Descrição de chapéu Entrevista da 2ª Coronavírus

Vivemos subnotificação catastrófica de depressão na pandemia, diz Andrew Solomon

Autor de best-seller sobre a doença diz que há equivoco ao achar que saúde mental é um luxo

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São Paulo

Em “O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão”, premiado best-seller internacional, Andrew Solomon, 56, examina o contexto cutural e científico da doença que o acometeu. Desde a publicação do livro, em 2000, ele virou uma referência mundial no assunto.

Em tempos de pandemia e isolamento social, Solomon acredita que há um grande risco em relação à depressão. Segundo ele, a gravidade da Covid-19 leva as pessoas a acharem que saúde mental é um luxo.

“Vivemos uma subnotificação de problemas de saúde mental em escala catastrófica, e há consequências muito sérias”, diz à Folha o professor de psicologia clínica na Universidade Columbia. Ele afirma que o isolamento social necessário na pandemia pode contribuir para um aumento nos casos de depressão.

Cena do documentário "Longe da Árvore"
Andrew Solomon, em cena do documentário "Longe da Árvore" - Andrew Solomon/Divulgação

Solomon acredita que muita gente não se dá conta que deveria e poderia buscar ajuda.

“Como temos que lidar com uma doença grave, a Covid-19, as pessoas acabam achando que saúde mental é um luxo, algo não essencial no momento. Não é um luxo, as pessoas morrem de depressão, as pessoas deixam de funcionar, há vários problemas físicos que são consequência da depressão”, afirma Solomon, que iria abrir o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, em maio.

Com a pandemia, as conferências serão realizadas no segundo semestre, em algum formato mais adequado à nova realidade.

O senhor tem conversado com várias pessoas que estão com sintomas de depressão durante o isolamento necessário na epidemia do novo coronavírus. Como uma pessoa pode saber se o que ela tem é uma tristeza normal, dadas as circunstâncias, ou se é uma depressão que requer ajuda? É difícil dizer. É bastante racional, no momento, achar tudo muito difícil e incerto e vivenciar algo que parece depressão ou ansiedade. Pode ser uma resposta natural a tudo o que está acontecendo. Um dos fatores-chave é saber como você se sente em relação ao presente e como você se sente em relação ao futuro.

É racional a sensação de que estamos vivendo tempos muito estranhos, que não poder sair de casa e encontrar pessoas é muito ruim e triste. Mas a sensação de que toda a sua vida desapareceu e nunca mais vai voltar ao normal é provavelmente fruto de uma depressão. Essencialmente, seja uma depressão que saiu do nada, como ocorre com muitas pessoas, ou uma depressão decorrente das circunstâncias atuais, as duas são muito incapacitantes. Elas são depressão e provavelmente são tratáveis.

Se você está preocupado, mas ainda está conseguindo funcionar, você provavelmente está apenas lidando com o que está acontecendo. Mas se você chega a um ponto em que não consegue dormir, come o dia inteiro ou não consegue comer nada, sente uma ansiedade enorme quando se senta para fazer coisas rotineiras, tudo isso são indicações de depressão.

O perigo é que as pessoas pensam que estão ansiosas porque estamos vivendo em tempos horríveis e deixam de procurar tratamento. E quando elas vão finalmente se tratar, a depressão já se aprofundou, e quanto mais se aprofunda, mais difícil para a pessoa se recuperar.

Eu disse a muitas pessoas: não quer dizer que não haja razões para você se sentir dessa maneira, mas acho que é muito incapacitante e não ajuda estar assim. Digo a essas pessoas que elas deveriam buscar algum tipo de tratamento, para que possam ficar um pouco mais funcionais.

O senhor acha que há uma subnotificação dos problemas de saúde mental atualmente? Vivemos uma subnotificação de problemas de saúde mental em escala catastrófica, e há consequências muito sérias. Acabo de falar com um amigo que me contou a história de uma amiga. Ela já estava um pouco deprimida quando tudo isso começou. Morava sozinha em um apartamento em Nova York e disse para o meu amigo que ela estava enlouquecendo, não sabia o que fazer, não via uma única pessoa havia seis semanas. Ela se suicidou.

