Descrição de chapéu Coronavírus

Entenda os possíveis efeitos adversos que surgem no desenvolvimento de uma vacina

Reações podem ser descartadas por falta de relação ou interromper de vez testes clínicos

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São Paulo

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou na noite de segunda-feira (9) que determinou a interrupção do estudo clínico da vacina Coronavac no Brasil após a ocorrência de um evento adverso grave. A Coronavac é desenvolvida pela chinesa Sinovac e será produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, em São Paulo.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou na manhã desta terça-feira (10) que o evento adverso não teve nenhuma relação com a vacina e que em uma reunião com o órgão foram apresentados todos os dados sobre o evento em questão. Disse ainda ter ficado surpreso com a forma como foi comunicado da suspensão dos testes pela Anvisa, pela imprensa, e não diretamente pelo órgão.

"A Anvisa recebeu um documento no dia 6 que dizia que um participante do estudo clínico teve um evento adverso grave não relacionado à vacina. O que se espera diante de um comunicado desses? Vamos avaliar para então determinar se há necessidade de suspensão. O que fizeram? Enviaram um email às 20h40 da noite comunicando a suspensão dos estudos, gerando medo e incerteza na população."

Há outras vacinas atualmente em fase 3 cujos estudos clínicos foram interrompidos. Os estudos da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford/AstraZeneca pararam por seis semanas após a ocorrência de um efeito adverso grave em um dos voluntários, já retomados, e cuja produção no Brasil será em parceria com a Fiocruz. A farmacêutica Johnson & Johnson também parou os testes na Bélgica e nos Estados Unidos por um período de mais de dez dias após a ocorrência de um efeito adverso desconhecido em um dos voluntários. A pesquisa foi retomada recentemente.

No final de outubro, a Anvisa também divulgou o óbito de um voluntário brasileiro que participava dos testes da vacina da Oxford. Após investigação, foi concluído que o voluntário morreu de complicações de Covid-19 e havia recebido o placebo.

O processo de fabricação de uma vacina é complexo, com várias etapas até o produto final.

Primeiro, buscam-se os anticorpos que funcionem contra aquele antígeno em laboratório, seguido por testes in vitro e em modelos animais —a chamada fase pré-clínica, que pode ser uma ou várias. Depois, seguem três etapas clínicas em humanos para estudar a eficácia, a segurança e compreender os possíveis efeitos colaterais da vacina.

De maneira geral, os efeitos colaterais esperados de uma vacina já podem ser observados nas fases 1 e 2 de ensaios, quando são avaliados de centenas a até poucos milhares de voluntários. Nessa categoria estão as reações adversas comuns como dor no local, vermelhidão, dor de cabeça, dor muscular e febre moderada.

Já efeitos adversos severos são aqueles que podem resultar em qualquer um dos seguintes resultados, de acordo com Denise Garrett, médica epidemiologista e vice-presidente do Sabin: morte, risco de vida, internação hospitalar ou extensão da hospitalização, incapacidade persistente ou significativa, mudança substancial da capacidade de realizar as funções normais da vida, anomalia congênita, defeito de nascença ou necessidade de intervenção médica para evitar uma das condições acima.

Os efeitos adversos severos, por serem raros, não costumam aparecer nas fases 1 e 2 ou, se aparecem, causam a suspensão do estudo. Entretanto, uma vacina que avançou até a fase 3 pode agora apresentar efeitos adversos antes desconhecidos, justamente por ser testada em um número maior de indivíduos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há, no momento, dez vacinas contra Covid-19 em desenvolvimento sendo avaliadas nesta terceira etapa, sendo que cinco delas realizam testes também no Brasil. O órgão afirmou que não haverá vacinação em massa enquanto não houver uma vacina segura e eficaz.

Há, contudo, uma quarta fase, chamada de fármaco-vigilância, sem prazo definido. “Alguns efeitos são tão raros que só observamos quando o fármaco é usado em milhões de indivíduos, não aparecem em testes com 1.000, 2.000, 10 mil pessoas”, explica Luciana Leite, diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.

Foi o caso da vacina contra a dengue da Sanofi Pasteur, aprovada para uso em 2016 após passar por todas as fases de segurança e eficácia.

Ao aplicá-la na população, os pesquisadores descobriram que a vacina podia causar uma versão da doença muito mais grave, similar ao quadro hemorrágico de algumas pessoas ao contraírem a doença pela segunda vez. Leite explica que se trata de uma reação chamada aumento dependente de anticorpo (ADE, na sigla em inglês). Por isso, a Anvisa contraindica o imunizante àqueles que nunca tiveram dengue.

Outro exemplo é de uma candidata à vacina BCG, contra a tuberculose, que não passou da fase 1 nos Estados Unidos após ter reativado o vírus herpes-zóster em dois pacientes de um total de 30 avaliados —quase 7% da amostra.

Por isso, é importante vacinar voluntários saudáveis, sem condições pré-clínicas que poderiam influenciar na ação do imunizante.

