Uma semana antes do início da quarentena em São Paulo, médicos entraram em uma guerra de WhatsApp sobre as projeções de disseminação do novo coronavírus no Brasil. O motivo era um áudio no qual o cardiologista Fábio Jatene dizia que em quatro meses a Grande São Paulo teria 45 mil casos confirmados da doença.
Nesta sexta-feira (29), dois meses e meio depois —quando já se discute a reabertura econômica de alguns setores na capital—, o estado ultrapassou a marca de 100 mil casos (101.556), 55.741 mil deles apenas na capital, e já tem mais de 7.000 mortes, de acordo com dados oficiais.
Em todo o país já são mais de 465 mil casos da doença e quase 28 mil mortes. Com isso, o Brasil ultrapassou a Espanha e é agora o quinto país com maior número de óbitos.
Na gravação em março, o diretor do serviço de cirurgia torácica do Instituto do Coração (InCor), do Hospital das Clínicas, apresentava um cenário que para muitos era exagerado e alarmista. O dado, porém, era discutido por autoridades sanitárias do estado e foi superado em menos da metade do tempo previsto.
Nos municípios da Grande São Paulo, deixando de fora a capital, são mais de 23 mil casos. Somada, toda a região metropolitana tem quase 79 mil registros de pacientes infectados com o novo coronavírus.
A capital, que concentra 26,6% da população do estado, responde sozinha por 55% dos casos e 56,6% das mortes —o que dá uma mostra do impacto da pandemia na cidade.
Segundo o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP e integrante do comitê de contingenciamento do novo coronavírus, que reúne os maiores especialistas em doenças contagiosas do estado, o número de casos segue um padrão esperado desde a adoção de medidas de restrição e confinamento.
“Estamos chegando próximos do pico do número de casos na capital, conseguimos desacelerar o contágio, e isso pode ocorrer ainda em junho”, afirma Boulos, que cita a queda na taxa de ocupação dos leitos de UTI como um indicador de que a fase de desaceleração de novos casos pode ocorrer em breve.
De acordo com o governo estadual, as taxas são de 70,7% no estado e 83,1% na Grande São Paulo. Isso representa uma redução de cinco pontos percentuais em todo o território, e superior a oito pontos percentuais na região metropolitana em comparação ao último domingo (24) por causa da incorporação de novos leitos ao sistema.
Esses dados, no entanto, não revelam completamente a dimensão do problema. No interior do estado, o número de casos ainda cresce de forma acelerada. Treze cidades paulistas são centros de maior risco para a propagação do coronavírus pelo interior, segundo estudo da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
O levantamento indica a necessidade de medidas mais rígidas de isolamento nesses locais e serviu de base para a prorrogação da quarentena no início deste mês.
Na quarta-feira (27), o governador João Doria (PSDB) anunciou nova prorrogação da quarentena em São Paulo por 15 dias, com flexibilização em algumas regiões do estado.
Foram criadas cinco fases para classificar a rigidez das medidas de quarentena dentro da estratégia para conter a disseminação do novo coronavírus, que atinge 522 dos 645 municípios.
A nova etapa, calibrada pelos índices de incidência da doença e de ocupação de leitos, entre outros parâmetros, começa segunda (1º). As áreas autorizadas só poderão reabrir por decreto municipal.
De acordo com o mapa apresentado pelo governo, a capital entrou na fase laranja, a segunda mais forte na escala.
Com isso, poderão abrir com limitações lojas de rua, shoppings, escritórios, concessionárias e atividades imobiliárias. Bares, restaurantes, salões de beleza e academias continuam fechados.
As atividades econômicas, segundo afirmou o prefeito Bruno Covas (PSDB), só serão liberadas após análise de normas da Vigilância Sanitária.
A prefeitura deve publicar decreto até este domingo (31), regulamentando os pré-requisitos para a reabertura. Municípios da Grande São Paulo, ao contrário, continuam com as restrições atuais de quarentena, ao menos até o dia 15, o que causou irritação em prefeitos da região e rendeu queixas mesmo de aliados.
Nesta sexta, o governador afirmou que não se “submete a pressão de prefeitos” e manteve a decisão.
Segundo Doria, as cidades vizinhas à capital não foram incluídas na reabertura por não terem quantidade de leitos suficiente para pacientes com coronavírus.
Para Boulos a retomada das atividades econômicas não deveria ocorrer logo na primeira quinzena de junho em nenhuma cidade do estado, nem mesmo na capital.
“Isso pode ser uma medida ainda precipitada”, afirma o infectologista. “Pode ser que flexibilize [as restrições] e se perceba que tem que se voltar atrás.”
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