Descrição de chapéu Coronavírus

Transferência de pacientes de Covid para interior de SP é exceção, não rotina, diz coordenador

Região metropolitana já tem quase 90% dos leitos de UTI ocupados e concentra 86% dos óbitos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Com a alta taxa de ocupação de leitos de UTI por pacientes com o novo coronavírus nos hospitais da região metropolitana de São Paulo, perto de 90%, e o rápido avanço da doença para o interior, uma equação indesejável se criou: o estado precisa transferir doentes hoje no epicentro da crise do Covid-19 para desonerar a rede pública de saúde, mas vários prefeitos têm se declarado contra recebê-los.

Para o gerente médico do sistema Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde), Domingos Napoli, o barulho não se justifica. Nos primeiros oito dias de maio, foram transferidos sete pacientes com quadro respiratório grave, todos levados da região de Franco da Rochae para o AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Campinas.

O serviço, que opera com 15 leitos clínicos e 10 de UTI e foi destinado ao tratamento de Covid-19, atende cerca de 80% da região de Campinas e também recebeu doentes de Amparo e Serra Negra.

"A transferência para o interior não é uma prática que estamos adotando como rotina. É excepcional, do momento, da localização e da necessidade do paciente. Ninguém em Campinas deixou de ser atendido", afirmou Napoli à Folha.

É a Cross que que busca o leito mais adequado conforme a gravidade do caso e a disponibilidade de vagas. O número de leitos é a variável mais importante do enfrentamento da pandemia.

Enquanto a capital e a região metropolitana, que juntas perfazem 47,4% da população paulista, somam 82,4% dos 46.131 casos no estado e 85,9% dos 3.743 óbitos, o interior, com 52,6% da população, paira na faixa dos 15% nos dois casos. Campinas, maior cidade do interior e para onde foram levados os pacientes, computava até esta segunda (11) 615 casos e 26 mortes.

No final de abril, o secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, admitiu a necessidade de transferência para mitigar a pressão nos hospitais públicos. Napoli diz que a política deveria ceder espaço para a necessidade de salvar vidas.

"Estão fazendo uma polêmica em cima deste assunto. O SUS é universal, e a regulação não vai prejudicar ninguém. A Secretaria Estadual da Saúde está aumentando a rede de atendimento e a oferta de leitos" afirma.

"Não acredito no colapso, mas ficaremos em situação difícil, e todos temos que colaborar. Nenhuma região será prejudicada por causa de outra. Campinas está difícil, mas em Piracicaba, Marília e Ribeirão Preto ainda está tranquilo. O ano inteiro acontecem essas transferências quando esgotam os recursos na Grande São Paulo."

​Para Domingos Costa Hernandez Júnior, médico especialista em gestão de serviços públicos de saúde pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), a transferência de pacientes da Grande São Paulo para o interior é uma medida traumática para a família, mas factível e segura.

"É isto ou alguém vai ficar na fila e morrer, como vem acontecendo no Rio de Janeiro. É a saída para evitar um colapso na Grande São Paulo. Ainda não há indícios de que o colapso chegue ao interior, que atualmente tem uma folga no sistema", afirma Hernandez Júnior.

"A medida não é rotineira e nem regra. É uma saída para a otimização de leitos e não leva risco para a cidade que recebe o paciente."

Ele explica que a taxa de ocupação de leitos ideal é de até 85%, porque ainda permite a mobilização de pacientes dentro do hospital se houver necessidade — 90%, como se vê hoje na região metropolitana, é um patamar crítico.

O diagnóstico epidemiológico da perspectiva de ocupação total dos leitos é caracterizado pelo número de altas ser inferior ao número de admissões. "É o que está ocorrendo, e num momento vai colapsar. Isso está associado à longa permanência dos pacientes em cada leito —cada paciente, quando intubado, fica de duas a três semanas na UTI; se não intubado, de uma a duas, além do período pós-UTI."

Segundo um estudo do governo estadual apresentado recentemente, caso o índice de isolamento social se mantivesse a 70%, a taxa de transmissão seria de 0,87% e haveria estabilização da doença até o seu desaparecimento. Hoje ele paira em 50%, pouco abaixo disso nos dias de semana e pouco acima em fins de semana e feriados.

A queda desse índice levou o governador João Doria (PSDB) a prorrogar a quarentena, ao contrário do que era esperado. "O fato de as pessoas ficarem em casa diminui o contágio, a frequência de contaminação e a ida ao hospital. A reclusão também diminui a possibilidade de acidentes e outros fatos que levam as pessoas aos hospitais, como acidentes, por exemplo", afirma Napoli.

Nesta segunda (11), o estado de São Paulo tinha 3.871 pacientes internados em leitos de UTIs e 5.877 em enfermarias. Os números referem-se a casos confirmados e as suspeitas de Covid-19. A taxa de ocupação dos leitos de UTI reservados para a doença estava em 68,2% no estado e 89,6% na Grande São Paulo. Das 645 cidades paulistanas, 412 registram casos, e 177 contabilizam mortes.

A pandemia assusta Napoli, que nunca imaginou passar por uma situação tão grave quanto a que o país enfrenta no momento. "Como médico vivi a epidemia de meningite, em meados de 1973, mas nada parecido com o que estou vivendo agora."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.