Isso está acontecendo frequentemente. Como temos que lidar com uma doença grave, a Covid-19, as pessoas acabam achando que saúde mental é um luxo, algo não essencial no momento. Não é um luxo, as pessoas morrem de depressão, as pessoas deixam de funcionar, há vários problemas físicos que são consequência da depressão.

A depressão também afeta o sistema imunológico, o que deixa as pessoas menos capazes de combater o vírus se forem expostas. No momento, a depressão está muito, muito disseminada.

Existe alguma “dieta de saúde mental” que as pessoas podem seguir, ações que nos protegem de alguma forma da possibilidade de depressão e ansiedade neste momento de pandemia? Depressão é uma doença muito comum e tratável. Para as pessoas que estejam se sentindo muito pressionadas, sugiro que procurem ajuda profissional, não tenham medo de tomar remédios e fazer terapia. Não é um sinal de fraqueza, é um sinal de coragem.

Em geral, ajuda muito estabelecer rotinas, ter um número adequado de horas de sono, nem muito, nem pouco; não comer demais, não beber demais. Se a pessoa conseguir fazer tudo isso, ótimo.

Acho que o principal problema em relação a essa epidemia é a solidão terrível que ela gerou. Quando você está muito solitário e isolado, a ideia de procurar outras pessoas parece uma coisa enorme e pouco atrativa. Mas é uma medida de saúde muito importante falar com seus amigos, sua família, ou pessoas com as quais você tem conexão. Pode ser pelo Zoom ou outra plataforma online, telefone ou WhatsApp. Use qualquer tecnologia que estiver disponível e fique em contato com outras pessoas.

A depressão, mesmo em circunstâncias normais, é uma doença da solidão. Então se você conseguir sair um pouco dessa solidão, tem mais chances de ficar bem. Alguns dizem é muito trabalho ligar para as pessoas. Pensam: "Talvez não queiram falar comigo". Meu conselho é: liguem, fiquem em contato.

Quais são os efeitos psicológicos da pandemia sobre as crianças? O principal a se fazer com as crianças é mantê-las ativas e interessadas. É difícil, porque as crianças querem interagir fisicamente com os amigos, não só conversar pelo Zoom. Quando sugiro ao meu filho George fazer FaceTime com os amigos, ele faz, mas as crianças não têm muito sobre o que falar quando não estão fazendo coisas. E se as crianças não podem ter a companhia de outras crianças, elas precisam ter a companhia de adultos. É preciso que os pais reservem um tempo fora das suas preocupações usuais e foquem a família.

O que é pior, o isolamento social, o medo da doença ou não saber como vai ser a vida em alguns meses? Há dois aspectos traumáticos para as pessoas. Uma é o vírus, o medo de morrer e de pessoas que você ama morrerem. O outro aspecto é a sensação de estar desligado das outras pessoas.

Você está trancado em sua casa, com seus filhos, seus pais, ou marido ou mulher, num grupo pequeno. É muito difícil não acabar brigando. E ainda por cima, a pessoa está isolada do contexto social mais amplo onde teria mais pessoas para apoio e amizade.

Ou seja, é tanto o inferno são os outros como o inferno é não ter os outros, ao mesmo tempo. O isolamento é muito difícil tanto pelas pessoas que estão com você, quanto pelas pessoas que não estão com você.

Mas o medo do vírus é muito real, e o fato de não termos um cronograma torna tudo muito difícil. Se todo mundo soubesse que nós temos a pandemia, ela é horrível e vai durar até março, pensariam: bom, março está muito longe, mas pelo menos é possível fazer um cronograma. Dá para dizer às crianças: olha, é muito difícil, mas chegando em março, nós vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Nós sentimos constantemente essa ansiedade e medo por não saber quando vai acabar. O fato de não podermos nos programar é muito ruim.

