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A regulação da maconha no México

A regulamentação é um passo para parar o uso do sistema de justiça penal e das forças de segurança do Estado contra consumidores e produtores

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Jorge Javier Romero Vadillo

Cientista político, professor e pesquisador do Departamento de Política e Cultura da Universidade Autônoma Metropolitana de Xochimilco e da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam)

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Atualmente, o Congresso do México discute um projeto para regulação da cannabis para uso adulto que, se finalmente aprovada, poderia fazer do país o terceiro do mundo, depois do Uruguai e do Canadá, a criar um mercado legal de maconha para uso adulto.

Cem anos após a proibição inicial no México das drogas psicotrópicas que "envenenam o indivíduo e degeneram a raça", pode finalmente ser estabelecido no México um sistema que regula desde a produção até a venda a varejo da cannabis, ao mesmo tempo em que se abrem possibilidades para a exploração industrial da fibra de cânhamo, uma vítima colateral da proibição de suas flores psicoativas.

Isso após um século de proibição que não cumpriu nenhum de seus objetivos pretendidos, pois não só não conseguiu removê-la do mercado como também aumentou todos os riscos associados ao seu consumo e converteu em vítimas da ação desproporcional do Estado tanto os consumidores, que se tornaram alvos de assédio, extorsão e prisão, como os agricultores produtores, que foram submetidos ao jugo de organizações criminosas de tráfico, por um lado, e à destruição de suas plantações, prisão e morte nas mãos de agentes do Estado, por outro lado, enquanto os traficantes controlavam um mercado com lucros substanciais graças à demanda norte-americana.

Durante décadas, o México foi o principal fornecedor de maconha ilegal para os Estados Unidos, onde foi proibida desde a "Marijuana Tax Act" de 1937, mas onde seu consumo é muito amplo, especialmente desde os anos 1960, apesar de meio século de guerra às drogas, declarada em 1971 pelo presidente Richard M. Nixon, com uma agenda oculta, já que o objetivo não era erradicar o consumo de drogas, mas ter elementos para assediar e aprisionar seus inimigos políticos.

O mercado ilegal de maconha permitiu que as organizações do crime organizado se armassem e recrutassem exércitos, até se tornarem concorrentes do Estado pelo controle territorial, em cumplicidade com diferentes agentes estatais que lhes proporcionavam proteções particulares.

A proibição das drogas tem sido um grande desastre para o México. Assim, a regulação que está fazendo seu caminho pode ser o ponto de partida para uma mudança muito relevante, mesmo que a maconha não seja mais importante no mercado de drogas ilegais para os Estados Unidos, já que a regulação em diferentes estados deslocou as exportações mexicanas por cannabis legalmente produzida em território norte-americano.

Foi uma série de cinco sentenças da Suprema Corte mexicana, em juízos de amparo, que formaram uma jurisprudência que, com base no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, declarou no início de 2019 a proibição absoluta da maconha para uso pessoal como inconstitucional e ordenou que o Congresso legislasse em conformidade.

Plantação de marijuana perto do Senado do México em protesto feito pelo Movimento Mexicano pela Cannabis
Plantação de marijuana perto do Senado do México em protesto feito pelo Movimento Mexicano pela Cannabis - Carlos Jasso - 19.nov.2020/Reuters

Embora a regulamentação da cannabis tenha pouco efeito sobre as redes do crime organizado, cujo poder econômico já está no tráfico de outras substâncias, seu efeito sobre a sociedade mexicana pode ser enorme, primeiro porque é o primeiro passo para desmantelar o falido paradigma proibicionista das drogas, mas também porque é um passo para parar o uso do sistema de justiça penal e das forças de segurança do Estado contra consumidores e produtores.

Entre os avanços na regulação agora em discussão no Congresso mexicano estaria a criação de um mercado regulado da produção ao varejo, a possibilidade de cultivo doméstico para autoconsumo e a criação de associações de consumidores com a possibilidade de produzir sua própria cannabis.

O limite para a posse individual de maconha sem penalidade seria aumentado dos atuais cinco gramas para 28 gramas e, além disso, a posse de até 200 gramas seria castigada com multas. Entretanto, o delito da posse simples, punível com prisão a partir de 200 gramas, permaneceria, mesmo que não haja evidência de intenção de comércio da substância.

O lado obscuro do processo é que se trata de um projeto de lei variado, que regulamenta em excesso e estabelece barreiras muito altas para a entrada no mercado legal.

As exigências, tais como registro legal e rastreabilidade de sementes e investimento em medidas de segurança e vigilância de safras, favoreceriam as empresas canadenses que já possuem a biotecnologia e as patentes das sementes, enquanto os agricultores que tradicionalmente produziam suas próprias variedades de maconha, algumas com prestígio internacional na clandestinidade, como Acapulco Golden ou a sinsemilla, não seriam capazes de produzi-las legalmente.

E, embora a lei estabeleça que 40% das licenças de produção sejam para as comunidades camponesas vítimas da proibição, o custo das sementes legais poderia ser um obstáculo intransponível para sua entrada no mercado legal.

Por outro lado, o fato de o projeto manter a cannabis no Código Penal e na lista de substâncias ilícitas da Lei Geral de Saúde levaria o mercado legal a ser apenas uma lacuna aproveitada por grandes empresas e destinado aos consumidores de maior capacidade econômica.

Enquanto isso, os consumidores pobres, aqueles que são frequentemente vítimas repetidas de assédio e extorsão policial, assim como os camponeses que não conseguem romper as barreiras de entrada na produção regulada, permaneceriam na ilegalidade, ameaçados pela criminalização.

O sucesso de um processo regulatório desse tipo se mede pela porcentagem do mercado que consegue escapar da clandestinidade.

Um exemplo: um ano após Washington e Colorado regularem o mercado de cannabis para o uso adulto, as barreiras à entrada e as taxas de impostos do primeiro estado fizeram com que apenas 30% do mercado deixasse a clandestinidade, enquanto no Colorado, com regras mais liberais, a porcentagem absorvida pelo mercado regulamentado chegou a 70%.

O risco é que uma legislação complexa e cheia de contradições leve apenas a uma pequena porcentagem do mercado a se tornar legal, enquanto os males da proibição com toda sua corrupção e iniquidade continuem atormentando os mais fracos.

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Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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