O caso em investigação da vacina da Oxford busca entender se uma inflamação que acomete os nervos da medula espinhal, a mielite, estaria relacionada à vacina ou não.

“Isso é o que chamamos causa biológica ligada à vacina, isto é, quando a própria vacina gera uma resposta no organismo que é indesejada e, nesse caso, adversa.”, afirma Fernando Reinach, professor titular de bioquímica na USP. "Agora os voluntários são acompanhados diariamente, e cada tipo de efeito é investigado, buscando-se também a plausibilidade de o efeito ter sido provocado pela vacina."

Essa plausibilidade significa, por exemplo, verificar se um paciente que desmaia algumas semanas após tomar a vacina mostrou alterações no sangue ou no sistema imune que indiquem possibilidade de relação com o imunizante ou se ele tinha um quadro de pressão baixa ou desmaios frequentes que não informou aos pesquisadores.

Como na fase 3 de um ensaio são muitas pessoas envolvidas —a AstraZeneca avalia no momento cerca de 18 mil voluntários—, os pesquisadores precisam acompanhar cada caso de perto. É por isso que a decisão de pausar um ensaio é vista com bons olhos por especialistas.

O protocolo para produção da vacina da Oxford optou pela suspensão temporária do estudo para avaliar o caso, mas é comum também se buscar a frequência daquela reação. O primeiro passo é a investigação.

“É um procedimento de rotina nos ensaios de vacina. Não chamamos de erro; efeitos adversos ocorrem, é de se esperar. O importante é detectá-los rapidamente e solucionar o problema”, afirma Garrett.

Segundo a Anvisa, os eventos adversos —termo mais preciso para "‘efeitos colaterais"— são quaisquer ocorrências em participantes de um estudo clínico, sem necessariamente uma relação causal definida com o fármaco. Sempre que há um evento é necessário investigar a relação de causalidade, diz o órgão.

“A definição sobre a pesquisa ou a sua reorientação depende da investigação destes eventos e da própria avaliação de risco/benefício que vai sendo descoberta ao longo do estudo”, completa.

Para Leite, a suspensão total ou não de uma vacina depende também da toxicidade e da seriedade do efeito. Como na fase 3, além da avaliação da eficácia, se continua a avaliar segurança, o efeito único em um só paciente pode ser o suficiente para enterrar um imunizante.

No caso da Oxford, a decisão se mostrou um bom exemplo de como os protocolos de segurança e rigor científico não devem ser suspensos mesmo em uma situação de pandemia, quando há enorme pressão dos governos pela aceleração dos estudos.

“Como os adenovírus são muito utilizados em medicamentos com câncer, geralmente usados em uma quantidade reduzida de participantes, não conhecíamos ainda efeitos adversos em vacinas", afirma Leite.

"As vacinas em teste de adenovírus [caso da de Oxford] até agora se mostraram seguras. Se eles conseguirem dissociar o caso [da reação adversa] da vacina, podem dar continuidade."


Entenda o passo-a-passo na produção de uma vacina

Como são feitos os testes para vacinas?

Os cientistas primeiro identificam os mecanismos de ação dos anticorpos contra o organismo causador da doença em laboratório, com testes em células in vitro e em modelos animais

Ensaios clínicos

Após obter resultados positivos nos ensaios pré-clínicos em animais, os pesquisadores entram com um pedido de ensaio clínico. Na etapa de recrutamento são selecionados voluntários saudáveis seguindo os critérios elegíveis para aquela vacina

Ensaios randomizados duplo-cegos

Nos ensaios randomizados duplo-cegos, também chamados de padrão-ouro, os voluntários são aleatoriamente distribuídos em diferentes grupos que receberão a vacina propriamente dita ou placebo, sem que os voluntários ou os profissionais de saúde saibam quem recebeu o fármaco e quem recebeu placebo, evitando assim vieses

Fase 1

Com os voluntários recrutados, inicia-se a fase 1 de testes. Essa fase, em geral, busca medir segurança, efeitos colaterais e tolerância ao imunizante. Os pesquisadores avaliam também a presença de anticorpos no organismo. A fase 1 dura em média dois anos.

Fase 2

Na fase 2, os pesquisadores pretendem avaliar se diferentes doses têm efeitos melhores ou piores no organismo, além de continuar avaliando a segurança. Já é possível determinar se a vacina gera uma resposta imune mais eficaz ou não. Levam, em geral, mais de dois anos.

Fase 3

A última fase do ensaio clínico busca determinar a eficácia da vacina em prevenir determinada doença. Para essa fase, é testado um número maior de voluntários, na casa das dezenas de milhares.

Os pesquisadores podem ainda dividir em subgrupos para testar, por exemplo, em crianças. Nessa etapa, a segurança continua a ser avaliada, por isso a pesquisa da vacina da Oxford foi suspensa temporariamente após identificação de um efeito adverso. Em geral, as vacinas levam de seis a dez anos para concluírem todas as etapas de ensaios clínicos e serem aprovadas para uso

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