na área.

Nesta sexta (27), depois de dizer no Twitter que a General Motors estava demorando para produzir ventiladores, Donald Trump emitiu uma ordem para forçar a gigante automotiva GM e sua parceira, a Ventec, a começarem imediatamente a produção. Um contrato de produção com o governo estava em negociação.

Compartilhamento

Outra estratégia para vencer as dificuldades que se aproximam e que já circulam entre os médicos é a possibilidade de dividir ventiladores entre dois ou até quatro pacientes. A manobra envolveria fazer uma espécie de extensão com três ou mais tomadas com os tubos respiratórios para que mais de um paciente conseguisse ser ventilado simultaneamente.

Há, porém, o risco de compartilhamento de patógenos entre os indivíduos. Outro é o de lesão por conta da diferença entre as especificidades de tamanho e estado geral do pulmão entre as pessoas. Esse último entrave pode ser parcialmente contornado ao parear pessoas mais ou menos o mesmo tamanho para dividir o aparelho.

Uma alternativa mais extrema é a construção de ventiladores rudimentares, com motores reaproveitados e outras partes em impressoras 3D.

“Me preocupo muito algumas soluções caseiras, do tipo gambiarra, de respiradores simplórios, feitos sem o devido conhecimento. Trata-se de um produto de suporte à vida que deve ser produzido de acordo com normas técnicas, com garantia de qualidade. Não podem ser feitos em casa, com reúso de peças, motores, caninhos, sem controles mínimos”, diz o professor Fernando Santos Osório, do Centro de Robótica da USP.

A infecção pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus, acontece depois que o vírus se liga a células do pulmão, invade-as, replica-se e as destrói depois de tê-las parasitado. Isso em alguns pacientes impede que o pulmão cumpra adequadamente sua função de mediar a entrada de oxigênio para a corrente sanguínea e a saída de gás carbônico.

“O processo inflamatório compromete fisicamente o pulmão, a complacência, a capacidade de se distender, o que exige mais esforço e pressão para vencer a resistência. É isso que acontece na Covid-19”, diz o médico anestesiologista Marcelo Valverde.

Sem oxigenação adequada, os órgãos começam a entrar em colapso e a pessoa corre sério risco de morrer. A saída é intubar o paciente, ou seja, inserir na traqueia um tubo que o conecta a um ventilador mecânico. O dispositivo se encarrega de manter o organismo funcionando, inserindo ar sob pressão.

Se os primeiros ventiladores, os chamados pulmões de aço, tinham mecânica simplificada, os mais modernos possuem enorme quantidade de microeletrônica embarcada, com microprocessadores, sensores e software que garantem o melhor desempenho do dispositivo.

Uma falha pode ser fatal: se o paciente recebe menos ar e oxigênio do que deveria, o organismo não se sustenta; se recebe quantidade muito alta, pode acontecer o chamado barotrauma, lesão pulmonar que pode até matar.

O aparelho pode funcionar no modo de assistência, apenas para complementar uma função pulmonar existente mas subótima. Se existe uma assincronia entre os ciclos respiratórios do paciente e os ideais, pode ser necessário sedá-lo e/ou usar drogas para paralisar o músculo.

A expectativa no caso da Covid-19 é que os pacientes levem entre uma e três semanas para reassumirem a função respiratória, mas ainda houve poucas extubações no Brasil, o que dificulta o conhecimento sobre o comportamento da doença no país, diz Eduardo Leite, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

A prática clínica já ensinou, por exemplo, que colocar o paciente de barriga para baixo facilita a perfusão, ou seja, a absorção de oxigênio pelo pulmão.

Trabalhadores fabricam respiradores em fábrica na China
Trabalhadores fabricam respiradores em fábrica na China - Yang Qing - 31.jan.20/Xinhua
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