Deputado usa dados imprecisos para colocar em dúvida a eficiência de medidas de distanciamento

Em tuíte que viralizou, Osmar Terra (MDB) critica ações realizadas por estados brasileiros para conter a Covid-19

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São Paulo

É enganoso o tuíte em que o deputado federal Osmar Terra (MDB) questiona a eficácia das medidas de distanciamento social. No post que viralizou nas redes e foi verificado pelo Comprova, ele argumenta que alguns estados tiveram mortes a mais do que outros apesar de todos terem colocado em prática quarentena e lockdown. Segundo especialistas consultados pela reportagem, o argumento não faz sentido, pois as medidas foram aplicadas de maneiras diferentes em cada estado.

Terra também exagera ao escrever, sem citar fontes, que 90% das mortes pela Covid-19 na Itália aconteceram no Norte do país. As duas regiões que compõem o Norte italiano registraram, até 14 de outubro, segundo dados oficiais do governo, 30.464 mortes, o equivalente a 83,9% das mortes registradas no país até a data (fosse 90% seriam 32.660 vidas perdidas). A diferença entre a porcentagem apontada pelo parlamentar e a constatada pela reportagem equivale a mais de 2,1 mil mortes.

Osmar Terra, de terno, óculos e bigode, gesticula com as duas mãos em frente a microfone
O deputado federal Osmar Terra, que questiona medidas contra a Covid-19 - Givaldo Barbosa - 26.set.2017/Agência O Globo

O deputado usa ainda a porcentagem de excesso de mortes (comparação entre o número de óbitos por causas naturais que ocorreram neste ano, com a pandemia, e em 2019) em locais pontuais do país, como Amazonas e região Sul, mas o “Painel de análise do excesso de mortalidade por causas naturais no Brasil em 2020”, criado pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) para monitorar óbitos em tempos de coronavírus, apresenta números diferentes do que os utilizados pelo ex-ministro. Já no Registro Civil o levantamento apresenta dados praticamente iguais aos dele. No entanto, no Registro Civil os dados são atualizados com atraso, ou seja, é incorreto chegar a conclusões a partir do excesso de mortes com as informações disponíveis.

A equipe entrou em contato com Osmar Terra, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Quarentena e lockdown

Osmar Terra minimiza os efeitos do distanciamento social ao escrever no tuíte o que parece ser um questionamento, mesmo sem ponto de interrogação: “Se todos Estados brasileiros fizeram quarentena e lockdown, por quê uns tiveram muito mais mortes do que outros (sic)”.

Vale lembrar que quarentena e lockdown são recursos distintos, porém, ambos usam o artifício do isolamento social. Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), distanciamento social são as medidas aplicadas a entornos sociais específicos, ou à sociedade em sua totalidade, para reduzir o risco de adquirir ou difundir a Covid-19. O lockdown é a forma mais radical, quando as pessoas são proibidas de sair de casa –salvo exceções, como atendimento médico. Já o isolamento, também chamado de confinamento ou quarentena, é a separação de pessoas doentes para não propagar a infecção. De acordo com a assessoria de imprensa da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), braço pan-americano da OMS, “distanciamento social e isolamento são algumas das medidas não farmacológicas recomendadas no contexto da Covid-19”.

No Brasil, como afirma Terra, todos os estados decretaram, em algum momento, quarentena ou lockdown. Porém, alguns usaram o termo quarentena para instaurar o fechamento de serviços não essenciais, como São Paulo e Roraima.

O epidemiologista Naomar de Almeida Filho avalia que o distanciamento social foi uma medida importante para evitar maior contágio e consequentemente novas mortes. “O fato é que houve enorme variação na natureza e intensidade das medidas, e em pouquíssimos lugares houve lockdown efetivo”, diz. Almeida Filho destaca que fez parte de uma equipe que pesquisou a situação nos estados do Nordeste. “A conclusão foi de que, apesar de as respostas terem sido bastante distintas pelos estados, dada a ausência de medidas centralizadas emanadas do governo federal, houve uma importante redução no número de óbitos pela Covid-19 na região, como resultado das medidas de distanciamento físico e de ações na saúde tomadas pelos governos estaduais”, afirma.

Verificação

Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em ano de disputa eleitoral, quando disputas políticas estão acirradas, o coronavírus tornou-se tema de debates em campos ideológicos opostos.

É preciso atenção para que informações não comprovadas influenciem a população a diminuir cuidados básicos para frear a continuidade do contágio, como o distanciamento social e as etiquetas de saúde (higiene das mãos e uso de máscara, por exemplo).

O post do deputado Osmar Terra, que teve mais de 2,5 mil interações, de acordo com o CrowdTangle, subestima a tragédia de quase 154 mil mortos, segundo o consórcio de imprensa.

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha, Estadão e GZH e publicada na sexta-feira (16) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Jornal do Commércio, O Povo, Piauí, Correio, NSC e A Gazeta.

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