Descrição de chapéu Coronavírus

Urbanistas buscam medidas de combate ao coronavírus adequadas às favelas

Grupos defendem ações que levem em consideração ausência de saneamento e aglomerações

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Rio de Janeiro

Urbanistas estão se mobilizando para propor ações de combate ao coronavírus mais adaptadas à realidade urbana brasileira, com favelas e moradias precárias. Na semana passada, um grupo chamado Urbanistas contra o Corona publicou na internet uma carta aberta na qual apresenta propostas de ação para conter a pandemia em áreas de vulnerabilidade social e espacial.

“A ideia partiu da situação de emergência. É um momento histórico complicado e percebemos que seria pior a hora que esse vírus entrasse na favela”, diz Rodrigo Bertamé, um dos membros do grupo e presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Rio de Janeiro.

Desde então, têm trabalhado em elencar recomendações urgentes de medidas a serem tomadas, como carros de som circulando com avisos e esclarecimentos, instalação de pontos de assepsia em locais públicos e de pontos de abastecimento e distribuição de cestas básicas.

“Dizem ‘lavem as mãos’, mas as pessoas não têm água para lavar as mãos. Então precisamos ter outro tipo de resposta emergencial”, diz Washington Fajardo, outro participante.

“O Rio não tem saneamento básico, que é uma tecnologia milenar. Quando surge uma crise fica patente esse erro”, diz Bertamé.

O grupo é autônomo, funciona como uma rede colaborativa e, embora tenha começado com pessoas do Rio de Janeiro, hoje já reúne gente de outros estados, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. São professores, membros de entidades de classe e estudantes, alguns dos quais vivem na Baixada Fluminense e em comunidades, como a da Providência.

Eles sugerem ainda que sejam feitos testes em massa nas favelas, isolando em espaços adequados os casos confirmados mesmo de sintomas leves; higienização de pontos de ônibus, praças e monumentos; e restrição de corredores de trânsito e criação de novos que direcionem a postos de triagem marcados em mapas de aplicativos e com comunicação visual nas vias.

Segundo Fajardo, os protocolos internacionais que estão sendo seguidos no Brasil são genéricos. “Eles precisam ganhar especificidades urbanas e regionais em função do tamanho do país”, diz o arquiteto e urbanista, que é pesquisador visitante no Rockefeller Center para Estudos da América Latina da Universidade Harvard (EUA).

Causa apreensão, explica ele, o fato de que, ao entrar no Brasil e na América Latina, o vírus chega pela primeira vez a uma região geográfica onde existe grande informalidade urbana, com precariedade de moradia e insuficiência de estrutura. Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo moram em áreas urbanas informais. Na cidade do Rio de Janeiro, cerca de um quarto da população está nas favelas.

O grupo trabalha com medidas a serem implantadas no próximo mês, quando o Brasil deve atingir o pico no número de casos. “Temos que lidar com problemas catastróficos que foram negligenciados por cem anos”, diz Bertamé.

“Não está sendo levado em conta o altíssimo risco que existe nas cidades brasileiras pela presença de assentamentos informais, o que exige outro tipo de organização emergencial. A simples ideia de isolamento social não funciona nesses territórios, porque há uma ocupação por cômodo que excede o padrão”, diz Fajardo.

Em um trecho da carta de apresentação está a frase: “Dar água e sabão a quem necessita é urbanismo”. Grande parte dos urbanistas se afastou do sanitarismo, que dá conta da saúde pública, sobretudo a higiene e o saneamento básico, após as políticas higienistas do começo do século 20, como as implantadas na reforma urbanística de Pereira Passos no Rio de Janeiro, que deslocou a população pobre do centro da capital para as periferias e morros. Mas, segundo o grupo, é preciso voltar à pauta.

“Se não participarmos desse apontamento mínimo ao estado, alguém vai apontar, e talvez não sejam ideias razoáveis. Estamos tentando trabalhar dentro de uma lógica de equidade social para não virar discurso higienista”, diz Bertamé.

Por isso, muitas das sugestões do grupo envolvem a participação e a opinião das comunidades. Um dos desafios é como falar com a população e convencê-la de que as medidas que serão tomadas daqui para frente, que serão duras, são para seu bem.

Entre as ações recomendadas está uma série de medidas para atender emergencialmente aos doentes. Na segunda (23), o grupo divulgou um novo documento, dedicado apenas a ações voltadas a triagem e hospitalização. Algumas delas são decretar o uso de estacionamentos para ampliação de hospitais e leitos, adaptação de escolas próximas a favelas para internações, e mapeamento de áreas vazias próximas a serviços de saúde para possíveis hospitais de campanha.

Para Bertamé, faz mais sentido manter as pessoas próximas à sua comunidade, como nas escolas, do que deslocá-las, por exemplo, para navios, como sugerido nesta terça (24) pelo governo estadual fluminense. “A interlocução social deve ser forte, a pessoa precisa saber para onde seu familiar está sendo levado e em que condições. O desespero e a ansiedade podem levar ao caos social."

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