Descrição de chapéu Coronavírus Rio de Janeiro

Central define internações por Covid no RJ com médicos e angústia a distância

Destino de doente depende das cores em cinza, vermelho, verde e azul que mostram a situação de leitos

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Rio de Janeiro

Às 11h11 de quinta-feira (10), um homem de 72 anos que estava internado havia seis dias com Covid-19 numa UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, conseguiu finalmente uma vaga de UTI num hospital em Duque de Caxias.

Sua transferência foi decidida a mais de 50 km de onde estava internado.

Numa sala repleta de computadores e à frente de uma tela com centenas de nomes que compõem a fila de pacientes aguardando um leito para o tratamento da Covid-19, a médica Priscila Vian definiu a transferência dele com alguns cliques. Tudo graças a um raro quadrado azul que surgiu em sua tela, cor que no sistema de regulação aponta para a disponibilidade de leito.

“Saio daqui exaurida como se tivesse atendido pacientes. A gente se envolve, né. Vê idade, demanda, história clínica.”

Ela e outras duas médicas eram responsáveis naquela manhã pela definição de transferência dos pacientes com Covid para leitos especializados na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Central de Regulação de Leitos do Rio de Janeiro, onde é definido quem tem direito a leito para tratar Covid
Central de Regulação de Leitos do Rio de Janeiro, onde é definido quem tem direito a leito para tratar Covid - Tércio Teixeira - 10.dez.2020/Folhapress

É na Central de Regulação de Leitos onde se decide o dilema desde o início da pandemia, sobre quem ganha ou não atendimento adequado, funil cada vez mais apertado desde o novo aumento de casos.

Naquela manhã, Vian conseguiria transferir apenas outros três pacientes para UTIs. Sua tela indicava outros 172 aguardando um leito.

A central responsável pela região metropolitana fica no Centro Integrado de Comando e Controle, no centro da capital, criado para abrigar forças de segurança durante a Copa. Ele se tornou desde então um espaço para tomadas de decisões de órgãos públicos em diferentes crises.

Atualmente, são três médicos por turno que se responsabilizam pela análise dos pacientes na fila e dos leitos disponíveis na região metropolitana. Na primeira onda de casos da pandemia, eram oito. A Central já solicitou o reforço da equipe para o novo crescimento de casos.

Mesmo distantes da ponta do atendimento, elas afirmam que se envolvem com as histórias dos pacientes descritas nos prontuários eletrônicos.

“Não é tão angustiante como estar na ponta, claro, mas a gente sai mentalmente e emocionalmente muito destruído. Ontem abriu [a solicitação de internação de] uma senhora que tinha perdido ontem um filho para a Covid e sido internada. São situações que você acaba se sensibilizando”, afirmou Vian.

A tela de Michele Lopes, coordenadora de internações da região metropolitana, mostrava camas dentro pequenos quadrados em sua maioria (603) com fundo cinza, indicando leitos de enfermaria para Covid ocupados.

Havia outros 413 vermelhos, que são as vagas impedidas de serem ocupadas. Na maioria das vezes, a razão é a falta de médicos ou enfermeiros nos hospitais, embora também inclua leitos fechados em razão do incêndio do Hospital Federal de Bonsucesso (168).

Não havia nenhum azul naquela manhã, cor que indica a disponibilização de uma vaga. Outros 44 estavam piscando em azul, mostrando leitos reservados para os pacientes em transferência.

O sistema de regulação é abastecido com informações de toda a rede de saúde no estado. Os médicos da ponta devem preencher um formulário eletrônico com as informações clínicas do paciente, inserir dados detalhados sobre exames e sintomas, para que a central decida quem vai ganhar a vaga e onde.

Quando um paciente tem alta, o leito fica disponível para que os médicos da regulação escolham quem deve ocupá-lo.

Ao menos, é assim que o protocolo da secretaria determina. Na prática, a tela de Lopes também pipocava 19 quadrados verdes, mostrando leitos de enfermaria vazios, mas ainda não liberados pelos hospitais para a Central de Regulação.

“Muitas vezes eles seguram esperando a avaliação de uma paciente que está na enfermaria da unidade para ir para a UTI. Acontece muito quando é uma emergência de porta aberta [procurada diretamente pelos pacientes]. Não é o ideal, mas acontece”, diz a coordenadora de internações.

