Descrição de chapéu Coronavírus

Ensino médio deve voltar primeiro, diz presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia

Segundo Clovis Arns da Cunha, são alunos que entendem a importância das medidas preventivas

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São Paulo

Em meio à polêmica em torno da volta às aulas , nenhuma das alternativas propostas pelas esferas governamentais vem ao encontro do que sugere o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns da Cunha.

Em entrevista à Folha, Cunha afirma que a retomada das atividades escolares deve ocorrer pelos alunos do último ano do ensino médio, porque estão perto do vestibular e já entendem a importância das medidas preventivas contra a infecção pelo novo coronavírus.

Num segundo momento, os estudantes do segundo e primeiro ano do ensino médio, e da última série do fundamental, gradativamente e de forma escalonada —metade em sala de aula e outra a distância.

Cunha também critica a defasagem da tabela de remuneração de procedimentos no SUS (Sistema Único de Saúde), que não acompanhou a inflação ao longo dos últimos 50 anos.

Segundo Cunha, sem o atendimento pelo SUS o número de óbitos por Covid-19 no Brasil já teria ultrapassado 150 mil.

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns da Cunha, 56
Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns da Cunha, 56 - Nelson Toledo / Sociedade Brasileira de Infectologia

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Como o sr. avalia a estratégia de enfrentamento à pandemia das três esferas de governo? No âmbito estadual, teve um pouco mais de homogeneidade. No governo federal, observou-se uma situação muito ruim. Tentando fazer sempre uma crítica construtiva, as medidas de prevenção tão importantes que o mundo inteiro preconiza —uso de máscaras, distanciamento físico de pelo menos um metro e a higienização das mãos— não só não foram preconizadas e orientadas pelo governo federal como contrariadas. Se você não segue uma orientação homogênea, como fica a situação dos brasileiros que ouvem os médicos orientarem o uso da máscara, mas o presidente [Jair Bolsonaro] não usa? Pelo contrário, promove aglomeração e situações contrárias ao que o mundo inteiro científico orienta, incluindo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e as sociedades científicas?

O que levou o Brasil a ultrapassar 100 mil mortes por Covid-19? Em cidades populosas, especialmente no Brasil, onde há pessoas que vivem em casa com um cômodo, é impossível fazer um isolamento respiratório. Na primeira onda, tivemos seis epicentros: São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Manaus e Belém. Nas últimas seis, oito semanas, as regiões do Brasil que não tinham sido acometidas —os três estados do Sul, o Centro-Oeste e Minas Gerais —passaram a ser. Se você tem um povo que segue as medidas, lideranças de saúde que orientam corretamente e dão exemplo de como utilizar essas medidas e elas são eficazes, você elimina muito o impacto da Covid-19 em termos de números. No Brasil, houve por muitos meses e em várias esferas pessoas dizendo que não precisava usar máscara, do distanciamento físico, isolamento social de idosos e pacientes de risco. Foi o principal motivo que levou ao número grande de casos.

Quais estados mais preocupam as autoridades médicas? Estamos na segunda fase da pandemia. Sul, Centro-Oeste, incluindo o Distrito Federal, e Minas Gerais estão no pico da pandemia. O que está acontecendo também é a interiorização da Covid-19. Várias cidades do interior estão acometidas.

O sr. concorda que São Paulo está no platô e a aceleração da doença diminuiu? A população pode ficar mais tranquila em relação à pandemia? Na verdade, é o que está acontecendo em vários estados —neste sentido São Paulo e Paraná são parecidos. Em São Paulo, o platô teve duas forças diferentes. O estado teve o pico, principalmente às custas da capital; depois, na capital diminuiu e no interior subiu. No Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, atingimos o pico e estamos no platô do pico. O número de casos e mortes ainda é muito grande, mas esperamos tanto em São Paulo como no Sul e Centro-Oeste que esse platô progressivamente vá caindo. Na cidade de São Paulo, houve uma melhora significativa, tanto que foi possível desativar os hospitais de campanha.

Se o governo tivesse implantado "lockdown" em SP já estaríamos numa situação mais segura? Se você faz um "lockdown" só num estado ou município, só adia a epidemia. Foi o que aconteceu na Nova Zelândia, em Portugal e na Alemanha. Um "lockdown" localizado, quando a situação está completamente descontrolada, como aconteceu no Maranhão, funciona só para fazer com que a curva do número de casos diminua temporariamente. As pessoas viajam. No Paraná, quando começou a aumentar a epidemia, metade dos casos era de pacientes oriundos de São Paulo. Você não consegue fazer uma barreira sanitária num país como o Brasil por quatro, cinco ou seis meses.

