Descrição de chapéu Coronavírus

Na corrida pela vacina contra o coronavírus, grupo de Oxford lidera

Cientistas do Instituto Jenner preparam testes clínicos, e novos exames mostram que a vacina é eficaz em macacos

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David D. Kirkpatrick
The New York Times

Na corrida mundial por uma vacina para deter o coronavírus, o laboratório mais veloz está na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A maioria das outras equipes teve de começar com pequenos testes clínicos com algumas centenas de participantes para demonstrar segurança. Mas os cientistas do Instituto Jenner assumiram a dianteira com uma vacina, tendo provado em testes anteriores que inoculações semelhantes —incluindo uma no ano passado contra um coronavírus anterior— eram inofensivas para seres humanos.

Isso permitiu que eles saltassem à frente e programassem testes de sua nova vacina para o novo coronavírus com mais de 6.000 pessoas até o final do próximo mês, esperando mostrar não só que ela é segura mas também que funciona.

Os cientistas de Oxford dizem agora que, com uma aprovação emergencial dos órgãos reguladores, as primeiras doses da vacina poderão estar disponíveis em setembro --pelo menos vários meses antes de qualquer outro esforço divulgado--, caso se comprove sua eficácia.

Cientista segura recipiente com possível vacina em laboratório na Universidade de Oxford, Reino Unido
Cientista segura recipiente com possível vacina em laboratório na Universidade de Oxford, Reino Unido - Sean Elias/Divulgação/Reuters

Agora eles receberam notícias promissoras nesse sentido. Cientistas dos Laboratórios das Montanhas Rochosas dos Institutos Nacionais de Saúde, em Montana (noroeste dos Estados Unidos), inocularam no mês passado seis macacos-reso com doses únicas da vacina de Oxford.

Depois, os animais foram expostos a grandes quantidades do vírus que causou a pandemia —exposição que sempre havia causado a doença em outros macacos no laboratório. Mas mais de 28 dias depois, os seis animais estavam saudáveis, segundo o pesquisador Vincent Munster, que conduziu o teste.

"O macaco-reso é a coisa mais próxima que existe dos humanos", disse Munster, notando que os cientistas ainda estão analisando o resultado. Ele disse que esperava compartilhar as conclusões com outros cientistas na próxima semana, e então apresentá-las a uma publicação revista por pares.

A imunidade em macacos não garante que uma vacina fornecerá o mesmo grau de proteção a seres humanos. Uma companhia chinesa, SinoVac, que começou recentemente um teste clínico com 144 participantes, também disse que sua vacina foi eficaz em macacos dessa espécie. Mas, com dezenas de iniciativas em curso para encontrar uma vacina, os resultados com os macacos são o mais recente indício de que o projeto acelerado em Oxford parece um precursor.

"É um programa clínico muito, muito rápido", disse Emilio Emini, diretor do programa de vacinas da Fundação Bill e Melinda Gates, que dá apoio financeiro a várias iniciativas concorrentes.

É impossível saber qual vacina potencial se revelará a mais eficaz até que dados clínicos dos testes estejam disponíveis. Mais de uma vacina seria necessária, em todo caso, afirmou Emini. Algumas poderão funcionar mais efetivamente que outras em grupos como crianças ou idosos, ou com custos e dosagens diferentes. Ter mais de uma variedade de vacina em produção também ajudará a evitar gargalos na fabricação, segundo ele.

A Pfizer anunciou que a vacina que desenvolve com a empresa alemã BioNTech poderia estar pronta ainda neste ano, segundo o Wall Street Journal. Os testes começaram na Alemanha semana passada e os resultados são esperados até junho. Agora elas aguardam a aprovação americana para testar a vacina por lá também.

Como o primeiro a atingir uma escala relativamente grande, porém, o teste de Oxford, mesmo que fracasse, fornecerá lições sobre a natureza do coronavírus e sobre as reações do sistema imunológico que poderão informar os governos, doadores, empresas farmacêuticas e outros cientistas que buscam uma vacina.

"Esse grande estudo no Reino Unido na verdade vai significar um grande aprendizado sobre alguns dos outros", disse Emini.

