Descrição de chapéu Coronavírus

Quem prevê quando será pico da pandemia está chutando, afirmam pesquisadores

Observatório Covid-19 BR prevê cenário para no máximo 7 dias; modelos matemáticos variam com e sem isolamento social

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São Paulo

O avanço da Covid-19 no país parece estar ainda longe do fim. É isso que defendem biólogos, físicos, matemáticos e médicos especialistas em modelagem epidemiológica.

A previsão de atingir um pico da doença, depois do qual teríamos uma queda do número de casos e uma certa segurança de que a epidemia está controlada, é algo que todos veem com cautela.

Paulo Inácio Prado é professor do Instituto de Biociências da USP e um dos colaboradores do Observatório Covid-19 BR, uma iniciativa independente de pesquisadores da USP, Unesp, Unicamp e UFABC, além de colaboradores no exterior, que visa a disseminação de informação qualificada sobre a Covid-19.

Segundo ele, só existiriam duas formas de saber quando o pico da epidemia chegará: acompanhando os dados atuais –que são, na melhor das hipóteses, incompletos– ou construindo um modelo matemático.

Para o primeiro exemplo, a análise dos dados é problemática porque não temos, olhando os números de casos diários, como saber se estamos próximos ou não desse pico.

“O pico é quando se chega claramente ao máximo e você vê sinais inequívocos de que está caindo consistentemente. O que nós vemos não é isso. Às vezes você tem uma subida, uma queda de dois dias e uma retomada”, afirma.

Além disso, os dados são incompletos, porque apenas se notifica no país casos graves hospitalizados ou profissionais de saúde, afirma o biólogo.

“Com o monitoramento do número de casos, a gente só vai saber que passou o pico depois de muitos dias, talvez mais de uma semana ou duas semanas depois. Essa seria uma constatação a posteriori”, completa.

Esse é o mesmo problema observado pelo físico Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e coordenador da plataforma Covid-19 Brasil.

Para Alves, a previsão de um pico é “temerária, pois busca defender um quadro que não é possível conhecer agora”.

De acordo com o físico, todas as evidências que temos hoje dos municípios, que são os dados mais confiáveis, apontam ainda para uma ascensão.

Lauro Riff Viegas, 69, tem alta do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, após se curar do coronavírus
Lauro Riff Viegas, 69, tem alta do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, após se curar do coronavírus - Diego Vara - 27.abr.20/Reuters

O que é possível fazer, e é com o que Alves e sua equipe trabalham, é “fitar”, ou seja, ajustar uma tendência de acordo com o número de casos observado. A aproximação desses valores leva a uma reta no gráfico.

Assim, é possível observar que a velocidade com que novos casos notificados dobram diminuiu, o que só pode ser explicado pelas medidas de isolamento social.

Ele ressalta, no entanto, que não é possível afirmar que hoje no Brasil exista um monitoramento da epidemia, pois os dados têm atraso e subnotificação.

É sob essa mesma ótica que a epidemiologista Maria Amélia Veras, professora de saúde coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, vê a evolução da Covid-19 no país.

Para Veras, o monitoramento de uma epidemia pode ser feito através da construção de curvas epidêmicas. Em uma situação real, essas curvas nos dão o número de casos e de óbitos esperados. O problema com uma doença nova é que conhecemos muito pouco para saber a sua dinâmica.

Além disso, a baixa taxa de testagem só nos dá ideia do que está na ponta do iceberg. “Desconhecemos por completo o que está na base, que são os casos assintomáticos e leves.”

Tanto Alves quanto Veras concordam que os estudos estatísticos a exemplo do realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, são boas ferramentas para se conhecer mais ou menos quantas pessoas de fato teriam contraído o vírus no país e guiar medidas de gestão pública.

Em uma abordagem matemática, por outro lado, são assumidas algumas premissas e parâmetros para construção do modelo, e é o que tem sido usado por diversos grupos no país e mundo afora.

Dentre essas premissas estão o conhecimento de como se comporta a epidemia, como é a imunização e quando teremos uma vacina disponível.

Já os parâmetros são os valores que variam ao longo do tempo e em diferentes lugares, como faixa etária, comorbidades, taxa de transmissão, mortalidade, entre outros. Assumindo que essas premissas sejam corretas, é possível descrever todo o comportamento da epidemia antes que ela aconteça.

O problema, segundo Prado, é que é preciso um número elevado de parâmetros –são quase cem na modelagem feita pelo Observatório Covid-19 BR–, e muitos desses valores não são totalmente conhecidos, e mudá-los pode levar a resultados completamente diferentes.

Um dos modelos estatísticos usado por Prado e seus colegas primeiro acompanha os casos em tempo real e em seguida ajusta uma tendência. É o chamado “nowcasting”.

O diferencial do nowcasting é a correção do atraso de notificação, equivalente ao tempo médio entre a pessoa ser infectada, desenvolver os primeiros sintomas, evoluir para um quadro mais grave, dar entrada em um serviço hospitalar, colher a amostra, sair o resultado do teste e a secretaria de saúde inserir essa notificação no sistema. Esse atraso pode ser de até dez dias.

Com essa correção, os pesquisadores chegam a uma tendência –valor diário de aumento de casos e de óbitos confirmados–, e calculam a previsão para, no máximo, uma semana à frente.

Os dados atuais não são suficientes para fazer uma previsão de quando será o pico. Os pesquisadores trabalham hoje com a simulação de cenários, como fizeram os estudos do Imperial College de Londres e da Universidade de Oxford.

Caroline Franco é física e doutoranda do Instituto de Física Teórica da Unesp (Capital) e colaboradora do Observatório Covid-19 BR. Ela trabalha com a construção dos modelos para simular a dinâmica da doença na população.

O modelo matemático calculado por Franco utiliza também os dados de ajuste em tempo real de Prado para tentar aproximar os cenários do mais realista possível. Com isso, ajustaram os parâmetros para, por exemplo, se aproximar da data de início da doença no país ou a probabilidade de infecção por contato.

Por outro lado, os parâmetros como tempo de incubação e tempo de duração de sintomas são embasados em estudo clínicos feitos em outros países.

Até agora, alguns resultados preliminares que tiveram representam simulações de cenários de intervenção, que não foram divulgados justamente para não criar expectativas em torno de números ou datas.

“Se a gente olhar que a taxa de reprodução efetiva do vírus e de duplicação têm diminuído, então muita gente pode pensar que diminuiu e podemos voltar para a vida normal. O que pretendemos mostrar com esse tipo de modelo é que tudo bem, está diminuindo, mas ainda temos um número grande de suscetíveis e se a gente relaxar vamos ter um novo pico”, completa Franco.

A secretaria municipal de Saúde de São Paulo disponibilizou acesso às informações da Covid-19 na cidade para ajuste dos modelos calculados pelo Observatório Covid-19 BR.

O grupo de pesquisa de Domingos Alves faz previsões para o país, por estado e por município do estado de São Paulo, mas Alves afirma que até o momento nem o governo do estado nem o federal procuraram o grupo para usar seus modelos.

Procurados, tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo não responderam sobre quais parâmetros utilizam para seus cálculos.

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