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Coronavírus

Por que países com mais testes por milhão de habitantes têm menos mortes por Covid-19

Testes em massa permitem acompanhar melhor a evolução da epidemia, orientando tomadas de decisão

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Daniel Bargieri Domingos Alves Helder Nakaya

O novo coronavírus deixou o mundo de joelhos. O crescente número de casos confirmados, e sobretudo de mortes, forçou diversos países a adotarem medidas extremas de isolamento social. Essas medidas objetivam redução drástica de contatos sociais para diminuir a dispersão do vírus e “achatar a curva” epidêmica.

Há sinais de que a estratégia tenha tido algum sucesso no Brasil. Isso permitirá que o sistema de saúde se prepare para o alto número de pacientes que necessitarão de atendimento quando atingirmos o pico da curva epidêmica, previsto para as próximas semanas.

Depois de cerca de seis semanas de pandemia, com o vírus circulando em dezenas de países, já há dados que permitem medir a contribuição de medidas de controle da epidemia no Brasil. Usando informações do site Worldometer atualizados até o dia 4 de abril, fizemos uma simples comparação entre os números totais de casos e mortes e o número total de testes diagnósticos realizados por país.

O que os gráficos indicam são relações diretamente proporcionais. Ou seja, quanto mais testes realizados, maior o número de casos e mortes confirmados por Covid-19. Isso não é nenhuma surpresa, uma vez que só o teste diagnóstico permite a confirmação da infecção pelo novo coronavírus. O que os gráficos mostram é que os países que testam mais reportam mais (casos e mortes).

Porém, quando comparamos o número total de mortes por Covid-19 ao número de testes diagnósticos disponíveis para a população (uma medida mais precisa de intensidade de testagem), vimos um efeito oposto. Há, inclusive, uma tendência de relação inversamente proporcional. Ou seja, países com maior número de testes por milhão de habitantes tendem a ter um menor número de mortes por Covid-19.

A Islândia, por exemplo, realizou 69.276 testes por milhão de habitantes, reportando 1.417 casos confirmados de Covid-19 e apenas 4 mortes. Na Austrália, foram 11.203 testes por milhão de habitantes, reportando 5.550 casos e 30 mortes. O Chile realizou 2.543 testes por milhão de habitantes e reportou 4.161 casos e 27 mortes, número mais de quinze vezes menor do que no Brasil.

Muitos fatores devem ser importantes na redução do número de mortes causados pela Covid-19. Assim como no Brasil, a maioria dos países adotou medidas de isolamento social, certamente contribuindo para a preservação de muitas vidas.

Entretanto, parece que intensidade de testagem tem um impacto adicional na redução do número de mortes causadas pelo novo coronavírus. É possível, inclusive, que possa ter também impacto na redução do número de casos, uma vez que permite a intensificação do isolamento de infectados, principalmente dos casos assintomáticos.

A maior disponibilidade de testes pode ser um indicador do nível de preparação de cada país para combater a epidemia. Países com sistemas de saúde mais bem preparados terão um menor número de mortes. Entretanto, testagem em massa parece ter impacto determinante no curso da epidemia, mesmo comparando-se regiões com estrutura de saúde parecidas.

Na Itália, duas regiões semelhantes, Lombardia e Veneto, adotaram abordagens diferentes para controle da disseminação comunitária da epidemia. Ambos exigiram distanciamento social, mas apenas Veneto realizou um rastreamento massivo de contatos e testes desde o início. Apesar de terem partido de pontos muito semelhantes, a Lombardia está agora tragicamente invadida pela doença, tendo até então relatado mais de 7.000 mortes, enquanto Veneto relatou algumas centenas de mortes.

Distribuir e realizar testes diagnósticos em massa com centralização dos resultados permitirá acompanhar melhor a evolução da epidemia, orientando de forma objetiva as tomadas de decisões para o combate o vírus.

A disponibilidade de testes diagnósticos por milhão de habitantes também parece ter um papel importante quando se comparam países com tempo similar de epidemia. A Coreia do Sul e os Estados Unidos tiveram seu primeiro caso diagnosticado no mesmo dia, mas a Coreia do Sul realizou rastreamento e testes em massa, enquanto que os Estados Unidos não. Até o dia 4 de abril, a Coreia do Sul reportou 177 mortes (3 mortes por milhão de habitantes), enquanto nos EUA o número de mortes já chega a 8.347 (25 mortes por milhão de habitantes).

Muitos outros fatores parecem determinar o impacto do vírus em diferentes países, como o tamanho real da população exposta, PIB per capita e hábitos culturais. Nossa análise aponta, no entanto, para testagem em massa como um fator importante para diminuição do número de mortes. Vale ressaltar que esse é um fator controlável, enquanto hábitos culturais, PIB e tamanho da população não são variáveis controláveis no curto prazo.

Até 4 de abril, o Brasil reportou 10.278 casos e 431 mortes por Covid-19, com apenas 258 testes diagnósticos realizados por milhão de habitantes. A previsão para as próximas semanas é de aumento expressivo do número de casos.

Por enquanto, estamos testando apenas casos mais graves. É necessário que se implemente com urgência medidas para testagem em massa, com sistema organizado e inteligente de análise dos dados, para preservarmos o maior número possível de vidas. Há precedentes de medidas conduzidas com sucesso em outros países, nos quais o Brasil poderia se espelhar. Chegou a hora de testar!

Daniel Bargieri

Professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP

Domingos Alves

Professor associado do Departamento de Medicina Social da FMRP-USP

Helder Nakaya

Professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid)

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