Descrição de chapéu Coronavírus

Nos holofotes com Covid-19, OMS vira alvo cotidiano de desinformação

De janeiro até 23 de junho, organização foi tema de 146 checagens ao redor do mundo

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Nathália Afonso
Agência Lupa

Com a pandemia da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ganhou uma visibilidade inédita. E, como consequência, a instituição também virou alvo cotidiano de desinformação.

Em alguns casos, a imagem da entidade foi usada para legitimar tratamentos sem eficácia comprovada e contestar políticas públicas contra a doença. Em outros, tornou-se o epicentro de teorias da conspiração. De meados de janeiro até 23 de junho, 146 verificações foram feitas envolvendo a instituição, segundo as bases de dados Coronavirus Facts Alliance e CoronaVerificado.

Entre os tratamentos supostamente recomendados pela instituição estão algumas drogas que, de fato, foram estudadas como potenciais alternativas contra Covid-19. Em 17 de março, checadores da Índia desmentiram que a OMS teria recomendado oficialmente o uso de cloroquina.

Outros medicamentos supostamente aprovados pela organização são bem menos óbvios. Em Taiwan, usuários de redes sociais compartilharam que a OMS subscreveu o uso de nicotina como forma de combater a doença. Já na Argentina, circulou que a OMS recomendava o consumo de bebidas quentes para matar o vírus.

Nada disso é verdadeiro.

Um dos casos mais curiosos vem de Madagascar, país insular na costa oriental da África. O presidente do país, Andry Rajoelina, defende que uma bebida local à base de artemísia, apelidada de Covid-Organics (CVO), seria um tratamento eficaz contra a doença —algo que não tem qualquer embasamento científico até o momento. Na França, circulou a informação de que a OMS teria recomendado essa bebida como a cura da Covid-19.

Trabalhadores em lavoura de artemísia da companhia Binoexx, em Faharetana, perto de Antananarivo, capital de Madagascar; presidente do país defende que bebida feita à base da planta é eficaz contra a Covid-19
Trabalhadores em lavoura de artemísia da companhia Binoexx, em Faharetana, perto de Antananarivo, capital de Madagascar; presidente do país defende que bebida feita à base da planta é eficaz contra a Covid-19 - Rijasolo - 19.mai.20/AFP

Em outros países, a CVO tornou-se o epicentro de uma teoria da conspiração. Em abril, circulou em Madagascar e em outros países africanos que a OMS, em conluio com a França, teria tentado envenenar a CVO para deliberadamente atrasar a descoberta de um tratamento para a doença.

A “fonte” dessa informação seria o médico francês Didier Raoult, um dos principais defensores do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Posteriormente, outro boato apareceu: a organização teria tentado oferecer um suborno de US$ 20 milhões para o presidente Rajoelina envenenar a bebida. Essa peça foi desmentida por checadores da França, da Itália e da Tanzânia. A informação chegou no Brasil em junho e também foi desmentida.

Isolamento social

Das 146 verificações que citavam a OMS, 21 tratavam sobre isolamento social, distanciamento social ou quarentena. Na maioria dos casos, falas de dirigentes da instituição, como o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, foram tiradas de contexto.

Em outubro, checadores de fatos da Colômbia tiveram que desmentir um boato de que uma quarentena universal teria sido recomendada pela instituição. Pelo Twitter, a organização desmentiu a informação e disse que indicava o isolamento, a testagem da população e o tratamento de doentes para o combate da Covid-19 em países afetados pela doença —não uma quarentena geral.

No Brasil, o boato foi na direção oposta. No final de março, uma frase de Ghebreyesus sobre o efeito da pandemia em famílias pobres foi deturpada e publicada como se o diretor-geral da OMS se opusesse às medidas de isolamento social. Na época, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou essa informação falsa em seu Twitter.

Boatos do tipo prevaleceram nos últimos meses. Na Índia, um falso protocolo da OMS sobre a duração das medidas de restrição de movimento foi difundido como verdadeiro. O documento recomendaria que medidas fossem relaxadas três semanas após sua adoção.A própria OMS desmentiu a informação. Já na Ucrânia, checadores esclareceram a declaração da instituição de que o autoisolamento seria ineficaz no combate à Covid-19. Obviamente, era falsa.

Teoria da conspiração e golpes

Outro ponto em comum na desinformação envolvendo a OMS em diversos países são as teorias da conspiração. Muitas delas envolvem o fundador da Microsoft, Bill Gates. Checadores de Estados Unidos, Rússia e Alemanha desmentiram textos e vídeosque diziam que o bilionário americano financia ou possui “ações” da organização e que estaria utilizando sua influência para criar uma vacina.

Nos Estados Unidos, o texto afirma que Gates teria 15% das ações, enquanto na Alemanha os boatos indicam que o empresário detém 80% da entidade. Logicamente, a OMS não é uma empresa de capital aberto, e Gates, portanto, não é “acionista” dela.

Outro boato que mencionava a OMS e o empresário circulou na Irlanda.Checadores do país desmentiram uma informação que dizia que a organização, o magnata e sua mulher estariam sendo acusados de genocídio. A publicação no Facebook mostra supostos documentos de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos (The Human Rights Tribunal International, em inglês) usados no “caso”. O tal tribunal nem sequer existe.

Por fim, o nome da OMS tem sido usado indevidamente em alguns países latino-americanos para a prática de golpes. Em março, circulou pelo WhatsApp uma mensagem com a promessa de ajuda financeira da instituição para usuários que fizessem um cadastramento. O objetivo dos criminosos era roubar dados de pessoas que passam dificuldades financeiras causadas pela pandemia. Esse golpe foi identificado por checadores do Equador, Peru e Argentina.

Esta coluna foi escrita pela Agência Lupa a partir das bases de dados públicas mantidas pelos projetos CoronaVerificado e LatamChequea Coronavírus, que têm apoio do Google News Initiative, e pela CoronaVirusFacts Alliance, que reúne 88 organizações de checagem em todo mundo. A produção das análises tem o apoio do Instituto Serrapilheira e da Unesco. Veja outras verificações e conheça os parceiros em coronaverificado.news

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