Descrição de chapéu Coronavírus

'Conhecer a dinâmica da Covid-19 em SP vai ajudar a guiar o retorno', diz diretor do Grupo Fleury

Celso Granato diz que estudo de anticorpos vai ajudar a entender, por exemplo, comportamento do vírus em jovens, parcela economicamente mais ativa da população

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São Paulo

O médico Celso Granato, professor da Unifesp, diretor clínico do Grupo Fleury e pesquisador líder do estudo que mostrará a prevalência do coronavírus em São Paulo, afirma que os dados ajudarão os gestores de saúde na tomada de decisões mais seguras quanto às medidas de confinamento e distanciamento social.

"O intuito é disponibilizar para a prefeitura essa informação: na região oeste, temos um percentual x de pessoas que tiveram a doença, mas na zona norte é y. Quando você junta várias regiões no estudo, consegue fazer uma estratégia de retorno à normalidade com mais segurança, uma vez que algumas regiões podem ter tido uma maior taxa da infecção e podem ser liberadas com mais facilidade, com mais tranquilidade", diz ele.

Um estudo para mapear a parcela da população paulistana que já apresenta anticorpos específicos ao novo coronavírus começou nesta segunda-feira (4) na cidade de São Paulo.

Celso Granato, professor da Unifesp, diretor clínico do Grupo Fleury
Celso Granato, professor da Unifesp e diretor clínico do Grupo Fleury - Reprodução/YouTube

A iniciativa é liderada pelo Grupo Fleury em parceria com a ONG Instituto Semeia e Ibope Inteligência, e tem colaboração da Faculdade de Saúde Pública da USP, da Faculdade de Medicina da USP e da Escola Paulista de Medicina (Unifesp).

O desenho amostral foi desenvolvido pelo Ibope Inteligência com os dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde em relação à incidência de casos e número de óbitos por distrito.

Na primeira fase da pesquisa, serão coletadas amostras de sangue de 500 pessoas residentes em seis bairros, os três com maior incidência de casos por 100 mil habitantes —Morumbi, Jardim Paulistano e Bela Vista— e outros três com maior número de óbitos por 100 mil habitantes —Água Rasa, Belém e Pari.

Em cada um dos bairros, serão sorteados aleatoriamente os domicílios a serem entrevistados, nos quais apenas uma pessoa residente terá o sangue coletado. O teste somente será realizado após o consentimento do entrevistado —em caso de recusa, será feita a coleta em outro dos domicílios sorteados.

De acordo com a médica Beatriz Tess, professora do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP e pesquisadora do estudo, o número de amostras foi estimado a partir de outras pesquisas similares feitas no Brasil e no mundo.

“Com esse número conseguimos estimar a prevalência acima de 4% com uma margem de erro razoável. Se pegássemos menos pessoas nessa primeira fase, talvez não atingíssemos essa prevalência mínima, e aí nosso estudo poderia ter um erro amostral”, diz.

Granato diz que também é preciso saber como a doença se espalha pela cidade. "A velocidade de disseminação está dobrando em função do tempo ou triplicando? Quais são as faixas etárias que são mais acometidas? Será que essa disseminação é igual nas diferentes faixas etárias?". Os pesquisadores esperam obter essas respostas na pesquisa, sobre a qual Granato conversou com a Folha.

Como são o financiamento e a logística da pesquisa?

O financiamento do estudo é parte do Grupo Fleury e parte do Instituto Semeia. Nós dividimos os custos igualmente. Já o desenho experimental foi feito pelo pessoal do Ibope Inteligência, que tem uma experiência muito grande em selecionar quem vai ser entrevistado, quem vai colher o sangue, qual será o questionário.

Qual foi o critério para escolha dos bairros?

Nós escolhemos seis bairros agora para a fase-piloto, mas a intenção é expandir para outras regiões da cidade. O critério para seleção foi, em primeiro lugar aqueles que têm maior incidência da doença [por 100 mil habitantes].

A prefeitura aponta praticamente todo dia quais são os lugares da cidade que têm mais casos novos. Porém, se usássemos só esse critério, as pessoas poderiam dizer que são lugares onde têm os melhores convênios, [onde as pessoas] têm mais acesso aos hospitais particulares que podem fazer o teste, então poderia ser enviesado o estudo. Por isso, escolhemos também os três bairros onde a mortalidade foi maior, porque aí não obrigatoriamente as pessoas fizeram o teste, mas foram a um hospital que constatou o óbito associado à Covid-19.

Juntamos esses dois critérios e sorteamos as residências dentro desses seis bairros de maneira aleatória.

É feito então um sorteio e naturalmente a pessoa precisa concordar em ter a coleta de sangue. A pesquisa é totalmente voluntária, gratuita e confidencial —se você for escolhido e quiser participar, apenas você vai receber o resultado do exame.

Nós vamos divulgar para a prefeitura a informação de que, em determinada região, a taxa de positividade obtida foi essa, mas não serão divulgadas informações sobre quem são essas pessoas.

Qual o tipo de teste utilizado?

Nós escolhemos usar uma técnica de exame sorológico tradicional, o ensaio de quimioluminescência, não o teste rápido. Ele também mede os anticorpos IgM e IgG, mas a partir do soro isolado do sangue. O teste que escolhemos é muito sensível, com uma acurácia de 95%.

Caso a pessoa no domicílio escolhido não queira participar, como é o procedimento? Há outro sorteio?

