Descrição de chapéu Coronavírus

Estudo propõe quarentena que acompanhe fluxo das internações por Covid-19

Especialistas defendem alternância de períodos de isolamento para combater coronavírus

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São Paulo

Na última semana, a universidade britânica Imperial College de Londres publicou um estudo em que propõe que, para achatar a curva de crescimento da epidemia de coronavírus, seria necessário que os países impusessem medidas de distanciamento social moduladas de acordo com o fluxo de suas UTIs.

Em termos práticos, a publicação defende que a quarentena seja intensificada toda vez que as internações nas unidades intensivas pela Covid-19 aumentarem e relaxada sempre que seus leitos se esvaziem. A dinâmica poderia durar até o surgimento de uma vacina —prazo em torno de 12 a 18 meses, de acordo com especialistas.

Para o infectologista Marco Aurélio Safadi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o estudo estabelece paradigmas para uma situação absolutamente sem precedentes. “É uma bola de cristal, claro, mas a metodologia é muito boa”, avalia.

“É uma circulação de um vírus novo, o que pressupõe uma população suscetível a ele, ao contrário do que acontece com outras doenças infecciosas, que encontram na população alguns bolsões de indivíduos que tomaram vacina e que não vão se infectar. Nesta, a princípio todos são suscetíveis.”

O médico explica que já existem medidas que contribuem para que não haja um pico de internações, mas que elas não interferem na propagação do vírus na comunidade. “O estudo propõe medidas de supressão, que são não farmacológicas e têm como objetivo tornar a taxa de transmissão bem baixa a ponto de ter interrupção na transmissão”.

Na prática, diz Safadi, a quarentena necessária prevê isolamento em domicílio, distanciamento social não só dos idosos, mas de toda a população, e o fechamento de bares, restaurantes, escolas e universidades. Tudo, porém, modulado de acordo com o cenário de admissões nas UTIs, e de maneira regional, estado a estado.

“O estudo mostra essas medidas sendo aplicadas por quatro, cinco meses, mas não sabemos a duração certa. Só vamos conseguir uma situação controlada quando tivermos uma porcentagem grande da população já com anticorpos, o que pode acontecer com a disseminação do vírus, ou com o surgimento de uma vacina”, resume.

Professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e diretor de pesquisa do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), Rudi Rocha reforça a importância do estudo por mostrar a magnitude do momento e destacar a combinação de medidas para a contenção da epidemia. No entanto, ele enxerga obstáculos na execução.

“Embora modulações desse tipo não possam ser descartadas, acho que seria muito difícil implementá-las, em especial em um país tão heterogêneo como o nosso, com muita descentralização na oferta de serviços e com muitas regiões tão carentes e com baixa capacidade de resposta do setor público”, diz.

Rocha divulgou, em parceria com uma equipe de pesquisadores, uma nota técnica em que buscam identificar as áreas de maior carência de infraestrutura hospitalar no país. De acordo com o documento, em um cenário de 20% da população infectada, e 5% dos infectados necessitando cuidados em UTI por cinco dias, 294 das 436 regiões de saúde do país ultrapassariam a taxa de ocupação de 100% —ou seja, os leitos não seriam suficientes.

Desacelerando a infecção de 20% da população de 12 meses para 18 meses, o número de regiões de saúde com ocupação superior a 200% (ou seja, regiões onde o número de leitos precisaria dobrar para comportar todas as hospitalizações) diminuiria de 235 para 172. O contrário, uma aceleração de 12 para seis meses, levaria todas as regiões de saúde, exceto duas, a uma lotação superior a 200%.

“Acho que o momento agora é de correr contra o tempo para preparar o sistema e suprimir rapidamente e da melhor forma possível a primeira onda. Neste caso, me parece importante que as medidas de supressão sejam de fato adotadas e que haja adesão da população, com atenção especial aos mais pobres e vulneráveis”, conclui.

“Na Alemanha, já se fala em ciclo de quarentena e de liberdade se for preciso fazer 'lockdowns' mais longos. São como janelas de respiro que nos permitem ter contato com a vida para além das quatro paredes da nossa casa”, exemplifica Michel Alcoforado, doutor em antropologia e pesquisador.

“Isso gera conexões temporárias entre os indivíduos, breca o processo de solidão, nos permite acessar outros universos sociais e nos faz mais fortes para sobreviver aos tempos que se avizinham”.

Em um cenário em que as medidas de supressão sejam de fato implementadas, com a quarentena estendida e ajustada de acordo com os casos mais graves de hospitalização, especialistas em saúde mental recomendam que se sigam os mesmos conselhos do isolamento atual.

“Manter a rotina, não mudar demais seu ciclo de sono e vigília, ter horário para acordar, manter contato social, meditação, saber lidar com conflitos”, ensina Guilherme Spadini, professor e líder da área de psicoterapia na The School of Life.

“Ficar isolado é estranho ao ser humano, que é feito para interagir. Além do isolamento, a sensação de estar privado da liberdade também é ruim. Fora que você não está só isolado, mas em uma situação de estresse”, diz. “É o momento de tentar olhar para dentro. Se a gente sabe o que se passa dentro da gente e pode falar sobre isso, ajuda muito”.

Para Spadini, é preciso, ainda, fazer um bom uso da tecnologia, a fim de torná-la aliada durante a quarentena, e não uma fonte de estresse. “A principal dica é lembrar que a tecnologia não é um fim em si mesmo, mas um meio para estarmos com outras pessoas. Ela vai permitir que a gente fale, troque, dê risada. Quando passamos horas só clicando em coisas, olhando redes sociais ou jogando videogame, a tecnologia se torna um fim em si mesma, e isso é ruim”.

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