Com a pandemia, quais conclusões podem ser tiradas sobre a saúde pública do Brasil? Primeiro, precisamos falar sobre a parte boa do SUS. Nenhum país grande como o Brasil tem um sistema igual ao nosso. Nos EUA, onde não existe sistema gratuito de atendimento, muitas pessoas morreram porque chegavam com Covid-19 grave ao hospital e não eram atendidas por não terem como pagar. O segundo passo é pensar sobre em que é possível melhorar e em que a pandemia escancarou as nossas fragilidades. Hoje há distorções [na tabela SUS]. Ao longo dos últimos 50 anos, independentemente do governo eleito, não houve a preocupação de acompanhar a inflação. A epidemia mostrou que o SUS salvou várias vidas. Se não tivesse atendimento pelo SUS, provavelmente o número de óbitos no Brasil estaria em mais de 150 mil. Uma vez elogiado o SUS, a pergunta que gestores públicos e médicos da linha de frente da batalha devem fazer é: como remunerar melhor [os procedimentos]?

O que se sabe sobre o novo coronavírus até hoje? Hoje, os infectologistas se sentem seguros em saber qual exame precisam pedir para diagnóstico de Covid-19, como interpretar o resultado, qual deles é melhor, quando medicar o paciente, qual remédio dar, quando internar o paciente e que cuidados devemos ter ao interná-lo. Um dos grandes aprendizados foi que a doença pode causar hipóxia silenciosa (quando o paciente tem falta de oxigênio no sangue, com saturação abaixo de 95%, mas não apresenta falta de ar).

Quando o Brasil terá uma vacina segura para imunizar a população? Na virada do ano. Você tem nas vacinas hoje uma seleção que foi para a semifinal da Copa do Mundo, ou seja, a seleção está indo bem, com grandes chances de ser campeã. Há quatro ou cinco vacinas que são semifinalistas e todas podem ser campeãs até o começo do ano, entre elas a chinesa e a de Oxford, que os estudos estão na fase 3 e na fase 2 foram bem. Uma outra vacina que vamos participar dos testes em Curitiba assim que aprovada pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e Anvisa está sendo desenvolvida pela Janssen, do laboratório da Johnson & Johnson. Os testes no Brasil vão começar no início de setembro.

A politização da Covid-19 pode atrapalhar o trabalho de imunização da população? Sempre atrapalha, porque tem muita fake news, o que é um problema de saúde pública. Eu gosto de dizer que a vacinação é a segunda medida preventiva mais eficaz em saúde pública. Só perde para saneamento e água potável. Se você quer promover saúde pública, invista em vacina.

Alguma possibilidade de termos um medicamento contra a Covid-19 antes da vacina? Hoje nós já temos e essa medicação é eficaz e salva vidas, desde que feita no momento certo.

O senhor está falando da dexametasona? Isso mesmo. Esse tratamento deve ser feito ao primeiro sinal de hipóxia, quando a saturação de oxigênio fica abaixo de 95%.

A Sociedade Brasileira de Infectologia é totalmente contra a cloroquina. No estado de São Paulo, o médico tem liberdade para receitar o medicamento, se achar adequado. Como todo medicamento, essa medicação que você mencionou foi submetida a estudo clínico randomizado. Hoje, as sociedades médicas científicas e os ministérios da saúde do mundo inteiro mostraram que não tem benefício, não evita a pneumonia, a doença grave, e pode ter efeitos colaterais. Se o paciente toma na fase inicial, os efeitos colaterais são leves; na fase que está com pneumonia e muitas vezes com comprometimento cardíaco pelo novo coronavírus, a hidroxicloroquina causar arritmia cardíaca e ser fatal.

O governo de SP anunciou que as escolas podem retomar as atividades extracurriculares em setembro e as aulas em outubro. É o momento de voltar às aulas? Como deve ser este retorno? Você precisa analisar vários itens. Primeiro, se a epidemia está controlada. A segunda é implantar medidas preventivas para minimizar o impacto dessa volta. Em linhas gerais, a volta deve começar pelos alunos que estão terminando o ensino médio, que têm, em média, de 16 a 20 anos, e estão perto do vestibular. Depois, pelos das outras séries do ensino médio e, gradativamente, os mais velhos do ensino fundamental, porque são alunos que compreendem a necessidade e orientação das medidas preventivas, como o distanciamento físico, uso de máscaras e de álcool, água e sabão para a higienização das mãos. A volta deve ser escalonada. Metade da turma tem aula presencial e a outra fica no ensino a distância; na semana seguinte, inverte.

Os municípios brasileiros estão preparados para as eleições municipais? Tive a oportunidade, representando a Sociedade Brasileira de Infectologia, de participar e propor a mudança das eleições para 15 de novembro em uma reunião com o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. A nossa proposta foi aceita e adequada, porque já prevíamos naquela ocasião que, pelo Brasil ser um país continental, era provável que além daqueles epicentros que estavam sofrendo mais a epidemia outros estados e municípios seriam acometidos. No dia da eleição, certamente estaremos com a pandemia mais controlada no Brasil.


Clovis Arns da Cunha, 56
Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná e Medical Fellow Specialist in Infectious Disease pela Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. É professor de Infectologia da UFPR, médico e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Nossa Senhora das Graças e diretor médico do Centro Médico São Francisco. Participou como investigador principal em mais de 80 estudos clínicos internacionais em diferentes áreas da infectologia nos últimos 25 anos, incluindo novas vacinas, novos antirretrovirais, novos antibióticos e novos antifúngicos. Tem título de Especialista em Medicina Interna e Infectologia

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