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Coronavírus Governo Bolsonaro

Bolsonaro desinforma e se contradiz ao pedir evidência científica de vacina chinesa

Presidente defende uso da hidroxicloroquina mesmo sem prova de eficácia contra Covid

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São Paulo

Ao atacar a vacina anticoronavírus da empresa chinesa Sinovac, testada em parceria com o Instituto Butantan, e dizer que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) derrapa na lógica, se contradiz e desinforma.

Nesta quarta (21), o presidente escreveu, sobre a “vacina chinesa de João Doria”, que “antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa”.

O próprio mandatário tem defendido o uso de fármacos como a hidroxicloroquina como estratégia para tratar casos leves. O problema aí é que os melhores estudos científicos disponíveis, tanto nacionais quanto estrangeiros, não embasam essa recomendação.

“Ainda não existe comprovação científica, mas [a droga está] sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em guerra: ‘Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado.’”, escreveu Bolsonaro no Twitter em maio.

O ministro Eduardo Pazuello havia anunciado na terça (20), que a vacina do Instituto Butantan seria a vacina do Brasil. Galgada no prestígio do centenário instituto, a promessa de compra de 46 milhões de doses contribuiria para de alguma forma apaziguar o debate, que também passa por questões como obrigatoriedade ou não da vacinação assim que houver algum imunizante aprovado e disponível.

Os ensaios clínicos da chamada CoronaVac estão atualmente na fase 3 de desenvolvimento, a última antes do lançamento. Até agora já se sabe que a vacina consegue suscitar no organismo a produção de anticorpos capazes de reconhecer o patógeno.

Agora falta saber se essa ligação do anticorpo ao vírus é suficiente para evitar em alguma medida que os vacinados fiquem doentes. Por enquanto, não há relatos de complicações sérias nos voluntários.

Ou seja, até agora o conhecimento científico disponível embasa a continuidade do desenvolvimento dessa vacina. A esperança é que logo haja vários desses imunizantes disponíveis, a fim de atender a maior fração possível da população. Atualmente há mais de uma centena de formulações em diversas etapas de desenvolvimento, sendo a CoronaVac uma das mais adiantadas.

Claro, é possível que a vacina não tenha a eficácia mínima desejada de 50%, de acordo com recomendações como as da FDA, agência americana responsável pela regulação de medicamentos e alimentos, ou que apresente problemas em seu plano de manufatura ou mesmo efeitos colaterais indesejados.

De todo modo, esses resultados são avaliados, no Brasil, pela Anvisa, que tem autonomia para aprovar ou negar o registro da vacina, com base em dossiê que contém os dados dos testes. Isso quer dizer que, na prática, o tuíte do presidente não traz muita novidade e até mesmo induz a população ao erro ao dizer que não haverá “cobaia” — 9.000 pessoas se voluntariaram para receber, aleatoriamente, o imunizante ou um placebo, a fim de determinar segurança e eficácia do fármaco.

Outro ponto é que não é o Ministério da Saúde que conduz os testes, mas universidades, empresas institutos de pesquisa (o Butantan, no caso).

É importante lembrar que os testes em voluntários são uma etapa essencial no desenvolvimento de novos fármacos. Sem essa avaliação extremamente cuidadosa seriam mais frequentes casos como o da talidomida, sedativo que, se consumido por mulheres grávidas, pode provocar más-formações nos fetos.

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro se embanana na hora de lidar com informações científicas. Ao tentar desqualificar medidas da degradação da Amazônia feitas com imagens de satélite, o governo Bolsonaro decidiu exonerar presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o engenheiro Ricardo Galvão, e cogitou adotar um novo sistema de medição, que, segundo especialistas, além de ser caro, não contribuiria para resolver o problema do desmate.

Na crise atual, sobre a vacina da Sinovac, há ainda dois componentes político-ideológicas importantes.

Uma é a disputa de espaço com o governador paulista João Doria (PSDB); outra é a relação entre o Brasil e outros dois países, EUA e China. Muito mais alinhado com o republicano Donald Trump, o governo Bolsonaro tem desprestigiado a relação com o país asiático, maior parceiro comercial do Brasil. Um possível efeito disso é o um possível atraso e maior custo para implementação do 5G no país.

Apesar de tanta animosidade, é improvável que o presidente barre qualquer vacina que seja, uma vez que estejam atestadas segurança e eficácia. Como dizem os cientistas, resultados são resultados.

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