A disponibilização dos leitos das unidades para a regulação é uma das principais bandeiras do secretário de Saúde, Carlos Alberto Chaves, o quarto no estado desde o início da pandemia.

“O grande problema da regulação são os leitos escondidos, que não estão com a regulação. Fizemos várias visitas nos locais e começaram a aparecer leitos”, diz Chaves. Segundo José Wilson, coordenador da Central de Regulação, foram incluídos 80 leitos nos últimos dias, dos quais 60 preexistentes.

As informações enviadas pelos médicos, muitas vezes, também são insuficientes para definir a situação do paciente e o tipo de leito que ele precisa. Num dos formulários abertos por Lopes, mostrava apenas “covid-19”, quando exige-se informações sobre o histórico do paciente, existência ou não de exame confirmando a contaminação, bem como a saturação de oxigênio, entre outros exames.

Nessa situação, os médicos reguladores precisam “devolver” o formulário para os hospitais, para que complementem os dados necessários. Dos 257 pacientes de todo o estado que aguardavam um leito de UTI no início da manhã, 42 precisavam de mais informações sobre seu estado de saúde para entrar de fato na fila.

“Se você tratar [a regulação] como um ambiente frio, não resolve absolutamente nada. Precisa entender que aquilo é uma pessoa que está precisando. Passar a mão no telefone, ligar, encher o saco e conseguir [a informação ou o leito]. Quem trata como um ambiente frio, não pode estar na regulação. Se você não vestir a camisa do paciente que precisa daquele leito, você não vai conseguir. Raramente o leito chega de bandeja para você”, afirma Lopes.

A fila eletrônica de pacientes com Covid no Rio de Janeiro não tem uma ordem de espera definida. A prioridade estabelecida pela secretaria atualmente é retirar pacientes internados em UPAs, cuja estrutura não é a ideal para assistir os contaminados.

Lopes e suas duas colegas, na manhã de quinta, faziam uma planilha à parte destacando os pacientes em UPAs com mais internados, ressaltando aqueles que estavam há mais tempo aguardando.

Em maio, a secretaria chegou a discutir, em parceria com entidades médicas, um protocolo no qual a avaliação médica do paciente receberia pontuações considerando o funcionamento dos órgãos, doenças preexistentes e a idade. Provocou polêmica, porém, o fato de pessoas mais velhas perderem pontos no ranking.

“No início da pandemia, muita gente via idosos de mais de 80 anos e sequer olhava. Hoje sabemos que precisa estudar bem o histórico para avaliar corretamente. Mas, para o médico regulador, quanto mais objetivo o protocolo, melhor”, diz Lopes, que trabalha há 11 anos no setor.

A central conta ainda com dois advogados em tempo integral para responder à chegada de mandados judiciais determinando internação de pacientes, seja contaminado por Covid ou não. Esses pacientes ganham, ao lado de seus nomes, um martelinho como o de juízes de tribunais de júri.

A entrada deles na fila, porém, costuma ser precária. Os laudos que acompanham as decisões raramente vêm com as informações necessárias. Na madrugada de quinta, um mandado determinando a internação de uma paciente da rede privada em UTI pública não tinha sequer exame comprovando a contaminação por Covid.

Como na maioria desses casos, o paciente está em hospitais, não entram na prioridade atual, aqueles que estão internados em UPAs—chamados internamente de “desassistidos”.

“O mandado judicial quebra a regulação. Manda um paciente totalmente fora do protocolo”, disse Chaves.

Há ainda apelos inesperados, que por vezes levam as lamentações da porta dos hospitais para dentro da central.

“Muitas vezes parentes [de pacientes] ligam para cá. Às vezes a própria unidade dá. Não é comum. Às vezes tentam se passar como um profissional da UPA e começa a chorar no telefone. A gente conversa, vai, olha [para o caso do paciente]. É complicado. O ideal é não dar informações por telefone”, diz Lopes.

A pandemia também chega dentro da central. Na véspera da visita da Folha, uma funcionária do administrativo da regulação morreu em decorrência da Covid-19.

“Acabamos de perder uma colega aqui da regulação. É impossível ver essa fila e não se envolver”, disse a médica Clarice Viana, a terceira responsável pelas internações na região metropolitana naquela manhã.

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