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Ministros do STF veem falas de Bolsonaro sobre vacina como diversionismo com fins eleitorais

Para magistrados, presidente precipita debate sobre imunização que nem está pronta

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Brasília

Apesar de Jair Bolsonaro (sem partido) ter dito nesta segunda-feira (26) que um juiz não pode decidir sobre a obrigatoriedade da vacina contra o novo coronavírus, ministros de tribunais superiores minimizaram a declaração do presidente e disseram que ele adota, mais uma vez, estratégia diversionista com fins eleitorais.

Para integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal), o mandatário antecipou o debate sobre a obrigatoriedade e a compra da vacina que será produzida pelo Instituto Butantan para antagonizar com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), provável adversário em 2022, e mandar recado à militância.

A fala de Bolsonaro, uma resposta ao presidente do STF, Luiz Fux, que afirmou na semana passada ver com bons olhos o Judiciário entrar na discussão sobre o tema, foi considerada uma bravata por magistrados do Supremo e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Na semana passada, oito partidos entraram com questionamentos no STF para assegurar a competência de estados e municípios em determinar a vacinação obrigatória.​ O responsável pelos casos é o ministro Ricardo Lewandowski. O ministro resolveu que levará o caso ao plenário para não decidir sozinho sobre o tema.

Como mostrou a Folha, a maioria dos integrantes do STF defende reservadamente que é possível, sim, impor a obrigatoriedade da imunização. O entendimento expressado em conversas reservadas é que o direito coletivo de proteção à saúde, nesses casos, se sobrepõe às garantias individuais de cada cidadão.

Há, no entanto, uma outra via na discussão. Ao menos três ministros da corte defendem por ora um caminho do meio no debate. Os magistrados avaliam que a hipótese de o Supremo determinar a vacinação compulsória sob pena de o cidadão ser retaliado configuraria um intervenção muito brusca no direito individual.

Uma alternativa seria, no julgamento dos casos que estão sob a relatoria de Lewandowski, propor que os estados e municípios, estabelecimentos comerciais e de trabalho possam estabelecer restrições a quem não se imunizar. Por exemplo, um município poderia impedir a entrada daqueles que não tomassem a vacina, da mesma forma como alguns países e firmas fazem. Outros estabelecimentos teriam o mesmo direito. Assim, seria criada uma espécie de obrigação indireta para que o cidadão possa frequentar os ambientes que deseja.

A alternativa, porém, difere de o próprio Supremo determinar que a população tenha obrigatoriamente que se vacinar para não sofrer sanções do Estado. Na avaliação de um ministro, isso só seria possível caso a vacina contra a covid fosse incluída no calendário nacional de vacinação. Caso haja a inclusão, aí sim seria possível determinar a obrigatoriedade direta.

Para um integrante do STF, o presidente do Supremo caiu em uma armadilha ao fazer a afirmação e dar pano para manga para Bolsonaro responder.

Os magistrados creem que o presidente pegou carona na fala de Fux e aproveitou para manter a postura ideológica com que tem tratado a vacina e fazer um gesto ao eleitorado radical.

Em outra frente, membros do Judiciário avaliam que Bolsonaro se sente mais confortável hoje com a formação da corte de modo a saber que sua declaração não geraria um novo embate entre Poderes.

O STF passará a contar com Kassio Nunes, 48, nomeado ministro pelo presidente. A escolha do juiz foi um gesto à ala garantista do tribunal, da qual fazem parte Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Ministros dizem acreditar também que Bolsonaro só rechaçará a vacina que será produzida pelo Butantan enquanto ela não estiver pronta e dizem que, se o presidente refutar a compra do imunizante sem razões técnicas, poderia incorrer em crime.

Um ministro menciona até homicídio culposo para a hipótese de o presidente rejeitar a vacina por questões ideológicas.

Este mesmo magistrado diz que Bolsonaro poderá deliberadamente deixar o debate a respeito da obrigatoriedade da vacina para o STF justamente para evitar se comprometer com uma decisão que pode desagradar parte de sua base eleitoral.

A discussão sobre a compra de vacinas voltou a ganhar força na semana passada depois de o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciar acordo para aquisição das vacina produzidas pela farmacêutica chinesa Sinovac em convênio com o Instituto Butantan. No dia seguinte, porém, Bolsonaro descartou a compra pelo governo federal até que haja comprovação de eficácia, uma declaração redundante, já que a vacina não pode ser aplicada na população sem que haja comprovação de eficácia e segurança.

A Coronavac está na terceira e última fase de testagem, quando se verifica sua segurança e eficácia.

É a mesma fase em que se encontra a vacina escolhida pelo governo federal para produzir no país por meio da Fiocruz, a da farmacêutica AstraZeneca com a Universidade de Oxford (Reino Unido).

Apesar de Bolsonaro dizer que "não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que [nem] sequer ultrapassou sua fase de testagem", o Ministério da Saúde já tem um acordo para obter, após a conclusão dos testes, 100 milhões de doses da vacina de Oxford.

Embora tenha recuado após Bolsonaro ter dito que não tem compromisso com o governo paulista, tampouco "intenção de adquirir uma vacina chinesa", a pasta tem dito que acompanha o desenvolvimento de vacinas pelo Butantan e que, nesse caso, poderia avaliar adquirir uma "vacina brasileira" com a produção no país.

Os primeiros 6 milhões de doses da vacina da Sinovac virão da China, mas o restante, segundo o convênio, deve ser produzido pelo Butantan.

Em meio à guerra das vacinas, há outra ação no Supremo que pode antecipar uma decisão da corte sobre o tema. Como mostrou a Folha, em setembro, os ministros da corte decidiram aplicar repercussão geral (que vincula toda a Justiça a uma decisão a ser tomada) ao julgamento sobre a possibilidade de pais serem obrigados a vacinar seus filhos menores de idade.

Uma ala da corte defende que o STF aproveite esse processo em curso para fixar uma tese genérica que determine ser indispensável a vacinação no caso de ela ser incluída no calendário nacional de imunização.

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