Todos os outros enfrentarão os mesmos desafios, incluindo obter milhões de dólares em financiamento, convencer os reguladores a aprovar testes em humanos, demonstrar a segurança de uma vacina e —depois de tudo isso— provar sua eficiência na proteção das pessoas contra o coronavírus.

Paradoxalmente, o sucesso crescente dos esforços para conter a disseminação da Covid-19, doença causada pelo vírus, poderá apresentar um outro obstáculo.

"Somos as únicas pessoas no país que querem que o número de novas infecções continue alto durante algumas semanas, para podermos testar nossa vacina", disse o professor Adrian Hill, diretor do Instituto Jenner e um dos cinco pesquisadores envolvidos na iniciativa, durante entrevista em um laboratório no Reino Unido esvaziado pelo bloqueio que já dura um mês.

As regras de ética, como princípio geral, proíbem infectar participantes humanos em um teste com uma doença séria. Isso significa que a única maneira de provar que uma vacina funciona é inocular pessoas em um lugar onde o vírus esteja se espalhando naturalmente.

Se as medidas de distanciamento social ou outros fatores continuarem desacelerando a taxa de novas infecções no Reino Unido, disse ele, o teste talvez não seja capaz de mostrar que a vacina faz uma diferença: os participantes que receberam placebo poderão não ser infectados com a mesma frequência que os que foram vacinados. Os cientistas precisariam testar novamente em outro lugar, um dilema que todas as outras vacinas experimentais também terão de enfrentar.

A iniciativa do coronavírus no Instituto Jenner surgiu da tentativa até agora mal sucedida de Hill de uma vacina contra outra praga, a malária.

Ele desenvolveu um fascínio por malária e outras doenças tropicais quando estudava medicina em Dublin (Irlanda), no início dos anos 1980, e visitou um tio que era padre e trabalhava num hospital durante a guerra civil no atual Zimbábue.

"Eu voltei me perguntando: 'O que você vê nos hospitais da Inglaterra e da Irlanda?'", disse o professor Hill. "Eles não têm essas doenças."

As grandes companhias farmacêuticas geralmente não veem uma oportunidade de lucro em epidemias que afligem os países em desenvolvimento, principalmente, ou nas que terminam antes que uma vacina chegue ao mercado. Por isso, depois de estudar medicina tropical e de um doutorado em genética molecular, Hill, 61, ajudou a transformar o instituto em Oxford em um dos maiores centros acadêmicos dedicados à pesquisa de vacinas sem fins lucrativos, com uma unidade de fabricação capaz de produzir uma série piloto de mil doses.

O esforço do instituto contra o coronavírus usa uma tecnologia que se concentra em modificar o código genético de um vírus conhecido. Uma vacina clássica usa uma versão enfraquecida de um vírus para provocar uma reação imune. Mas na tecnologia que o instituto está usando um vírus diferente é modificado primeiro para neutralizar seus efeitos e então fazê-lo imitar o que os cientistas tentam deter —neste caso, o vírus que causa a Covid-19. Injetado no corpo, o impostor inofensivo pode induzir o sistema imune a combater e matar o vírus visado, fornecendo proteção.

Hill trabalha com essa tecnologia há décadas, tentando enfraquecer um vírus respiratório encontrado em chimpanzés para provocar uma resposta imune humana à malária e outras doenças. Nos últimos 20 anos, o instituto realizou mais de 70 testes clínicos de vacinas potenciais contra o parasita que causa a malária. Até agora nenhuma produziu uma inoculação eficiente.

Em 2014, porém, uma vacina baseada no vírus de chimpanzé que Hill tinha testado foi fabricada em escala suficiente para fornecer um milhão de doses. Isso criou um modelo para a produção em massa da vacina para o coronavírus, caso se mostre eficaz.

Uma antiga colega, a professora Sarah Gilbert, 58, modificou o mesmo vírus do chimpanzé para fazer uma vacina contra um coronavírus anterior, o Mers. Depois que um teste clínico no Reino Unido demonstrou sua segurança, outro teste começou em dezembro na Arábia Saudita, onde surtos da doença mortífera ainda são comuns.

