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Servidores culpam Ministério da Agricultura por morte de colega com Covid-19

Pasta nomeou 22 funcionários de estados para força-tarefa em Brasília e diz que seguiu protocolos e prestou apoio à família

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Brasília

Um servidor federal, nomeado com mais 21 colegas para compor uma força-tarefa do Ministério da Agricultura em Brasília, morreu de Covid-19. O grupo culpa a pasta, chefiada por Tereza Cristina, pela morte do funcionário.

Os servidores integram quadros de superintendências localizadas em diferentes estados do Brasil.

O funcionário que morreu, Alcides Flores, 64, morava em Porto Velho e, por ter mais de 60 anos, fazia parte do grupo de risco. Ele havia começado a trabalhar na força-tarefa no dia 17 de novembro.

Servidores que conversaram com a Folha, mas não quiseram se identificar, disseram que mais quatro membros do grupo contraíram a doença. A reportagem teve acesso a dois dos exames que confirmaram a infecção de integrantes da força-tarefa pelo novo coronavírus.

O Ministério da Agricultura afirmou, em nota, que a força-tarefa, criada por meio da portaria, teve o objetivo de analisar cerca de 1.300 convênios de emendas impositivas no prazo exigido por lei, que se encerra em 31 de dezembro.

A necessidade de realização do trabalho presencial em Brasília se deveu, segundo o ministério, à complexidade de análise dos documentos e estava atrelada a uma nova capacitação técnica sobre os temas relacionados aos convênios.

Funcionário de carreira desde 1978, Flores exercia a atividade de agente de atividades agropecuárias até outubro de 2019. Passou a exercer cargo comissionado e se tornou chefe da Divisão de Desenvolvimento Rural na Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Rondônia.

Flores foi internado no Hran (Hospital Regional da Asa Norte), em Brasília, no dia 20 de novembro. Ele ficou intubado na maior parte dos dias de internação e teve a morte confirmada na segunda-feira (14).

O corpo do funcionário público foi levado para Porto Velho na quarta (16). A morte gerou repercussão entre colegas de trabalho de outros estados, que, assim como Flores, atuaram na capital até 27 de novembro.

O grupo da força-tarefa culpa o ministério pela morte do colega e diz que não havia necessidade de deslocar funcionários para Brasília. Segundo os servidores, os processos da pasta são digitais, e o trabalho poderia ser feito em home office.

Além disso, eles afirmam que o governo não ofereceu um plano para que todos trabalhassem de forma segura. Os servidores dizem que foram colocados, todos juntos, em uma sala, com quatro pessoas em cada mesa.

A Folha também teve acesso a conversas de WhatsApp do grupo de servidores da Divisão de Desenvolvimento Rural, com 98 integrantes.

Em uma delas, os servidores dizem que o pedido para trabalhar presencialmente partiu da ministraTereza Cristina. Afirmaram ainda que, apesar de não se tratar de uma convocação, não tiveram como negar o pedido.

"Dentro de uma situação de pandemia, por que corremos esse risco desnecessário, ainda mais sem plano de contingência elaborado?", questionou um servidor no grupo.

Ele ainda afirmou: "Durante os dias em que os colegas estavam em Brasília, era nítida a angústia e a falta de informação, tendo em vista que não havia nenhum plano de contingência e socorro. Aliás, num primeiro momento, após o Alcides ser confirmado com Covid-19, a orientação, contrariando as normativas de prevenção, era de que os colegas poderiam retornar para a sala higienizada".

Os colegas de Flores também lamentaram a morte no grupo.

"Infelizmente o nosso colega se foi, o sentimento de perda é muito grande. O colega era sempre solícito quando a gente chegava em Porto Velho. Gentileza e companheirismo eram seu sobrenome. Meus sentimentos extensivos aos familiares", escreveu um integrante.

O Ministério da Agricultura afirmou na nota que o trabalho da força-tarefa atende a uma demanda da Assessoria Especial de Relações Governamentais e Institucionais da pasta.

"Anteriormente, haviam sido realizadas ações de treinamentos virtuais com servidores para as análises desses documentos, mas não foram suficientes para a resolução de questões técnicas", disse a pasta.

O ministério ressaltou ainda que o deslocamento voluntário dos 22 integrantes da força-tarefa, escolhidos pelas superintendências nos estados, seguiu todos os protocolos e condições previstos pela portaria que dispõe sobre a volta ao trabalho presencial.

Segundo a pasta, a portaria determina que o retorno recairá, prioritariamente, sobre servidores públicos ocupantes de cargos comissionados. Ela orienta que deverão ser priorizados, para execução de trabalho remoto, os servidores com idade igual ou superior a 60 anos, mediante assinatura de autodeclaração.

"Em relação ao servidor Alcides Flores, [ele] ocupava cargo comissionado, e não solicitou —por autodeclaração— autorização para trabalho remoto, conforme determina a portaria", disse o ministério.

"Durante sua internação hospitalar, a pasta prestou toda a assistência ao seu tratamento bem como suporte logístico necessário a seu filho. O Mapa [Ministério da Agricultura] também foi responsável por tomar todas as providências necessárias para o traslado aéreo do corpo", afirmou o órgão.

O ministério disse ainda que os demais 21 colaboradores das superintendências que integraram a força-tarefa foram testados, além dos demais servidores que tiveram algum contato com o grupo. "Todos testes apresentaram resultado negativo", disse.

A família de Flores foi procurada, mas não atendeu a reportagem. O superintendente de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Rondônia, José Valterlins Calaça Marcelino, não quis se manifestar sobre o caso.

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