Descrição de chapéu Coronavírus

'Isso não é a peste negra; não é como se não tivéssemos ideia do que está matando as pessoas', diz autor de 'Sapiens'

As escolhas que estamos fazendo agora provavelmente irão moldar nossas vidas nos próximos anos, disse escritor israelense Yuval Noah Harari à BBC.

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Que tipo de sociedade surgirá desta pandemia? Os países estarão mais unidos ou mais isolados? Ferramentas de vigilância serão usadas para proteger ou oprimir os cidadãos?

As escolhas que estamos fazendo para combater a Covid-19 moldarão nosso mundo nos próximos anos, afirma o historiador israelense Yuval Noah Harari, autor de "Sapiens: Uma Breve História da Humanidade".

O escritor Yuval Noah Harari, em Beverly Hills, EUA, em 2018
O escritor Yuval Noah Harari, em Beverly Hills, EUA, em 2018 - Emily Berl/The New York Times

Em uma entrevista ao programa Newshour da BBC, o escritor trouxe reflexões sobre os desafios diante de nós.

"A crise nos obriga a tomar decisões muito importantes e tomá-las rapidamente. Mas temos opções."

'Questão política'

"Talvez as duas opções mais importantes sejam: se enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista ou se enfrentamos através da cooperação e solidariedade internacionais", afirmou. "Em segundo lugar, dentro de um país, as opções são tentarmos superar a crise por meio de controle e vigilância totalitário e centralizado, ou por meio da solidariedade social e do empoderamento dos cidadãos", acrescentou.

A pandemia de coronavírus levantou questões tanto científicas quanto políticas, ressaltou Harari.

No entanto, ele afirma que, embora tenhamos abordado alguns dos desafios científicos, pensamos menos sobre como reagimos aos desafios políticos.

"A humanidade tem tudo o que precisa para conter e superar essa epidemia", afirmou. "Não é a Idade Média. Não é a peste negra. Não é como se as pessoas estivessem morrendo e não tivéssemos ideia do que as está matando e o que pode ser feito sobre isso."

Cientistas chineses já identificaram e sequenciaram o vírus Sars-CoV-2 no centro do surto. Muitas outras nações têm conduzido investigações semelhantes.

Embora não haja cura para a Covid-19, os pesquisadores fizeram progressos na busca de uma vacina usando a mais recente tecnologia médica e inovação.

E sabemos que algumas ações, como lavagem das mãos e distanciamento social, podem ajudar a nos proteger do vírus e evitar que ele se espalhe.

"Entendemos completamente o que estamos enfrentando e temos a tecnologia, temos o poder econômico para superar isso", disse Harari. "A pergunta é: como usamos esses poderes? E essa é principalmente uma questão política."

Tecnologia perigosa

No contexto de uma emergência, os processos históricos avançam rapidamente e as decisões que normalmente levariam anos de deliberação são tomadas da noite para o dia, argumentou Harari em um artigo publicado no jornal Financial Times em 20 de março.

As tecnologias de vigilância que estão sendo produzidas a uma velocidade vertiginosa podem ser colocadas em prática sem desenvolvimento adequado ou debate público, ressalta o escritor.

Nas mãos erradas, diz Harari, essas tecnologias podem ser usadas pelos governos para "instituir regimes de vigilância total que coletam dados de todos e depois tomam decisões de maneira opaca".

Em Israel, por exemplo, o governo aumentou o poder dos serviços secretos - e não apenas o das autoridades de saúde - para acessar dados como a localização de pessoas que foram infectadas.

Isso também foi testado na Coreia do Sul, mas Harari acredita que no país asiático houve maior transparência.

Na China, que possui uma das operações de vigilância mais sofisticadas do mundo, foi usado reconhecimento facial para multar cidadãos que quebraram a quarentena.

Isso pode se justificar no curto prazo, disse Harari, mas ele aponta que há riscos se essas medidas se tornarem permanentes.

"Concordo que os governos tomem medidas fortes, às vezes radicais, tanto em termos de assistência médica quanto econômica. Mas, em primeiro lugar, isso tem deveria ser feito por um governo que represente todo o povo", afirmou. "Em tempos normais, você pode governar um país com o apoio de apenas 51% da população. Mas, em um momento como esse, o governo precisa representar e cuidar efetivamente de todos", disse ele.

Falta de união versus cooperação

Segundo Harari, nos últimos anos, governos eleitos ou formados sob égides nacionalistas e populistas dividiram sociedades em dois campos hostis e aumentaram o ódio por estrangeiros e nações estrangeiras.

Mas a crise global de saúde mostrou que as pandemias não discriminam grupos sociais ou países.

Devemos escolher entre seguir o caminho da divisão ou o da cooperação diante das adversidades, destacou o historiador.

Vários países focaram em uma abordagem mais individualista na administração da crise, convocando empresas privadas a contribuírem no combate à Covid-19 com infraestrutura e suprimentos médicos.

Os Estados Unidos foram particularmente criticados por supostamente minarem tentativas de outros países a obter máscaras, produtos químicos e respiradores.

Teme-se que as vacinas produzidas em laboratórios nos países ricos não cheguem aos países em desenvolvimento e aos mais pobres em quantidades suficientes.

E, no entanto, dadas as possibilidades de cooperação hoje, lições aprendidas por um grupo de cientistas chineses pela manhã, podem, à noite, salvar uma vida em Teerã, no Irã, disse Harari.

É "muito mais racional" fortalecer a cooperação global, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e a distribuição justa de recursos humanos e materiais entre todos os países afetados pela doença.

"Na verdade, teríamos que olhar para a Idade da Pedra para encontrar a última vez que as pessoas puderam se defender completamente contra epidemias por meio do isolamento", disse ele.

"Mesmo na Idade Média, as epidemias se espalharam, como foi o caso da peste negra no século 14.".

Isso pode mudar nossa natureza social?

Quaisquer que sejam os resultados de nossas escolhas, o renomado historiador acredita que continuaremos sendo "animais sociais".

O vírus "está explorando a melhor parte da natureza humana", ou seja, nosso instinto de sentir compaixão e estar próximo daqueles que adoecem, ele disse.

"O vírus tira vantagem disso para nos infectar. E agora é preciso manter esse isolamento social e ser inteligente e agir com a cabeça, e não apenas com o coração", ele insiste.

"Mas é muito difícil para nós, como animais sociais. Acredito que quando a crise acabar, as pessoas sentirão ainda mais a necessidade de estabelecer vínculos sociais. Não creio que possa haver uma mudança fundamental na natureza humana."

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