Como os infectologistas vão passar os festejos de fim de ano? Em casa

Especialistas indicam que as pessoas façam o mesmo ou encontros pequenos em locais abertos

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Local enfeitado com diversas luzes e um luminoso superior onde se lê

Drive-thru de Natal em Santo André Mathilde Missioneiro/Folhapress

São Paulo

Durante quase todo o ano de 2020, os infectologistas aconselharam que as pessoas evitassem situações de risco de transmissão de Covid-19, como jantares com pessoas fora de casa, festas e as diversas formas de aglomerar que existem. No fim de ano, esses profissionais, em sua maioria, pretendem seguir seus próprios conselhos.

Foi isso, pelo menos, que afirmaram à Folha 67 médicos membros da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), que participaram de uma pesquisa informal sobre os planos para o fim de ano.

Essa categoria profissional foi uma das que estiveram na linha de frente contra a Covid-19, tanto na prática quanto no aconselhamento de como agir com os pacientes infectados. A atuação na orientação levou inclusive a uma abertura de inquérito por parte de um procurador que costuma fazer postagens de terapias sem eficácia contra a doença.

A Folha perguntou aos infectologistas como seriam o Natal e o Ano-Novo e se seus planos mudaram com o recente e acentuado aumento de mortes e casos de infecção pelo novo coronavírus.

Cerca de 70% dos que responderam à enquete dizem que vão passar o Natal em sua própria casa, somente com pessoas com quem convivem diariamente. Em seguida, cerca de 18% dos médicos afirmaram que vão passar a festa com a família que vive na mesma cidade, mas não mora na mesma casa.

Já no Ano-Novo, a porcentagem dos infectologistas que vai ficar em casa cresce bastante e chega a 81%.

A reportagem também questionou se a atual situação crítica do Brasil influenciou nos planos dos médicos. Cerca de 55% responderam que não mudou, porque iriam ficar somente perto de gente que já faz parte de sua “bolha” diária.

Outros 39%, porém, disseram que tinham planos de viagem, por exemplo, mas que tiveram que mudar pelas circunstâncias epidêmicas, que muitas vezes batem à porta.

Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro, viu seus planos natalinos, cuidadosamente feitos para trazer o mínimo de risco possível, desfazerem-se na quinta-feira (17).

“É a festa de que eu mais gosto”, afirma Vergara. “Eu gosto de reunir minha família. Fazemos o Natal na casa da minha mãe e é muito alegre, com Papai Noel entregando presente, com a gente cantando. Esse ano não vai ser assim.”

A família não conseguiu convencer a matriarca de 84 anos. Ela queria passar a festividade com a família, como de costume. Então, começaram os preparativos para o Natal pandêmico.

Ninguém iria cear em uma única mesa. Os três núcleos familiares que se encontrariam iriam se servir, todos de máscara, em uma mesa com o bufê natalino, e cada núcleo iria para um canto, no qual ficariam próximos somente daqueles com quem convivem diariamente. Nessa “bolha”, poderiam tirar a máscara, comer em silêncio e, depois, voltar a colocar a máscara.

A especialista diz ainda que tudo isso seria possível porque a casa da mãe tem espaço para comportar o plano.

Seria possível.

Uma funcionária que trabalha para a idosa relatou não sentir cheiros há algum tempo. Um PCR apontou o motivo: Covid. Na idosa, o exame deu negativo, mas agora ela precisa ficar em observação e sem a desejada festa de Natal, que já não contaria com Papai Noel, pelo bom velhinho estar em quarentena —fato já relatado às crianças da família.

Vergara afirma que, assim como a maior parte dos seus conhecidos, não vai fazer nada no Ano-Novo. “Fazer o que numa pandemia? Inclusive vou dormir, eu acho”, diz a infectologista, relatando o cansaço dos atendimentos online de Covid, que não cessam.

O plano de diminuir o ritmo entre o Natal e o começo de 2021 também não foi realizado. Na última semana, além dos pacientes que já acompanha, começou a atender outros quatro novos casos.

