Descrição de chapéu Coronavírus

Em paróquia de SP, substância proibida é indicada para cura do coronavírus em até dois dias

Anvisa diz que produto faz mal e não tem efeito; para padre, composto poderia acabar com a pandemia

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São Paulo

Uma mulher é chamada à frente do salão paroquial da igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo (zona leste de SP), para dar um testemunho sobre como se curou do coronavírus. Ela pergunta se pode tirar a máscara para falar e ouve que, sim, pois ali todos usam um produto conhecido como MMS.

“Fiquei com a Covid dia 16 de abril trabalhando em doações de cesta básica, minha família inteira estava com Covid. Um anjo soube que eu estava com o sintomas e o anjo foi e mandou o MMS para mim”, diz a mulher. “A minha família toda se livrou”.

MMS (da sigla em inglês para Miracle Mineral Supplement) é feito a base de um composto químico, dióxido de cloro, não é autorizado pela Anvisa para ser usado como remédio. Médicos afirmam que a substância, usada em alguns produtos de limpeza, é prejudicial à saúde.

No entanto, frequentadores da paróquia da zona leste dão curso sobre como usar a substância para se curar de várias doenças, incluindo coronavírus. Ali, fala-se que, em dois dias, infectados com a doença que já matou mais de 118 mil pessoas no Brasil são curados em dois dias.

As indicações acontecem durante aulas de naturopatia, uma prática de medicina alternativa, com apoio e presença do padre Antônio Luiz Marchioni, o Padre Ticão, que tem trabalho reconhecido na área social na zona leste. À frente de uma lousa cheia de instruções, muitas vezes sem máscaras, adeptos da prática detalham o uso do produto.

“Aqui na igreja São Francisco há mais de quatro anos que trabalhamos com o MMS, dióxido de cloro, e no momento atual eu posso lhe apresentar 100 pessoas que tomaram e as 100 pessoas venceram o coronavírus. Se você for no hospital Tide Setúbal, de cada 100 pessoas que entraram na UTI 90 foram pro cemitério da Saudade”, disse.

“O dióxido de cloro cura coronavírus. Se o mundo usasse dióxido de cloro, já teria resolvido o problema do coronavírus no mundo”.

Padre Ticão na Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, no extremo leste paulistano
Padre Ticão na Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, no extremo leste paulistano - Marlene Bergamo/Folhapress

Ticão atribui a proibição da substância à indústria farmacêutica, que “odeia o dióxido de cloro”. Ele também criticou a Anvisa: “A dona Anvisa, como o povo fala, ela obedece à FDA americana (Food and Drug Administration, autoridade sanitária dos EUA)”.

O padre cita também o caso da Bolívia, onde a Câmara aprovou o uso da substância contra coronavírus.

O padre também é um entusiasta do uso medicinal da cannabis, substância que, diferentemente do MMS, tem benefícios reconhecidos pela ciência para diversos problemas de saúde.

As aulas acontecem no salão paroquial da igreja e também são transmitidas pela internet. Em uma delas, uma das pessoas que conduz o evento apresenta os protocolos para o uso do dióxido de cloro.

“O protocolo C, 20 ml de CDS concentrado, em um litro de água mineral ou filtrada, tomando cinco vezes pela manhã e cinco vezes pela tarde. Quem pode usar esse protocolo C? Todas as pessoas, para prevenção, para não pegar o vírus, profissionais da saúde que trabalham com doentes e pacientes positivos do Covid assintomáticos. Então, a pessoa toma, já resolve o caso dela e quem pegou já se cura”, diz a mulher. “Em dois dias, quem pegou o vírus se curou.”

Também há instruções para fazer gargarejo e usar o produto nas narinas. “Você vai injetar, o que vai acontecer? Vai lavar a fossa nasal”, afirmou. “Acabou, gente, não tem vírus que aguenta, oxidação”, conclui.

Protocolos para pessoas em estado grave preveem doses maiores de dióxido de cloro.

Slide de apresentação em igreja dá instruções sobre como usar o dióxido de cloro contra coronavírus
Slide de apresentação em igreja dá instruções sobre como usar o dióxido de cloro contra coronavírus - Reprodução

Sem base científica, o mesmo produto também é usado como uma falsa cura para o autismo, conforme a Folha noticiou. A subtância foi proibido pela Anvisa em 2018.

A agência enviou alerta a vigilâncias sanitárias estaduais sobre a proibição da substância e iniciou uma força-tarefa para tentar retirar o produto do mercado, derrubando anúncios de venda na internet. A agência fez um vídeo alertando para os perigos do uso da substância, presente em alguns alvejantes.

Questionada sobre o uso dela para combater o coronavírus, a Anvisa afirmou que "trata-se de substância que, normalmente, tem uso saneante em desinfecção de superfícies". "Dióxido de cloro tem ação antimicrobiana. Não está, de forma alguma, aprovado pela Anvisa para combater o Covid-19", conclui a agência.

Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), diz que o produto faz mal à saúde.

"Não existe nenhuma comprovação científica de que o MMS possa ter um papel na prevenção de qualquer doença. Ao contrário, o dióxido de cloro, todos os trabalhos indicam que pode fazer mal à saúde. É um ácido, um irritante potente, utilizado na desinfecção e na limpeza dos ambientes. E ele pode dessa forma agredir também o organismo", afirma Stucchi.

"O que nós temos que ter cuidado é na avaliação das pessoas que falam que tomaram a medicação e sararam do vírus. Temos que lembrar que a Covid é uma doença em que 80% das pessoas, se tomarem, água, chá de hortelã ou até o dióxido de cloro vão ter uma evolução muito boa, vão se curar. Com uma vantagem de quem tomar água e chá de hortelã não vai ter nenhum efeito colateral. Já quem toma o dióxido de cloro pode ter efeitos colaterais claros", declara.

"Não há nenhum milagre. As pessoas que passam a informação de algum benefício do dióxido de cloro estão enganando os outros que querem acreditar que haja algum tratamento milagroso."

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