Quando ela soube, em janeiro, que cientistas chineses tinham identificado o código genético de um vírus misterioso em Wuhan, ela pensou que teria a chance de provar a rapidez e a versatilidade de sua abordagem.

"Nós pensamos: 'Teremos uma oportunidade?'", lembrou Gilbert. "'Será um pequeno projeto de laboratório e publicaremos um estudo.'" Não ficou por muito tempo como um pequeno projeto de laboratório.

Quando a pandemia explodiu, o dinheiro de fundações chegou. Todas as outras vacinas foram colocadas no congelador para que o laboratório do instituto se concentrasse em tempo integral na Covid-19. Então a quarentena obrigou todos os que não trabalhavam na Covid-19 a ficar em casa.

"O mundo inteiro geralmente não se levanta e diz: 'Como podemos ajudar? Vocês querem dinheiro?'", disse Hill. "As vacinas são boas para pandemias", acrescentou ele, "e as pandemias são boas para as vacinas."

Outros cientistas envolvidos no projeto estão trabalhando com meia dúzia de empresas farmacêuticas da Europa e da Ásia, preparando-se para produzir bilhões de doses o mais rápido possível se a vacina for aprovada. Nenhum deles obteve direitos exclusivos de comercialização, e um é o gigante Instituto Serum da Índia, o maior fornecedor mundial de vacinas.

Os doadores estão gastando dezenas de bilhões de dólares para iniciar o processo de fabricação em locais no Reino Unido e na Holanda, antes que a vacina seja aprovada, disse Sandy Douglas, 37, médico em Oxford que supervisiona a produção de vacinas. "Não há alternativa", disse ele.

Mas a equipe ainda não fez acordo com nenhum fabricante americano, em parte porque as grandes companhias farmacêuticas dos EUA geralmente exigem direitos exclusivos mundiais antes de investirem em um medicamento potencial.

"Eu pessoalmente não acredito que em um tempo de pandemia deva haver licenças exclusivas", disse o professor Hill. "Estamos convidando várias delas. Ninguém vai ganhar um monte de dinheiro com isso."

A iniciativa de vacina do Instituto Jenner não é a única que demonstra promessas. Duas empresas americanas, Moderna e Inovio, iniciaram pequenos testes clínicos com tecnologias que envolvem material genético modificado ou manipulado de alguma forma. Elas estão tentando demonstrar sua segurança e aprender mais sobre dosagem e outras variáveis. Nenhuma dessas tecnologias já produziu uma droga licenciada ou foi fabricada em escala.

Uma companhia chinesa, CanSino, também começou testes clínicos na China usando uma tecnologia semelhante à do Instituto Jenner, com uma variedade do mesmo vírus respiratório que é encontrado em seres humanos, e não em chimpanzés. Mas demonstrar a eficiência de uma vacina na China pode ser difícil, porque as infecções de Covid-19 lá despencaram.

Armados com dados seguros de seus testes humanos de vacinas semelhantes para ebola, Mers e malária, porém, os cientistas de Oxford convenceram os reguladores britânicos a permitir testes incomumente acelerados, enquanto a epidemia ainda está quente ao seu redor.

Na semana passada, o instituto começou um teste clínico de fase 1 envolvendo 1.100 pessoas. Crucialmente, no próximo mês começará um teste combinado de fase 2 e fase 3 com mais 5.000 pessoas. Diferentemente de qualquer outro projeto de vacina em andamento hoje, este deverá provar a eficácia, assim como a segurança.

Os cientistas poderão declarar vitória se até 12 participantes que receberem placebo ficarem doentes com Covid-19, em comparação com apenas um ou dois que foram inoculados. "Então faremos uma festa e contaremos ao mundo", disse o professor Hill. Todos os que tiverem recebido o placebo também serão vacinados imediatamente.

Se poucos participantes forem infectados no Reino Unido, o instituto planeja outros testes onde o coronavírus ainda esteja se espalhando, possivelmente na África ou na Índia.

"Teremos de correr atrás da epidemia", disse Hill. "Se ela ainda estiver atacando em certos estados, poderemos acabar por testá-la nos Estados Unidos em novembro."

Colaborou Carl Zimmer

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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