Vacinas em teste passaram por fase pré-clínica, ao contrário do que diz médico

Afirmações falsas de Anthony Wong sobre produção dos imunizantes no Brasil viralizaram nas redes sociais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

É falsa a afirmação feita em vídeo pelo médico Anthony Wong segundo a qual “nenhuma vacina contra o novo coronavírus passou pela fase pré-clínica” de testes. Na verdade, todos os compostos que estão em testes no Brasil passaram por essa etapa, conforme verificou o Comprova. O estágio pré-clínico é aquele em que o imunizante é aplicado em animais, ainda em laboratório, para saber se ele é seguro para ser testado em humanos. Como a Covid-19 é uma pandemia com mais de 40,9 milhões de infectados e 1,1 milhão de mortes em todo o mundo, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, o processo de desenvolvimento das vacinas teve que ser acelerado, como informou a OMS (Organização Mundial da Saúde).

“Todas as vacinas passaram por testes em animais”, afirma Jorge Venâncio, coordenador da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), um dos órgãos responsáveis por autorizar pesquisas dos imunizantes no país.

A reportagem tentou contatar Wong por meio de mensagem em seu perfil no Instagram, mas não obteve retorno.

Cientista de uniforme de proteção branco, com óculos, segura pote em laboratório; ao fundo, outra pessoa com a mesma vestimenta
Laboratório do Instituto Butantan, em São Paulo, onde está sendo desenvolvida a Coronavac, que passou pela fase pré-clínica - Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

No Brasil

Das 44 vacinas que estão em ensaios clínicos no mundo, quatro estão sendo desenvolvidas em parceria com o Brasil. Todas elas passaram por estágios de testes pré-clínicos.

A CoronaVac, criada pela empresa chinesa Sinovac e produzida em conjunto com o Instituto Butantan, de São Paulo, está na fase final de testes em humanos, mas também passou por ensaios em animais, como afirma texto da Agência Brasil. Ela, inclusive, foi a primeira a se mostrar eficaz contra o novo coronavírus em um animal, conforme publicação da revista Science, uma das principais publicações de divulgação científica. Em abril, o veículo divulgou que a vacina protegeu um macaco da infecção.

Outro imunizante que está sendo desenvolvido com a participação do Brasil é a vacina de Oxford, da empresa biofarmacêutica anglo-sueca AstraZeneca em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Em junho, a Fiocruz anunciou que “os estudos agora avançam para a fase pré-clínica, na qual aspectos de segurança são avaliados em modelo animal”.

Por e-mail, a AstraZeneca confirmou que o desenvolvimento da vacina segue “investigações pré-clínicas em vários modelos com animais”.

Em comunicado publicado em seu site em julho, a Anvisa afirmou que, para autorizar os ensaios do imunizante das farmacêuticas BioNTech e Pfizer, vacina que também está sendo testada por aqui, “analisou os dados das etapas anteriores de desenvolvimento dos produtos, incluindo estudos não clínicos in vitro e em animais, bem como dados preliminares de estudos clínicos em andamento”. A informação sobre o uso de animais também está no site da Pfizer.

Como as outras, a vacina da farmacêutica belga Janssen-Cilag, que faz parte do grupo Johnson & Johnson e está em testes no Brasil –com o apoio do Instituto Butantan–, também utilizou testes em animais antes de disponibilizá-las para os voluntários. Os pesquisadores tiveram bons resultados após imunizarem hamsters e macacos.

Etapas da vacina

As vacinas passam por uma série de etapas para garantir que são eficazes e seguras para os humanos antes de chegar à população. De acordo com Daniel Mansur, professor de Imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, a primeira etapa é descobrir qual parte do vírus é o melhor alvo para a vacina, o que aconteceu ainda em janeiro, quando cientistas identificaram qual o receptor de entrada do vírus na célula e qual era a proteína do vírus que se ligava nesse receptor. “A partir daí, sabemos que se conseguirmos bloquear essa proteína, impedimos que o vírus entre na célula. Esse é o objetivo de todas as vacinas em desenvolvimento hoje”, afirma.

A partir da descoberta desse alvo, os pesquisadores começam a pensar qual é a melhor estratégia para entregar o antígeno (molécula capaz de despertar a resposta imune) no corpo. “Então, você começa a fazer ensaios pré-clínicos em animais. Obrigatoriamente, tem que ser dois animais. O primeiro é um roedor, normalmente um camundongo. Se a vacina tiver eficácia nesse roedor, ela é testada em um primata não humano, um macaco. Em ambos os animais, o que se está verificando é, entre outros pontos, se ela causa efeitos colaterais graves e a sua eficácia”, explica o professor.

Se a vacina não gerar efeitos colaterais nesses animais, os pesquisadores dão início à fase 1 de testes em humanos, com grupos com menos de 100 pessoas. Entre os objetivos desta etapa está avaliar se existem efeitos colaterais.

Se a fase 1 funcionar, a vacina entra na segunda etapa, quando o número de testados é expandido para centenas. Nesse estágio, os pesquisadores buscam entender se pessoas de diferentes etnias, gêneros e nacionalidades têm reações diferentes ao antígeno. Isso porque a humanidade é diversa e uma vacina precisa ser eficiente nos diferentes grupos. Se essa fase também tiver resultados positivos, os pesquisadores avançam para a terceira, em que milhares de pessoas são vacinadas. Esse último estágio é decisivo para comprovar a eficiência das vacinas e a inexistência de efeitos colaterais graves.

Por fim, mesmo com todas essas etapas e com os resultados publicados para serem avaliados por outros cientistas, a vacina só pode ser administrada para a população se for autorizada pela autoridade sanitária competente de cada país – Anvisa, no Brasil. Entidades internacionais como a OMS podem, no máximo, ajudar com a logística de campanhas de vacinação. Mas o governo do país é soberano para aprovar a vacina ou não.

Verificação

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Conteúdos que trazem desinformação relacionada à Covid-19, como o verificado aqui, são ainda mais perigosos pois colocam a saúde da população em risco e podem custar vidas.

Uma vacina é a forma mais eficiente de imunizar a população e esforços estão sendo feitos em todo planeta para chegar a essa solução. Mais do que gerar medo e desconfiança, o tuíte com o vídeo coloca a saúde da população em risco ao fazer a população se questionar sobre se devem ou não se imunizar.

A edição com trechos da fala de Wong foi assistida 6,3 mil vezes no Twitter. O vídeo original da entrevista, no YouTube, teve 46 mil visualizações.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições de modo a mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis no dia 21 de outubro de 2020.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha, Rádio Noroeste e Jornal do Commércio e publicada na quarta-feira (21) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por UOL, GZH, BandNews, Estadão, Piauí, NSC, Correio e A Gazeta.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.