Crianças mais velhas propagam a Covid-19 tanto quanto adultos, revela estudo

Pesquisa na Coreia do Sul sugere que a reabertura das escolas vai provocar mais surtos

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The New York Times

No acalorado debate sobre a reabertura das escolas, uma pergunta urgente é se as crianças podem disseminar o vírus, e com que eficácia.

Um grande estudo na Coreia do Sul oferece uma resposta: as crianças menores de 10 anos transmitem para outras pessoas com muito menos frequência que os adultos, mas o risco não é zero. E as entre 10 e 19 anos podem propagar o vírus de forma tão eficaz quanto os adultos.

As conclusões sugerem que quando as escolas reabrirem, as comunidades verão brotar núcleos de infecção que incluem crianças de todas as idades, advertiram vários especialistas.

"Temo que tenha havido uma sensação de que as crianças simplesmente não se infectam da mesma maneira que os adultos, e portanto são uma população quase contida numa bolha", disse Michael Osterholm, especialista em doenças infecciosas na Universidade de Minnesota.

"Haverá transmissão", disse o doutor Osterholm. "O que temos de fazer agora é aceitar isso e incluí-lo em nossos planos."

Vários estudos da Europa e da Ásia sugeriram que crianças pequenas têm menor probabilidade de se infectar e espalhar o vírus. Mas a maior parte desses estudos eram pequenos e continham defeitos, segundo o doutor Ashish Jha, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade Harvard.

O novo estudo "foi feito muito cuidadosamente, é sistemático e analisa uma população muito grande", disse Jha. "É um dos melhores estudos que tivemos até agora sobre essa questão."

Outros especialistas também elogiaram a escala e o rigor da análise. Pesquisadores sul-coreanos identificaram 5.706 pessoas que foram as primeiras a relatar sintomas de Covid-19 em suas famílias entre 20 de janeiro e 27 de março, quando as escolas foram fechadas, e depois acompanharam os 59.073 contatos desses "casos índice". Eles testaram todos os contatos familiares de cada paciente, independentemente dos sintomas, mas só testaram contatos sintomáticos fora da família.

A primeira pessoa de uma família a desenvolver os sintomas não é necessariamente a primeira que foi infectada, e os pesquisadores levaram em conta essa limitação. As crianças também são menos propensas que os adultos a apresentar sintomas, por isso o estudo pode ter subestimado o número de crianças que desencadearam a transmissão em suas famílias.

Ainda assim, especialistas disseram que a abordagem foi racional. "Ela também é de um lugar com grande rastreamento de contatos, feita no ponto em que as intervenções estavam sendo implementadas", disse Bill Hanage, epidemiologista na Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard.

Crianças com menos de 10 anos tinham aproximadamente a metade da probabilidade dos adultos de disseminar o vírus para outras pessoas, o que é coerente com outros estudos. Isso talvez aconteça porque as crianças geralmente exalam menos ar —e portanto menos ar carregado de vírus— ou porque elas exalam esse ar mais perto do chão, reduzindo a probabilidade de que adultos o respirem.

Mesmo assim, o número de novas infecções disseminadas por crianças poderá aumentar quando as escolas reabrirem, advertem os autores do estudo.

"As crianças pequenas podem mostrar maiores taxas de ataque quando terminar o fechamento das escolas, contribuindo para a transmissão comunitária da covid-19", escreveram eles. Outros estudos também sugeriram que o grande número de contatos dos alunos, que interagem com dezenas de outros durante boa parte do dia, pode anular seu menor risco de infectar outros.

Os pesquisadores rastrearam os contatos apenas de crianças que se sentiam doentes, por isso ainda não está claro com que eficiência as crianças assintomáticas espalham o vírus, disse Caitlin Rivers, epidemiologista na Escola de Saúde Pública Bloomberg na Universidade Johns Hopkins.

"Acho que sempre haveria a tese de que crianças sintomáticas são infecciosas", disse ela. "As perguntas sobre o papel das crianças são mais sobre se as que não apresentam sintomas são infecciosas."

A doutora Rivers foi esteve em um painel científico que recomendou na quarta-feira (15) a reabertura das escolas sempre que possível para crianças com deficiência e para as que estão na escola elementar, porque esses grupos têm maior dificuldade para aprender online. Ela disse que o novo estudo não modifica essa recomendação.

O estudo é mais preocupante para crianças na escola média e secundária. Esse grupo tinha probabilidade ainda maior de infectar outras pessoas que os adultos, concluiu o estudo. Mas alguns especialistas disseram que a conclusão pode ser uma falha ou pode derivar do comportamento das crianças.

Essas crianças mais velhas frequentemente têm a altura de adultos, mas podem ter hábitos anti-higiênicos como crianças pequenas. Elas também podem ter maior probabilidade que as crianças mais jovens de interagir socialmente com outras nos condomínios de edifícios na Coreia do Sul.

"Podemos especular o dia todo sobre isso, mas simplesmente não sabemos", disse o doutor Osterholm. "A mensagem final é: haverá transmissão."

Ele e outros especialistas disseram que as escolas precisam se preparar para o surgimento de contágios.

Além de implementar o distanciamento físico e a higiene das mãos e máscaras, as escolas também devem decidir quando e como testar os alunos e funcionários --incluindo, por exemplo, motoristas de ônibus--, quando e por quanto tempo exigir que as pessoas façam quarentena e quando fechar e reabrir as escolas.

Mas elas enfrentam um enorme desafio, porque a evidência sobre a transmissão em escolas não é conclusiva até agora, segundo especialistas. Alguns países, como Dinamarca e Finlândia, reabriram as escolas com sucesso, mas outros, como China, Israel e Coreia do Sul, tiveram de fechá-las novamente.

"Dependendo de sua ideologia sobre a reabertura das escolas, as pessoas estão escolhendo que evidências apresentar —e isso deve ser evitado", disse Jeffrey Shaman, epidemiologista na Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade Columbia, em Nova York.

Embora o novo estudo não ofereça respostas definitivas, disse ele, indica que as escolas podem aumentar os níveis de vírus em uma comunidade.

"Como as crianças não são um beco sem saída —incapazes de transmitir o vírus, o que não parece ser o caso—, colocá-las juntas nas escolas, misturando-se com professores e outros alunos, fornecerá mais oportunidades para o vírus passar entre pessoas", disse ele.

Ao mesmo tempo, o doutor Shaman disse que é importante as crianças não perderem anos críticos de educação e sociabilização, e os distritos escolares têm a tarefa nada invejável de escolher entre essas opções: "É difícil encontrar o equilíbrio certo".

Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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