Descrição de chapéu Coronavírus

Durante a pandemia, médicos na Europa e nos EUA veem menos partos prematuros

Menor estresse das mães, menos infecções e menos poluição são possíveis explicações

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Elizabeth Preston
The New York Times

Nesta primavera no hemisfério norte, enquanto países do mundo todo diziam às pessoas para ficarem em casa para diminuir o contágio pelo coronavírus, médicos de unidades de tratamento intensivo neonatais perceberam uma coisa estranha: os partos prematuros estavam diminuindo, em alguns casos drasticamente.

Começou com médicos da Irlanda e da Dinamarca. Cada equipe, sem saber do trabalho da outra, analisou os números de sua região ou país e descobriu que durante a quarentena rígida os partos prematuros —especialmente os casos mais precoces e arriscados— tinham despencado. Quando eles compartilharam suas descobertas, ouviram alguns relatos semelhantes de outros países.

Os médicos não sabem o que causou a queda dos partos prematuros, e só podem especular quanto aos fatores que podem ter contribuído. Mas novas pesquisas poderiam ajudar os médicos, cientistas e futuros pais a entender as causas do parto prematuro e a evitá-lo, o que não foi conseguido até agora. Seus estudos não foram revisados por pares ainda, e foram publicados apenas em servidores pré-impressão.

Enfermeira ajuda mãe a pegar bebê prematuro em hospital em East Lancashire, na Inglaterra
Enfermeira ajuda mãe a pegar bebê prematuro em hospital em East Lancashire, na Inglaterra - Hannah McKay - 15.mai.20/Reuters

Em certos casos, a mudança se resumia a alguns bebês a menos por hospital. Mas representava reduções significativas em relação à norma, e alguns especialistas em partos prematuros acreditam que a pesquisa deveria ser ampliada.

"Esses resultados são interessantes", disse a doutora Denise Jamieson, obstetra na Escola de Medicina da Universidade Emory em Atlanta (EUA).

Cerca de 10% dos bebês americanos nascem prematuramente. A gravidez geralmente dura em torno de 40 semanas, e qualquer parto antes de 37 semanas é considerado prematuro. Os custos para as crianças e suas famílias —financeiro, emocional e em efeitos de longo prazo para a saúde— podem ser grandes.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês), os bebês prematuros, especialmente os nascidos com menos de 32 semanas de gravidez, correm maior risco de problemas de visão e audição, paralisia cerebral e morte.

A melhor maneira de evitar esses custos seria evitar os partos prematuros, em primeiro lugar, disse o doutor Roy Philip, neonatologista no Hospital Maternidade Universitário Limerick, na Irlanda.

Philip estava em férias no exterior quando seu país entrou em "lockdown" em 12 de março, e notou algo incomum quando voltou ao trabalho no final do mês. Ele perguntou por que enquanto ele esteve fora não houve pedidos de fortificante à base de leite materno que os médicos dão aos bebês prematuros mais frágeis. O pessoal do hospital disse que não houve necessidade porque nenhum prematuro tinha nascido naquele mês.

Intrigado, Philip e seus colegas compararam os partos no hospital até agora em 2020 com os ocorridos entre janeiro e abril todos os anos desde 2001 —mais de 30 mil ao todo. Eles examinaram os pesos ao nascer, um bom indício de nascimentos muito prematuros. "Inicialmente eu pensei: 'Há algo errado nos números'", disse Philip.

Nas últimas duas décadas os bebês com menos de 1,5 kg, classificados como de peso muito baixo ao nascer, representavam cerca de 8 em cada 1.000 nascidos vivos na maternidade, que atende a uma região de 473 mil habitantes. Em 2020, o índice foi aproximadamente um quarto disso.

Os bebês menos desenvolvidos, com menos de 1 kg e considerados com peso extremamente baixo ao nascer, geralmente são 3 em cada 1.000 nascimentos. Deveria haver pelo menos alguns desses nascidos naquela primavera —mas não houve nenhum.

Theo Anderson, que nasceu prematuro, tem alta da UTI neonatal em East Lancashire, Inglaterra
Theo Anderson, que nasceu prematuro, tem alta da UTI neonatal em East Lancashire, Inglaterra - Hannah McKay -22.jun.20/Reuters

O período do estudo foi até o final de abril. No final de junho, com o relaxamento do isolamento social, Philip disse que ainda houve muito poucos partos prematuros no hospital. Em duas décadas nunca tinha visto números tão baixos, afirmou ele.

Enquanto a equipe irlandesa analisava seus dados, pesquisadores na Dinamarca faziam o mesmo, atraídos pela curiosidade sobre uma UTI neonatal "quase vazia".

Michael Christiansen e seus colegas do Instituto Statens Serum em Copenhague usaram dados de rastreamento de recém-nascidos para comparar os partos em todo o país durante a fase mais rígida de isolamento, de 12 de março a 14 de abril, com partos no mesmo período nos cinco anos precedentes. O conjunto de dados incluía mais de 31 mil bebês.

Os pesquisadores descobriram que durante o "lockdown" a porcentagem de bebês nascidos antes da semana 28 tinha caído de modo surpreendente: 90%.

Relatos de médicos em outros hospitais do mundo todo sugerem que o fenômeno pode ter sido generalizado, mas não universal.

Nos Estados Unidos, o doutor Stephen Patrick, neonatologista no Hospital Infantil Vanderbilt em Nashville, no Tennessee, calculou que houve cerca de 20% menos bebês na UTI neonatal do seu hospital do que costuma haver em março.

Embora alguns bebês nascidos no período normal de gravidez estivessem internados na UTI por motivo de doença, Patrick disse que bebês prematuros geralmente são a maioria dos pacientes, e a redução parecia ser causada pela falta de prematuros.

Quando Patrick compartilhou sua observação no Twitter, alguns médicos americanos contaram histórias parecidas. Outros disseram que suas UTIs tiveram movimento normal. Alguns grupos de outros países disseram que também não verificaram mudanças.

Se a quarentena evitou nascimentos prematuros em alguns lugares, mas não em outros, a informação poderá ajudar a revelar causas de parto prematuro. Os pesquisadores especularam sobre fatores potenciais.

Um pode ser o repouso. Ao ficar em casa, algumas grávidas podem ter experimentado menos estresse do trabalho e dos transportes coletivos, dormido mais e recebido mais apoio da família, disseram os pesquisadores.

As mulheres que ficaram em casa também podem ter evitado infecções em geral, não apenas do coronavírus. Alguns vírus, como o influenza, podem aumentar a probabilidade de parto prematuro.

A poluição do ar, que foi ligada a alguns partos prematuros, também caiu durante os "lockdowns", pois os carros ficaram parados.

Jamieson disse que observações foram surpreendentes porque ela esperaria ver mais partos prematuros durante o estresse da pandemia, e não menos. "Parece que experimentamos um estresse tremendo nos EUA devido à Covid-19", disse ela.

Mas todas as mulheres grávidas podem não ter experimentado os "lockdowns" da mesma maneira, disse ela, pois os países têm redes de segurança social diferentes, em geral, e o estresse do desemprego e da insegurança financeira pode ter afetado comunidades de forma desigual.

Alguns partos prematuros mais tardios também podem ter sido evitados durante a quarentena simplesmente porque os médicos não estavam induzindo as mães por motivos como pressão alta, disse Jamieson. Mas isso não explicaria a mudança em partos prematuros muito precoces, como descobriram os autores da Irlanda e da Dinamarca.



Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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