Nesse caso a equipe vai para outra casa. Por isso mesmo temos uma seleção de mais de 700 domicílios, para ter essa flexibilidade.

Posteriormente, quantas fases pretendem fazer?

Quanto mais, melhor, mas o processo todo não é barato, então não dá para cobrir a cidade inteira. A ideia não é apenas ir para outras regiões da cidade mas também voltar às primeiras visitadas, porque imaginamos que vamos ter um número, por exemplo, de 10% de pessoas que testaram positivo em uma região. E depois de um mês? E de dois meses? Como vai ser essa taxa? Não precisamos colher das mesmas pessoas, mas, colhendo das mesmas regiões, podemos comparar e saber qual é a velocidade de disseminação da epidemia.

O intuito é disponibilizar para a prefeitura essa informação: na região oeste, temos um percentual x de pessoas que tiveram a doença, mas na zona norte é y. Quando você junta várias regiões no estudo, consegue fazer uma estratégia de retorno à normalidade com mais segurança, uma vez que algumas regiões podem ter tido uma maior taxa da infecção e podem ser liberadas com mais facilidade, com mais tranquilidade.

Então a prefeitura auxilia com a divulgação dos dados da região, mas não há neste momento nenhuma verba da prefeitura para o estudo?

Exatamente. Não tem financiamento público por enquanto. Eles dão um apoio logístico. A ideia é sempre manter essa composição: eles nos dizem os bairros em que vamos sortear os domicílios, nós fazemos a testagem e retornamos com os resultados.

O senhor comentou que poderia ter depois um retorno para uma mesma região para avaliar a soroconversão, a taxa de pessoas nas quais não foram detectados anticorpos e que em um segundo momento apresentaram essas moléculas no organismo. Em que esses dados podem ser úteis depois de já passado um certo tempo? Eles podem mostrar no futuro o que a gente conhecia da doença?

A ideia inicial da pesquisa é poder saber qual a velocidade de disseminação da doença, pois não sabemos isso ainda exatamente. Não sabemos se ela é homogênea ou não e, se é heterogênea, quão heterogênea ela é. Ela está dobrando em função do tempo ou triplicando? Quais são as faixas etárias mais acometidas? Será que essa disseminação é igual nas diferentes faixas etárias?

Um dado que tem me chamado a atenção é que detectamos cada vez mais pessoas jovens com resultado positivo para a doença, não necessariamente evoluindo em formas graves, mas mesmo assim a Covid-19 vem acometendo os mais jovens. Se pegarmos a população de até 30 anos, a taxa de positividade em pacientes que fizeram o teste RT-PCR multiplicou por quatro, até cinco vezes, e a taxa está mais ou menos estável na faixa das pessoas com mais de 60 anos.

Se pegarmos o histórico da Covid-19 em São Paulo desde quando ela começou, em meados de fevereiro até hoje, no começo só víamos casos em pessoas com mais de 50, 60 anos, e agora vemos crianças de até 10 anos, jovens de até 30 anos, e não por que a quantidade de exames pedidos aumentou. O que está aumentando é a taxa de positividade, não de exames que são feitos.

Por isso, temos a impressão que a epidemia está migrando para os mais jovens, e isso é algo que vamos conferir com o estudo sorológico, com a análise da parcela da população que já apresenta os anticorpos, então é um conhecimento que a gente pode ter com relação à dinâmica da doença na população.

Considerando que a população mais jovem usualmente é também a mais economicamente ativa, o senhor acredita que esse conhecimento também estaria relacionado à questão de como vamos voltar às atividades econômicas?

É isso mesmo que queremos avaliar, quem pode voltar, se os jovens podem voltar, se não podem. No formulário que apresentamos tem uma pergunta para saber se a pessoa é da área da saúde ou não, porque é possível que tenha algumas atividades profissionais que possam voltar antes. Imagina por exemplo se você fosse um médico ou fisioterapeuta, ou mesmo em profissões mais de base, como caixa de supermercado. Talvez seja bom saber que já contraiu o vírus para poder retornar ao trabalho com mais tranquilidade.

Isso tudo é uma somatória de dados que pretendemos juntar para ter um retorno mais organizado. Quanto maior for a taxa de prevalência, melhor, porque aí podemos ter o processo de retorno mais rapidamente.

Mais ou menos nos mesmos moldes do que fizeram a França e a Espanha desde a semana passada?

Exatamente. Se nossos resultados indicarem que a prevalência foi maior entre os jovens, principalmente por terem esse aspecto de serem a grande força de trabalho, podemos guiar as estratégias de retorno a partir disso. E também os jovens tendem a ter uma adesão às medidas de restrição menor, uma pessoa de 60 anos, até pelas barreiras fisiológicas, tende aderir à restrição mais facilmente do que um jovem de 25 anos.

O senhor pretende publicar os resultados como um estudo de soroprevalência da sociedade?

No curto prazo, a ideia é usar os dados para guiar estratégias de flexibilização, mas nós já temos um esboço do trabalho feito, quem está redigindo é a Beatriz Tess. Estamos apenas aguardando os números para submeter esses dados para publicação.

Quando publicarmos, esses dados se tornarão acessíveis para todo o mundo, então, se quiserem fazer um estudo semelhante no Uruguai, na Argentina, é só pegarem o trabalho, avaliarem, vamos fazer assim, ou se quiserem modificar, melhorar, é só fazer. Então vamos publicar sim, com certeza.

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