Áudio de homem que diz ser médico e pede o fim da quarentena tem informações falsas

Autor da mensagem se apresenta como chefe de rotina de hospital do Rio, mas cargo não existe

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São Paulo

O áudio que circula pelas redes sociais de um homem que diz ser médico de um hospital do bairro de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e recomenda a interrupção das medidas de isolamento social e a volta da população ao trabalho, devido ao baixo número de casos da Covid-19 registrados na capital fluminense, apresenta dados falsos.

O homem que se apresenta como chefe da rotina do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla não diz seu nome, mas, como verificado pelo projeto Comprova, não existe essa função no hospital de Acari, segundo a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

O áudio surgiu em grupos de WhatsApp e foi veiculado no canal do YouTube da jornalista Regina Villela, em 27 de março. O conteúdo produzido por ela foi então publicado, no dia 29 do mesmo mês, na página de Facebook do deputado estadual Delegado Cavalcante, do PSL do Ceará.

No áudio, o homem que se apresenta como chefe de rotina do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, questiona as medidas de isolamento social impostas pelo poder público. Ele também diz que é chefe da emergência do Hospital Municipal Rocha Faria e que atua no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes.

Procuradas pelo Comprova, as Secretarias Estadual e Municipal negaram que o suposto profissional faça parte do quadro de funcionários das instituições, e a pasta municipal ressalta que ainda que o áudio fosse realmente de um médico atuante nas instituições, a opinião pessoal de um profissional não refletiria o posicionamento adotado pela Prefeitura e pela Secretaria Municipal de Saúde.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Em uma busca básica na internet e na rede social do deputado cearense Delegado Cavalcanti (PSL-CE) e a partir da publicação, localizamos a conta de Regina Vilella no YouTube, onde o vídeo ainda estava disponível.

Além disso, com outras ferramentas de busca levantamos a origem dos perfis citados na verificação do conteúdo e consultamos as assessorias de imprensa e comunicação das secretarias municipal e estadual de Saúde.

No vídeo, Regina Villela começa sua apresentação dizendo que recebeu, pelo WhatsApp, o áudio “trocado entre um médico e os seus amigos, no Rio de Janeiro”. Segundo ela, a voz seria do chefe de rotina do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro, que foi “alocado para ser o centro de referência para o atendimento dos pacientes que chegarem na rede municipal ou estadual com problema pneumológico provocado pelo ‘vírus chinês’”.

Entramos em contato com a jornalista, por email, para obtermos mais detalhes sobre a origem do áudio e a identidade do suposto médico, mas não obtivemos resposta.

No áudio, o suposto médico diz que tem uma “boa notícia”. “Desde segunda-feira, nós temos no CTI quatro pacientes, nenhum óbito. Desses pacientes, dois estão no tubo, grave, se mantendo. No quinto andar, onde temos 160 leitos distribuídos em 20 ou 25 enfermarias, cada uma com quatro ou cinco leitos, oito pacientes internados, todos eles estáveis. Nem mesmo no CTI, são pacientes que não fazem parte da nossa faixa etária, e olha que eu estou com 56 anos“, afirma.

O Hospital Ronaldo Gazolla é a principal unidade de saúde que está sendo preparada, na capital fluminense, para receber a maior parte dos casos de coronavírus da cidade. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a unidade terá 381 leitos para os pacientes da Covid-19, que estão sendo preparados e liberados conforme demanda.

Ao contrário do que é afirmado no áudio, os casos registrados no Rio de Janeiro não se restringem a pessoas com comorbidades ou a idosos. O estado tem, segundo o boletim epidemiológico publicado em 1º de abril, 832 casos confirmados da Covid-19, 697 deles na capital. Além disso, pelo menos 28 mortes por coronavírus ocorreram no estado até o dia primeiro.

O homem reforça no áudio a volta ao trabalho e diz que tem acompanhado a retomada de atividades nas proximidades dos hospitais onde afirma trabalhar: “Voltem ao trabalho, não fiquem em casa. O que o Bolsonaro falou, ele tá coberto de razão. A gente já está experimentando, dentro das favelas – eu trabalho dentro da favela de Acari [onde fica o hospital], eu sou chefe da vermelha do Rocha Faria, eu estou nesse momento aqui saindo do Hospital Adão Pereira Nunes, que é o de Saracuruna, as imediações desses hospitais é formada [sic] por um povo… Uma população muito pobre, já tá tendo uns ‘piquetezinhos’, pedido de dinheiro, o povo tá começando a entrar em desespero“.

Como já mencionado, as Secretarias do Estado e do Município do Rio de Janeiro não reconhecem o vínculo do suposto médico com os hospitais citados.

O homem ainda continua sua argumentação: “Não existe risco de coronavírus matar quem quer que seja da faixa etária até 40 anos ou 45 anos“, pontua. Ao contrário do que afirma o suposto médico, o Brasil já registra, conforme boletim do Ministério da Saúde, no dia 1º de abril de 2020, 11% das mortes eram pacientes abaixo dos 60 anos. Destes, 15 estavam na faixa de 40 anos a 59 anos, e sete tinham de 20 a 39 anos. A vítima mais jovem da doença no país tinha 23 anos.

Outra afirmação do autor do áudio é de que “nós temos a taxa de replicação do vírus muito mais baixa do que as pesquisas mostram. Existem uns gráficos, não sei se vocês já viram, de cor, onde a faixa acima do Equador tá toda vermelha, tomada, porque lá é um ambiente frio. Nós não temos invernos radicais. Então, vamos evitar aí o colapso econômico“.

Uma projeção da Imperial College, de Londres, na Inglaterra, aponta que o Brasil terá, pelo menos 44 mil mortes causadas pela Covid-19, caso sejam adotadas medidas mais duras de isolamento. Caso se adote o que vem sendo chamado de “isolamento vertical”, ou seja, somente o isolamento de indivíduos que fazem parte de grupos de risco, esse número pode chegar a 529 mil.

A respeito da suposta diferença de replicação do vírus no Brasil, por causa do clima tropical do país, não há estudos conclusivos que suportam esta afirmação. Ao contrário, especialistas afirmam que o clima mais quente do país não protege contra a doença.

Esta verificação foi feita pelo SBT e rádio BandNews FM e publicada pelo projeto Comprova na sexta-feira (3). Coalizão reúne 24 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus.

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