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Coronavírus

Bolsonaro passa recibo a Doria, mas continua perdido sobre vacina da Covid-19

Clima no governo é de 'barata-voa', e até demissão de ministro é vista como boa notícia

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São Paulo

A pressão proporcionada pelo anúncio do plano de vacinação de São Paulo jogou o governo Jair Bolsonaro numa espiral de orientações e declarações contraditórias acerca da campanha de imunização contra a Covid-19.

Bolsonaro e Pazuello durante evento na tarde de terça (8) no Palácio do Planalto
Bolsonaro e Pazuello durante evento na tarde de terça (8) no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 8.nov.2020/Folhapress

O sentimento no governo federal, como definiu um alto integrante dele, é de "barata-voa". O jargão brasiliense indica que estão todos perdidos, sendo levados pelos fatos.

Tanto é assim que esse mesmo auxiliar de Bolsonaro comemorou a notícia da demissão do ministro do Turismo, na tarde desta quarta (9), porque ao menos momentaneamente tirou das manchetes de sites noticiosos a confusão sobre a vacina.

Só que ministros vão e chegam, enquanto a Covid-19 permanece com seus 178 mil cadáveres brasileiros até aqui.

A reatividade do Planalto é baseada no anticientificismo do presidente, que foi da "gripezinha" à crítica aos "maricas" que o temem, para usar suas expressões, combinado ao temor de perda de popularidade.

Um analista de pesquisas políticas com trânsito no Planalto alertou recentemente o governo de que "o povo quer vacina", e de que até aqui o governador tucano João Doria (PSDB) estava mais bem posicionado no tema do que Bolsonaro.

Assim, a proposta da Pfizer ao governo dormiu por cerca de dois meses na gaveta do Ministério da Saúde, que basicamente descartou o imunizante de forma liminar devido às dificuldades logísticas que seu transporte e conservação a 70 graus negativos impõem.

Com o crescente impacto político do anúncio de Doria, cujos detalhes foram adiantados pela Folha, assessores de Bolsonaro ponderaram ao presidente que era necessário dar uma resposta pública rápida.

Na tarde da segunda (7), horas depois do plano paulista surgir, foi determinado que a conversa com a Pfizer começasse. Disso surgiu, à noite, a informação de que o Brasil negociava mais 70 milhões de doses do imunizante.

Nenhuma palavra sobre as geladeiras turbinadas, que de resto podem ser focalizadas em centros urbanos, deixando para outras eventuais vacinas que aceitam temperaturas maiores (AstraZeneca e Coronavac, por exemplo, se forem mesmo eficazes).

Sem ceder à chinesa Coronavac bancada pelo tucano, que ele já havia espezinhado em outras ocasiões, Bolsonaro também decidiu dar uma declaração mais positiva sobre vacinas, afirmando que as garantiria à população em encontro com Paulo Guedes (Economia).

Ocorre que a essa altura, preço e disponibilidade dos fármacos têm uma condição bastante diferente do que há alguns meses. Como dizem especialistas, a questão é que o Brasil não precisa de uma, mas de várias vacinas eficazes para dar conta de sua demanda de 400 milhões de doses.

Politicamente, o recibo foi passado. Na reunião da manhã seguinte, na terça (8), entre o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e governadores, o mal-estar era generalizado. Doria e o ministro bateram boca, alguns governadores se disseram temerosos do efeito da rixa para suas populações.

Já nesta quarta (9), o tom foi de um otimismo com malabarismo verbal. O general Pazuello, cuja permanência no serviço ativo desagrada a cúpula do Exército pelo temor de desgaste por associação, passou a falar em dezembro como data possível do começo de uma vacinação emergencial.

Na véspera, havia dito que seriam precisos 60 dias para aprovar uma vacina na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Estava com a cabeça no imunizante da AstraZeneca/Universidade de Oxford, principal acordo da União até aqui (100 milhões de doses, mais 160 milhões que podem ser produzidas pela Fiocruz), que só deve estar liberado para registro no fim do mês.

Se quis dizer que era um registro definitivo, bastava ter sido claro e não ter gerado a má repercussão entre os governadores —ao fim, os primeiros a receber qualquer vacina serão exatamente os mesmos grupos de um esquema regular ou de emergência.

No governo paulista, a palavra de ordem é não retroceder. Ninguém sacou ainda a lei aprovada no início da pandemia, que garante a aplicação de vacinas aprovadas no exterior (EUA, União Europeia, China ou Japão) mesmo que a Anvisa não autorize, mas o instrumento polêmico está à mão.

Ele tem problemas de redação: não fica claro se autorização de aplicação seria para uso emergencial ou definitivo, e nem quem bancaria a decisão —supõe-se que o próprio estado.

A equipe de Doria tem minimizado críticas sobre sua jogada na segunda, de que deveria ter esperado a eficácia da Coronavac para divulgar o plano de vacinação. Se de fato os estudos indicarem que ela é alta, a jogada sobre Bolsonaro terá vingado.

Mas o jogo está longe de acabar no que interessa, que é a saúde pública, envolve uma logística nacional e a necessidade imperativa de o governo federal assumir algum rumo para a crise.

Do ponto de vista político, a prévia da campanha de 2022 já está em curso, com riscos por ora bem mais definidos para Bolsonaro do que para Doria.

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