Descrição de chapéu Coronavírus

Sem medidas de controle, surtos da Covid-19 são prováveis em climas úmidos

Estudo publicado na Science quis entender como a transmissão é afetada pelo clima; calor não impede contágio

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São Paulo

Sem medidas de controle, severos surtos do novo coronavírus Sars-Cov-2 são prováveis em climas mais úmidos, aponta um estudo publicado nesta segunda (18) na revista Science. Além disso, diz o artigo, o verão não afeta substancialmente o contágio.

Os autores do estudo fizeram modelos para tentar entender como a transmissão é afetada pelo clima. Para isso, usaram dados disponíveis da influenza, do vírus sincicial respiratório e de dois coronavírus (HCoV-HKU1 e HCoV-OC43) que fazem parte do mesmo gênero causador da Covid-19, além de informações de disseminação do vírus da pandemia atual.

Eles então aplicaram modelagens pandêmicas em nove cidades diferentes, bem distintas em termos de umidade sazonal, sem levar em conta outros fatores demográficos e ambientais.

Com os resultados obtidos, os pesquisadores não encontraram diferenças substanciais no tamanho da pandemia no hemisfério Norte, mesmo com as grandes diferenças de clima entre cidades como Nova York, nos EUA, Londres, no Reino Unido, e Nova Déli, na Índia.

Já nas zonas tropicais, os cenários modelados para influenza e HCoV-HKU1 evidenciaram uma realidade pandêmica mais sustentada e de menor intensidade. “Contudo, o surto nas cidades tropicais continua significativo e fatores não explorados aqui, como densidade populacional, podem exacerbar o tamanho da epidemia”, afirmam os autores.

Em suas modelagens, os cientistas também levaram em conta a imunidade da população aos vírus. Segundo os resultados encontrados, no estágio pandêmico de um novo patógeno a suscetibilidade das populações é o fator determinante para a dinâmica de invasão da pandemia, mesmo que aspectos climáticos possam ter um papel em modular certos aspectos de tamanho e escala de tempo em determinados locais.

"A população é praticamente toda susceptível. O vírus encontrou um rebanho de 7 bilhões de indivíduos para se propagar por uma via muito eficiente. Ele está nadando de braçada", diz Giliane Trindade, pesquisadora do laboratório de vírus do departamento de microbiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Segundo a cientista, que não participou do estudo, a pesquisa também mostra que medidas não farmacológicas, como boa higienização de mãos, uso de máscaras e distanciamento social social, exercem maior influência sobre a evolução da pandemia do que o clima.

“No entanto, isso não significa que o clima não seja um fator importante no longo prazo. Os ciclos endêmicos da doença provavelmente estarão atrelados a fatores climáticos, e picos sazonais podem variar com a latitude”, dizem os autores.

Os pesquisadores também afirmam que implementar medidas de controle leva a um ganho crucial de tempo enquanto vacinas e outros tratamentos são desenvolvidos.

No início da pandemia, houve quem imaginasse que o clima poderia ter um papel em modular a presença do vírus em determinados países. No hemisfério norte, houve quem esperasse um surto menor por causa também da chegada do verão.

O próprio presidente americano, Donald Trump, em março chegou a dizer que o vírus iria embora no verão. Também afirmou, na mesma coletiva de imprensa em que falou sobre uma suposta possibilidade de uma injeção de desinfetante contra o Sars-CoV-2, que o calor e o sol também poderiam ajudar a conter o vírus.

"Há rumores, bons rumores, de que você vai para a rua, no sol, e você tem o calor, e que isso tem um efeito sobre outros vírus", disse. "Gostaria que você falasse [disse, dirigindo-se a um cientista presente] com médicos para ver se você poderia, de algum jeito, aplicar luz e calor para curar. Talvez você possa, talvez não, eu não sou um médico."

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) também já relacionou o clima brasileiro a um possível menor impacto do vírus no país. "Hoje temos informações, por ser um clima mais tropical, estamos aí praticamente no final, ou já acabou aí, o verão, e o vírus não se propaga com essa velocidade em climas quentes como o nosso", disse, em uma entrevista coletiva em 18 de março.

De acordo com a pesquisadora da UFMG, em outros vírus respiratórios em circulação no mundo há um aumento da transmissão inversamente proporcional à presença de umidade e ao aumento de temperatura. "Vemos os vírus respiratórios sendo transmitidos em sua maior parte no inverno, com temperaturas mais baixas. Não é só a sobrevivência do vírus no ambiente, como a facilidade de transmissão por gotículas e pelo fato de no inverno ficarmos mais em ambientes fechados", diz Trindade.

Estudos anteriores, porém, já mostraram que climas quentes poderiam não ser suficientes para conter o novo coronavírus. Pesquisas sobre o vírus do Sars apontavam que ele persiste por mais tempo no ambiente em temperaturas inferiores a 30 grau Celsius e quando há umidade relativa do ar média ou baixa –a não ser quando faz bastante frio, por volta de 5 graus Celsius, situação na qual umidades altas não o atrapalham.

O ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegou a dizer brincando: “Nas minhas orações estou sempre esperando uma vacina. Eu fico sempre cuidando muito e pensando que se esse vírus não gostar de sol não vai ter casos em Cuiabá”.

No Brasil, chama a atenção o surto do novo coronavírus no Norte e no Nordeste do país, com, respectivamente, 45.277 e 81.537 casos. No Sudeste, região com a maior população do país, há 95.938 casos.

O sistema estadual de saúde do Amazonas, por exemplo, colapsou em abril. No estado, 60 dos 62 municípios já foram atingidos pelo novo coronavírus, o que cria um desafio logístico, considerando que, apesar de sua dimensão do estado, somente a capital, Manaus, tem serviços de UTI.

A situação da região Norte levou, em alguns locais, à decretação da medida mais severa de isolamento, o lockdown, como em todo o Amapá, no Pará, Tocantins, Amapá e Roraima. A ação também já foi adotada em localidades do Rio de Janeiro e Paraná.

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