“Os pacientes viram membro da sua família”, diz a infectologista, que relata estar vendo infecções de muitos núcleos familiares e uma situação, no momento, mais grave do que a do primeiro semestre. “Estamos muito pior.”

Já a festa de Natal de Raquel Stucchi, pesquisadora da Unicamp e membro da SBI, foi cancelada há mais tempo. Basicamente, quando ela e sua família perceberam que a pandemia não cessava no Brasil com o passar dos meses, que a primeira onda parecia não acabar.

Segundo o consórcio de veículos de imprensa, a menor média móvel de mortes pela Covid-19 dos últimos seis meses ficou na casa dos 300 óbitos, no início de novembro.

A festa com os irmãos da própria cidade, com uma irmã de outro município e com a mãe de 93 anos não vai acontecer neste dezembro de 2020. “Cada um vai ficar na sua casa, sem nenhum tipo de comemoração presencial”, diz Stucchi.

Em sua família, porém, alguns dos mais jovens, na casa dos 30 anos —uma das faixas na qual o país vê um aumento nas infecções— resistiram um pouco ao cancelamento das festividades e passaram a ser aconselhados por ela a não fazerem encontros.

“Prefiro não ser informada do que eles vão fazer e acreditar que vão ouvir a tia Quel”, afirma Stucchi.

A dica da pesquisadora para as festas de fim de ano é: “Quem está pensando em fazer, pense em não fazer”.

Há cerca de um mês, a recomendação era a mesma. “Ainda não é o momento de nos reunirmos. Não devemos estar próximos de pessoas que não fazem parte do nosso círculo de convívio. Os casos estão aumentando, não vamos ter leitos para todo mundo”, dizia, em um vídeo.

A melhor forma de ao menos tentar ter um Natal em 2021 é deixar para lá as comemorações de 2020, afirma Leonardo Weissmann, infectologista do Hospital Emílio Ribas e consultor da SBI.

Segundo Weissmann, como aponta o levantamento feito pela Folha, os infectologistas estão com receio das ações no fim do ano.

“O pessoal está cansado da situação e quer passar o tempo em família. Mas existe a consciência de que não dá”, afirma o especialista.

O Natal de Weissmann —neste ano em casa— costumava ser composto de plantões, que ele se dispunha a fazer por não comemorar a festividade, já que é judeu. A ação, de toda forma no melhor espírito natalino, acabava levando a alegria aos colegas que celebram a data.

Os plantões de Natal, que o especialista não fará neste ano por motivos pessoais, costumam ser mais tranquilos. Só chegam emergências que são de fato emergências, e não questões menos urgentes que, às vezes, aparecem em prontos-socorros, como unhas encravadas há um ano, diz.

Tranquilidade semelhante, só em jogos do Brasil na Copa e em capítulo final de novela, brinca o médico.

Para a possibilidade de um 2021 melhor, todos os especialistas indicam que, neste momento, é melhor evitar a socialização com pessoas de fora da sua “bolha” de convivência.

Se não for possível evitar, o jeito é diminuir ao máximo os riscos do encontro de diferentes e poucas —destaque para o poucas— “bolhas”.

As dicas residem nas indicações básicas de prevenção: ventilação, máscara e distanciamento.

Faça seu encontro em local aberto ou muito bem ventilado. Um momento de muita atenção é a hora de comer, quando todos estão sem máscara. Evite ficar próximo de gente de fora da sua “bolha” ou ficar conversando enquanto come ou bebe.

Cantoria e risadas sem máscara são momentos de elevado risco, pelo potencial de espalhamento de gotículas de saliva com tais ações.

“Todos nós idealizamos um final de ano diferente e não é possível. Foi um ano muito difícil, que exigiu muito de nós”, diz Stucchi. “A nossa realidade não permite que façamos nada diferente neste fim de ano, sob o risco —não querendo ser dramática, é a realidade— de não podermos estar em 2021 com as pessoas que gostaríamos.”

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