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Autores de pesquisa sobre cloroquina no Amazonas recebem ameaças

Estudo mostrou benefício discreto da droga e risco de morte com alta dose

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Manaus

Um estudo conduzido em Manaus sobre o uso da cloroquina em pacientes de Covid-19 virou alvo da ira de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro. Por meio das redes sociais, os pesquisadores passaram a receber ameaças de morte.

A polícia do Amazonas informou que está investigando as ameaças de morte. Em rede social de um dos pesquisadores, perfis falsos escreveram: "Filho da puta maldito. Deve ser espancado quando pisar na rua!!" e "Assassino comunista fdp".

A pesquisa CloroCovid-19, feita com 81 pacientes em estado grave internados em Manaus, tem o envolvimento de 70 pessoas de instituições como Fundação de Medicina Tropical (FMT), de Manaus, a Fiocruz, a USP e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Funcionário de instituto em Marselha, na França, segura comprimidos de cloroquina e de hidroxicloroquina
Funcionário de instituto em Marselha, na França, segura comprimidos de cloroquina e de hidroxicloroquina - Gerard Julien/AFP

Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo foi tratado com dosagem baixa, adotada em um hospital dos EUA, e outro recebeu dose mais alta, adotada na China.

O objetivo, segundo os pesquisadores, é "verificar se há ação benéfica da cloroquina, em comparação com dados de outros estudos internacionais, nos quais pacientes em condições clínicas semelhantes não usaram cloroquina".

O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) em 23 de março, segundo os pesquisadores. No mesmo dia, a cloroquina passou a ser administrada aos pacientes de Manaus.

Os primeiros resultados foram divulgados no dia 6 de abril por um infectologista da FMT. Em entrevista coletiva online ao lado do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), ele afirmou que os pacientes "se beneficiaram discretamente" da cloroquina e que os resultados encorajavam a continuidade, mas que, em dose mais alta, o medicamento "pode, sim, dar arritmias graves e levar à morte".

Pressionado pelo sistema de saúde à beira do colapso, Lima tentou usar a pesquisa como uma notícia positiva do governo estadual, que financia a pesquisa junto com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão do governo federal.

No dia seguinte à coletiva, o jornal A Crítica, que apoia o governo Lima, estampava na manchete "Pesquisa Amazonense: Cloroquina diminui a taxa de letalidade".

No mesmo dia da entrevista coletiva, a pesquisa suspendeu a dose mais alta porque "havia tendência de mais efeitos colaterais nos pacientes em uso da maior dose".

Onze pacientes do grupo de alta morreram até agora, na maioria idosos. Em artigo publicado em inglês no site MedRxiv, os pesquisadores apontam que pacientes com Covid-19 não deveriam tomar a dose usada na China, devido à toxicidade.

O estudo ganhou a atenção depois que o jornal norte-americano The New York Times fez uma reportagem a respeito. Nos EUA e no Brasil, ativistas que, alinhados aos presidentes Donald Trump e Bolsonaro, defendem a cloroquina disseram que o estudo foi mal conduzido e até que tinha como motivo desacreditar o medicamento.

A partir disso, diversos pesquisadores passaram a receber ameaças. "O debate não apenas está tendo forte viés ideológico, mas também prejudicando a reputação de pesquisadores com forte tradição de pesquisa no Brasil e no mundo, o que pode ser um efeito deletério grave em momentos como o que estamos vivendo", afirmam os autores da pesquisa, em comunicado.

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