Descrição de chapéu Coronavírus

HC da USP e Sírio-Libanês testam anticoagulantes em pacientes com coronavírus

Medicamento tenta impedir grande coagulação que ocorre com a Covid-19 e pode bloquear vasos no pulmão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Frear a ampla ação de coagulação que ocorre junto com a hiperinflamação causada pela Covid-19 pode ajudar a evitar mortes pela doença, segundo resultados clínicos preliminares obtidos no Hospital Sírio-Libanês.

O experimento no hospital consiste em aumentar, aos poucos, doses de anticoagulantes em pacientes internados com coronavírus em estado grave e com oxigenação problemática no sangue.

Elnara Negri, professora do departamento de patologia, médica do Lim (Laboratório de Investigação Médica, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e pneumologista do Sírio-Libanês, afirma que a técnica parece promissora, mas lembra que ela ainda está em fase de observação. Um artigo científico com os resultados das observações feitas deve ser publicado nos próximos dias e a pesquisadora espera que o protocolo seja validado por pesquisas maiores.

Por causa das evidências clínicas até o momento, os anticoagulantes devem começar a ser usados por alguns grupos de pacientes do Hospital das Clínicas da USP, segundo Negri.

Até agora foram tratadas cerca de 30 pessoas com o método, das quais 25 não precisaram ser intubadas. As outras cinco estão na UTI e começaram a ser tratadas com o método quando já estavam sob cuidado intensivo. “É pouco. É uma observação clínica de que esses pacientes estão indo bem. Estão ficando sete dias internados, não precisam de aparelhos e vão para casa”, diz Negri. “Mas ainda não é algo comprovado.”

O procedimento, feito com anticoagulantes hospitalares baratos, já é indicado como sugestão de tratamento no Sírio-Libanês. O Hospital das Clínicas da USP deve seguir o mesmo caminho.

“Não é para tomar anticoagulante em casa, sem indicação médica. O remédio pode matar”, diz Negri.

As doses mais altas de anticoagulantes têm o intuito de contrabalançar a ampla ação de defesa do corpo contra a Covid-19.

Para invadir as células pulmonares e de outros órgãos, o Sars-CoV-2 quebra barreiras celulares. O corpo, para se defender do ataque massivo do vírus, desencadeia uma espécie de “tempestade inflamatória”.

Ao mesmo tempo em que ocorre a grande reação de inflamação, o organismo ensaia uma limpeza do estrago feito pelo vírus e começa a “tapar buracos” a partir da formação de coágulos em um processo circular, de retroalimentação. O problema é que a coagulação pode acabar saindo do controle e provocar tromboembolismo, que é o entupimento de vasos sanguíneos mais finos, como os capilares que irrigam os alvéolos pulmonares.

Em autópsias de pessoas que morreram pela Covid-19 foram encontrados os bloqueios na microcirculação sanguínea, especialmente nos pulmões.

Com a microcirculação comprometida, a troca gasosa que ocorre nos alvéolos —o O2 entra no sangue, que o leva para outras áreas do corpo, e o CO2 é retirado da corrente sanguínea— também é prejudicada e, por isso, a pessoa passa a ter problemas de oxigenação no sangue.

“O que faz o paciente precisar do respirador é que o vírus estimula que o sangue coagule dentro dos capilares pulmonares. Há uma coagulação intravascular disseminada”, diz a pesquisadora. “É um cabo de guerra. Você vai puxando de um lado para não coagular demais, mas não pode puxar muito senão ele sangra.”

Geralmente, o anticoagulante é administrado para prevenir a trombose venosa profunda (a formação de coágulos nos vasos sanguíneos) em pacientes de longa permancência em UTIs, mais suscetíveis a problemas de circulação e mobilização após a alta. Essa prescrição é estudada caso a caso de acordo com o histórico do paciente.

Decio Diament, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e infectologista no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e no Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que na UTI, inclusive em casos de Covid-19, o uso de anticoagulantes é rotineiro. Mas, quando a situação de bloqueio de circulação parece mais ampla, o uso de anticoagulantes é indicado como tratamento, não como profilaxia.

Estudo publicado por pesquisadores chineses no último dia 27 de março consistiu em administrar o anticoagulante na forma profilática em pacientes com quadro pneumático grave decorrente de Covid-19. Ao mesmo tempo, eles avaliaram pacientes com quadro de pneumonia não relacionada à Covid-19, que não receberam a droga. Resultado: os pacientes que foram tratados com os anticoagulantes apresentaram melhora no quadro pneumático.

O problema do estudo é que não houve um grupo controle de pacientes com Covid-19 que não recberam a droga, o que ajudaria a eliminar a possibilidade de esses pacientes não desenvolverem trombose de maneira natural.

“O problema é que os anticoagulantes podem causar hemorragias. Seu uso precisa ser muito bem controlado”, diz Diament. “Dependendo da intensidade do processo inflamatório e de coagulação, essa abordagem pode ser eficaz ou não. Processos inflamatórios muito intensos ou descontrolados podem não responder a essa terapia.”

O especialista do Emílio Ribas diz que tanto o uso profilático (durante internação) de anticoagulantes quanto o de tratamento em pacientes de Covid-19 vem sendo feito em outros países. Já começam a surgir pesquisas mais aprofundadas sobre os distúrbios de coagulação e tratamento com anticoagulante em pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

"O negócio é achar o tempo certo, a hora de começar a usar o anticoagulante", diz Negri. No Sírio-Libanês, os pesquisadores têm usado o anticoagulante antes da ida para a UTI, quando a diminuição da oxigenação no sangue começa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.