Tratamento proposto pelo médico Vladimir Zelenko com hidroxicloroquina não tem comprovação científica

Postagem que destaca 100% de sucesso em tratamento contra a Covid-19 é enganosa

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São Paulo

É enganosa uma postagem no Youtube que destaca 100% de sucesso em um tratamento contra a Covid-19 realizado por Vladimir Zelenko, um médico de Nova York, nos Estados Unidos, com drogas como a hidroxicloroquina, o zinco e a azitromicina.

Como verificado pelo projeto Comprova, a postagem acompanha trechos editados de uma entrevista concedida por Zelenko a Rudolph Giuliani, apoiador do presidente dos EUA, Donald Trump. O estudo feito por Zelenko não tem comprovação científica, não foi publicado em nenhum periódico médico e a única evidência de sua existência são as declarações do próprio autor da suposta pesquisa.

A cloroquina e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina, são indicadas no Brasil para tratar doenças como malária, reumatismo, inflamação nas articulações, lúpus, entre outras. A azitromicina, por sua vez, é um antibiótico. O zinco é um suplemento nutricional.

Testes com esses medicamentos estão, de fato, sendo realizados em pacientes com graus diferentes de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, mas ainda não há comprovação científica de sua eficácia e a automedicação com essas substâncias é contra-indicada pela Anvisa, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde.

Enganoso para o Comprova é o que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Para esta verificação, buscamos as orientações do Ministério da Saúde, da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde para o tratamento da Covid-19, bem como os estudos recentes envolvendo o tratamento da doença com hidroxicloroquina e azitromicina.

Também buscamos o vídeo original da entrevista com Zelenko, publicado no canal Rudolph Giuliani no Youtube.

A postagem verificada pelo Comprova foi feita em 2 de abril no canal “Embaixada da Resistência” no Youtube, uma página dedicada a traduzir para o português vídeos de apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O vídeo publicado pelo canal mostra trechos editados de uma entrevista feita por Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, com Vladimir Zelenko, um médico que atua em Kiryas Joel, comunidade de 35 mil habitantes no estado de Nova York. A entrevista foi publicada no dia 28 de março deste ano.

O texto que acompanha o vídeo diz que Zelenko teve “100% sucesso até agora” usando zinco e as drogas hidroxicloroquina e azitromicina, numa “abordagem pronta e rápida que não deixa a doença evoluir para um quadro de internamento, de onde é difícil recuperar ileso” (sic).

De fato, Zelenko alega ter obtido 100% de sucesso em tratamento realizado com 700 pacientes. Em uma entrevista para o canal no Youtube de um investidor do mercado financeiro, publicada em 1º de abril, o médico disse que apenas seis deles precisaram ser hospitalizados, sendo que dois tiveram pneumonia, mas se recuperaram; dois foram entubados e um faleceu. Este último teria, segundo Zelenko, abandonado o protocolo de tratamento.

Não há evidências de que essa pesquisa tenha realmente sido realizada a não ser a palavra do próprio médico. Em uma carta aberta publicada após o sucesso instantâneo do médico, líderes comunitários de Kiryas Joel acusaram Zelenko de exagerar a extensão da infecção pelo novo coronavírus na comunidade.

Os resultados alardeados por Zelenko também não foram divulgados em nenhum periódico acadêmico. Estudos feitos em diversos países têm tentado verificar a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, mas seus resultados são, por enquanto, inconclusivos.

No Brasil, o Ministério da Saúde decidiu, em março, distribuir essas drogas em determinados hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) como tratamento auxiliar a pacientes que estejam internados e em estado grave. Como mostra nota informativa da pasta, a automedicação com cloroquina é contra-indicada e, no caso da Covid-19, ficará a critério dos médicos responsáveis fazer uso, ou não, do medicamento.

De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a liberação das substâncias para pacientes em estado grave a partir de dados preliminares ocorreu devido à situação emergencial causada pela pandemia. De acordo com a agência, “esse é o chamado uso compassivo (por compaixão), já que não há alternativa terapêutica específica para esses pacientes.”

Também em março, a Anvisa autorizou a primeira pesquisa com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina no Brasil, a ser realizada pelo hospital Albert Einstein, em São Paulo.

A OMS afirma que está acompanhando os estudos clínicos com o uso da cloroquina e derivados, mas até o momento os dados são insuficientes para estabelecer a eficácia desses medicamentos para o tratamento ou prevenção da infecção pelo novo coronavírus. Por enquanto, o órgão só recomenda o uso da cloroquina para o tratamento da malária e alerta para o risco de superdosagem.

No tweet de 21 de março em que alardeou o uso da hidroxicloroquina, Trump citou um estudo realizado em Marselha, na França, por um grupo liderado pelo médico Didier Raoult. Segundo o estudo, a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de Covid-19.

Com um passado controverso, Raoult foi duramente criticado por conta do estudo, apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados.

Desde então, outros estudos se debruçaram sobre essa questão. Um deles, realizado no hospital Renmin, da Universidade de Wuhan, na China, encontrou indícios de que a hidroxicloroquina ajudou a acelerar a recuperação de um pequeno número de pacientes que tinham sintomas leves da Covid-19. Vale salientar que, segundo a OMS, entre os sintomas leves da doença está a pneumonia.

Outro pequeno estudo realizado na China, e publicado em um periódico da Universidade Zhejiang, não detectou benefícios com o uso de hidroxicloroquina e concluiu que mais pesquisas são necessárias.

Um quarto estudo, coordenado por Jean-Michel Molina, professor do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Paris, publicado no periódico Médecine et Maladies Infectieuses, não encontrou nenhuma evidência de redução da carga viral ou benefício clínico com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com infecção grave por Covid-19.

Esta verificação foi feita pelo SBT e e publicada pelo projeto Comprova nesta segunda-feira (6). Coalizão reúne 24 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus.

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