Descrição de chapéu Coronavírus

'Precisamos conciliar o controle da Covid com o retorno à convivência', diz Pércio de Souza

Para presidente do Instituto Estáter, que organiza campanha sobre riscos de confraternizações, país voltará a registrar 7.000 mortes semanais

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São Paulo

Campanha nacional em meios de comunicação a partir desta segunda (21) vai alertar as famílias brasileiras sobre os riscos de contaminação pelo coronavírus durante as confraternizações de final de ano.

Organizada pelo Instituto Estáter em colaboração com empresários de vários setores e apoio técnico da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a campanha visa evitar a proliferação do vírus e, ao mesmo tempo, limitar a necessidade de novas medidas que levem ao fechamento da economia.

Pércio de Souza, da Estáter, durante o CEO Summit.
Pércio de Souza, do Instituto Estáter, durante o CEO Summit. - Divulgação

Segundo a campanha, que será veiculada na TV aberta e fechada, em meios eletrônicos e redes sociais, os brasileiros devem fazer “sua parte para evitar um novo lockdown, que seria muito pior quando o país precisa de uma retomada econômica para não afetar ainda mais empregos, empresas e a sociedade”.

De acordo com Pércio de Souza, presidente do Instituto Estáter, que acompanha diariamente a evolução da Covid-19 em vários países, o Brasil em breve voltará à casa de 7.000 mortes semanais, mesmo patamar de agosto.

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O objetivo da campanha é conscientizar sobre os riscos das festas e limitar novos fechamentos obrigatórios. Mas isto não será necessário diante da atual taxa de transmissão do vírus e da falta de leitos de UTI?

Como tudo em relação à pandemia, não há uma resposta simples. A discussão do tema, mais do que politizada, virou ideológica, o que dificulta o debate sobre a forma mais eficaz para a redução do ritmo do contágio. A experiência e avaliação dos dados disponíveis nos diversos países que analisamos mostram que medidas como o lockdown não têm sido eficazes para conter o ritmo da curva no médio prazo e deixam consequências negativas imensuráveis para o futuro. Não só na economia, mas nas outras áreas de saúde e, lamentavelmente para o Brasil, na educação. O lockdown também pode causar o efeito inverso, pois as pessoas tendem a se sentir liberadas depois, num efeito pêndulo. Vimos isso na Argentina e na República Tcheca. Acreditamos na linha de estudos publicados que mostram que o desenvolvimento da percepção de risco da população e o entendimento de onde estão os focos principais de contágio são mais importantes do que uma restrição imposta pelos governos. Sem a percepção de risco, é infrutífero o fechamento, pois as pessoas vão para os encontros informais e festas sem cumprir os protocolos para mitigar a transmissão. A campanha, além de tentar sensibilizar a sociedade dos riscos da Covid-19, tenta trazer a discussão para o pragmatismo, esquecer as diferenças ideológicas e brigar por uma causa comum: como nos comportar para conviver e evitar a intensidade da curva.

O Estáter acompanha a evolução da Covid em vários países. Quais conclusões podemos tirar até aqui nas várias regiões?

A pandemia ainda é muito recente e as certezas precisam ser tratadas como transitórias. Mas há alguns pontos que podem ser ressaltados. O primeiro é que a curva pandêmica de um país normalmente é composta por centenas de curvas regionais. Nos EUA, a curva consolidada no primeiro semestre, por exemplo, escondia a combinação de uma curva de infecção intensa nos dez estados mais infectados (1.100 óbitos por milhão por semana), comparado com 190 óbitos por milhão no resto do país. Isso aconteceu em maior ou menor escala em todos os países e é um instrumento importante para preparar o enfrentamento da pandemia. Segundo, constatamos que esses estados ou regiões poupadas no primeiro semestre não resistiram à infecção no segundo. Passaram de 49 mil óbitos no primeiro semestre para 141 mil no segundo. Fato que se repetiu em outros países, como na Itália, onde o sul poupado durante o primeiro semestre mais do que duplicou os óbitos no segundo. Por outro lado, aqueles que foram muito assolados no início do ano tiveram um arrefecimento no segundo semestre. Quando olhamos os números de Madrid, Paris, Catalunha, Lombardia e Nova York, por exemplo, embora todos tenham sentido intensificação do contágio no segundo semestre, nenhum deles teve óbitos em número superior a 30% em relação ao primeiro semestre. Em termos de intensidade, Paris chegou no máximo a 30% da semana de pico no primeiro semestre, enquanto Catalunha e Madrid ficaram em 15% do pico. Lombardia com 40% do pico; e Nova York está em menos de 10% do que foi o pico semanal em abril. Olhando para o Brasil, a conclusão é que os estados mais poupados no início do ano, como os do Sul e Centro-Oeste, além de Minas Gerais e Bahia, deverão ser os mais afetados. O terceiro indício é que tem algo diferente na contaminação, que deve transcender à cultura e hábitos em relação a China e Sudeste Asiático, onde os números são muito abaixo de qualquer outro lugar. Há alguma justificativa que leva esses países de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e infraestrutura tão diferentes terem números tão menores que o mundo ocidental. Mas isso cabe aos epidemiologistas.