O senhor trabalhou muitos anos como repórter internacional e escreveu um livro sobre a importância de viajar. Daqui para frente, não será tão fácil viajar. Passagens aéreas poderão ficar muito caras por causa da necessidade de manter assentos vazios. As pessoas podem ser obrigadas a fazer quarentena toda vez que viajem. Qual é o impacto disso em nossas vidas? Até existir uma vacina, não vamos conseguir viajar como costumávamos. E mesmo quando descobrirem uma vacina, o fato de termos passado por isso e sabermos que há patógenos como esse no mundo vai tornar as pessoas bem menos animadas para embarcar em aviões e viajar ao redor do mundo. Meu medo é que isso também leve a um crescimento do nacionalismo e xenofobia, o que já vem ocorrendo.

A parcela da população que viaja para o exterior é pequena, mas há um efeito multiplicador das experiências dessas pessoas, que cria uma sensação de um mundo conectado. O que temos hoje é uma sensação de um mundo desconectado.

O senhor está escrevendo um novo livro. Pode contar um pouco? É um livro sobre a expansão da ideia do que é uma família —casais divorciados e enteados, casais inter-raciais, pais e mães solteiros, reprodução assistida, adoção, acolhimento de órfãos em famílias, casais gays, famílias com vários pais e mães e famílias sem filhos.

O livro é estruturado para espelhar o "Longe da Árvore", que relatava como pais comuns viviam com filhos extraordinários. Esse livro é sobre como famílias extraordinárias se formam e como tomam conta de seus filhos, o que significa ser uma família incomum, as coisas que igualam todos nós e as maneiras pelas quais não somos iguais.

O senhor tem uma família incomum... (Risos) Sim. Meu marido é pai biológico de dois filhos de amigas lésbicas que moram em Minnesota (nos EUA). Eu tenho uma filha com uma amiga da faculdade, que é casada. Eles vivem no Texas. Em circunstâncias normais, nós nos vemos bastante.

Eu e o John [meu marido] queríamos ter um filho para estar conosco o tempo todo e tivemos o George. Eu sou o pai biológico, o John é o pai adotivo, tivemos uma doadora de óvulos e uma barriga de aluguel —que é a mãe biológica dos dois filhos do John.

Seis pais, de quatro filhos, em três estados. Normalmente, passamos o Natal todos juntos, às vezes em Minneapolis. Nosso mais velho, filho biológico do John, veio morar com a gente por um ano no ano passado, quando terminou o ensino médio e ainda não tinha começado a faculdade. Foi ótimo. O livro também é sobre isso. Não existe linguagem que dê conta da complexidade das relações atuais.


Andrew Solomon, 56

Professor de psicologia clínica na Universidade Columbia, em Nova York, é escritor, ativista e conferencista. É autor, entre outros livros, de "Longe da Árvore" e "O Demônio do Meio-Dia", que venceu o National Book Award de 2001. Escreveu para veículos como a revista The New Yorker e o jornal The New York Times.

Livros

O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão

Lançado em 2000, o livro traz a luta do próprio autor contra a depressão. A partir de sua experiência, Solomon constrói um retrato do transtorno, com o depoimento de outras pessoas e a opinião de especialistas.
Editora: Companhia das Letras
R$ 64,90 (584 págs.)

Um Crime da Solidão. Reflexões sobre o Suicídio

Coletânea de artigos sobre suicídios, com casos recentes de mortes de personalidades como Anthony Bourdain, Robin Williams e Kate Spade e de escritores como Sylvia Plath e David Foster Wallace, alm de Virginia Woolf.
Editora: Companhia das Letras
R$ 39,90 (112 págs.)

Longe da Árvore: Pais, Filhos e a Busca da Identidade

O livro é o resultado de uma investigação sobre as tensões entre identidade e diferença em famílias com portadores de deficiências físicas, mentais e sociais. Um documentário com o mesmo nome, lançado em 2017, se baseou na obra.
Editora: Companhia das Letras
R$ 99,90 (1.056 págs.)

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