O Brasil acompanha a tendência mundial com locais mais afetados no início registrando menos óbitos agora. O que dá para prever?

O Brasil atingiu cerca de 400 mil novos casos positivos por semana agora, o que representa perto 2.000 casos por milhão de habitantes por semana. Nos EUA, o ritmo está em 3.500; e a Europa caiu de uma média de 4.000 durante o período mais intenso para cerca de 2.000 atualmente.
Com a letalidade atual, isso deve representar nas próximas semanas óbitos na casa de 7.000 semanais no Brasil, voltando aos níveis de agosto. Isso representa cerca de 33 óbitos por milhão, ainda bem abaixo da média de 50 do pico europeu ou dos 43 atuais dos EUA. Mas o Brasil tem uma característica própria. A curva aqui foi achatada e a desigualdade pandêmica é muito menor que a americana. Isso indica que, se conseguirmos criar uma conscientização, podemos passar o novo surto sem a sobrecarga que vimos em regiões da Europa. Sobre o limite dos hospitais, há regiões específicas de sobrecarga. Nos privados em São Paulo e Rio isso já era esperado, uma vez que as classes A e B foram pouco contaminadas no primeiro semestre. Também há o efeito hospital de referência, principalmente em São Paulo, onde há um percentual relevante de pacientes de outras partes do estado ou do país. A rede municipal de São Paulo está com relativa folga, com cerca de 60% de taxa de ocupação, apesar do fechamento de 30 UTIs na última semana, segundo dados da secretaria de saúde. Como falamos dos EUA, a infecção não está tão intensa como no início do ano. No Rio, por exemplo, a taxa de óbitos da última semana representa 43% da semana mais intensa no primeiro semestre, que foi no começo de junho. O percentual alto de utilização só se justifica pelo fechamento de UTIs dedicadas à Covid.

O repique de casos no Brasil e no mundo coincidiu com a reabertura e aglomerações. Com a vacinação em massa distante, a doença não seguirá muito ativa sem o isolamento social?

O relaxamento na Europa e nos EUA, assim como no Brasil, não deflagrou mais contágio de forma imediata, a despeito das aglomerações pelos protestos do caso George Floyd nos EUA, nas praias europeias e do 7 de Setembro brasileiro. Não se sabe ao certo a justificativa dessa bonança temporária. Mas a suspeita é de que, com o tempo, a percepção de risco vai diminuindo, as pessoas vão relaxando e, na verdade, os deslizes é que geram mais infecções. Não há indícios de que praias, parques ou mesmo restaurantes e comércio ou ambiente de trabalho sejam grandes catalisadores da transmissão. Alguns estudos sugerem que nem mesmo o transporte público tem sido o foco principal. São os deslizes que normalmente contaminam jovens ou adultos ativos, que depois passam para os pais, irmãos, tios e avós em casa. E é isso que precisa ser atacado. Não consigo admitir que a única forma de combate ao vírus seja a mesma de cem anos atrás. O jogo do esconde-esconde. Temos que usar a tecnologia, o conhecimento da literatura atual, nossa capacidade de interface e avanço dos sistemas de comunicação para aprendermos a conviver com o vírus. Devemos ajustar nosso comportamento, sim, para evitar excesso de contágio, mas precisamos achar a fórmula que concilie a convivência com amigos e com familiares, levar as crianças de volta às escolas e ao funcionamento do comércio e da saúde. Deveríamos estar investindo nisso para que nos preparemos como sociedade para enfrentar novos eventos como este. Temos que aprender com os erros, olhar para a frente e tentar construir alicerces que nos ajudem a estruturar o combate à pandemia. A sociedade deve debater e participar desta construção.

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