Descrição de chapéu Coronavírus

Apelidos como Nelly e Erick são dados a mutações do coronavírus para não ligá-las a países

Políticos e cientistas querem que, assim como Sars-Cov-2 deixou de ser 'vírus chinês', novos mutantes não estigmatizem local em que foram encontrados

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Bruxelas

Apelidos como Nelly e Erick e longas siglas com números e letras estão no centro de uma nova onda de "diplomacia do coronavírus". Cientistas e e políticos querem evitar que fique consagrado o uso de “variante britânica”, “sul-africana” ou “brasileira” para versões do coronavírus que ficaram mais contagiosas após sofrerem mutações.

Assim como o Sars-Cov-2 deixou de ser o "vírus chinês", eles defendem nomes neutros para os novos mutantes. Em entrevista na semana passada, o diretor-executivo da OMS (Organização Mundial da Saúde), Michael Ryan engrossou o coro: “Precisamos ter cuidado para não estigmatizar os países que investem em vigilância e encontram novas ameaças”.

O problema é que não existe uma forma padronizada para se referir aos novos mutantes. VoC 202012/01, N501Y.V1, B.1.1.7 e 20I / 501Y.V1 são todos nomes usados para a variante que apareceu no sudeste da Inglaterra e que, entre os britânicos, é chamada de “variante de Kent”.

Para evitar a pecha, cientistas britânicos têm chamado a nova versão de “Nelly”, um apelido da mutação mais preocupante encontrada, de nome técnico N501Y. Nelly aparece também nas variantes encontradas na África do Sul e no Brasil, e nessas duas os cientistas a encontraram desde o começo acompanhada por Erick (apelido de E484K), outra mutação que ajuda o vírus a se espalhar.

Em fevereiro, cientistas britânicos descobriram a mutação Erick também na variante B.1.1.7 (a do Reino Unido). "A mutação mais preocupante, que chamamos de E484K, também ocorreu espontaneamente na nova cepa Kent em partes do país", disse à rádio BBC o professor de medicina Calum Semple, membro do Grupo de Aconselhamento Científico para Emergências do governo britânico.

Esferas azuis-cinzentas com pontos sobressalentes cor de rosa-choque
Modelo 3D do Sars-Cov-2 criado pelo laboratório Nanographics, na Áustria - via Reuters

Os nomes técnicos se referem a que partes do vírus foram mudadas e em que posição. N501Y indica que, na posição de aminoácido 501, a asparagina (N) foi substituído por tirosina (Y). Já na mutação Erick, ou E484K, houve uma troca de glutamato por lisina na posição 484. As duas alterações afetam a proteína conhecida como Spike, que facilita a entrada do patógeno na célula humana.

O adendo V1 (variante 1) no nome N501Y.V1 indica que a mudança relatada no Reino Unido foi a primeira a ser descrita. É isso que a distingue do nome técnico da versão identificada pela África do Sul, chamada de N501Y.V2, por ter sido a segunda a ser registrada com a mesma mutação (embora não haja certeza sobre qual aconteceu primeiro).

Os outros nomes pelos quais a variante do Reino Unido é conhecida têm explicações diversas. VoC 202012/01 é a abreviatura de “variante de preocupação de dezembro de 2020”, mês em que o Reino Unido detectou cerca de 20 alterações no genoma do coronavírus.

Mutações em vírus são frequentes e a maioria é inofensiva ou até prejudicial ao micro-organismo, mas algumas lhe dão vantagens de sobrevivência e por isso ganham atenção especial dos sistemas de vigilância sanitária.

Foi o caso da que permitiu ao Sars-Cov-2 ficar mais abundante no trato respiratório superior, potencializando sua transmissão e chamando a atenção ao provocar um pico anômalo nas regiões inglesas de Kent e Medway. A origem dessa variante é ainda desconhecida, mas acredita-se que ela surgiu em setembro. O pico veio em novembro, e a Saúde Pública da Inglaterra a chamou de VUI 202012/01 (VUI é a abreviação de variante sob investigação, em inglês).

Em dezembro, depois que ela foi mapeada e teve seu risco avaliado, o "sob investigação" virou "de preocupação" e o VUI passou a ser VOC.

B.1.1.7, por fim, refere-se à linhagem da nova variante —uma linhagem é um agrupamento de sequências genéticas que aparecem em uma região geográfica específica, com evidências de transmissão contínua naquela região. De forma mais ampla, a versão faz parte da linhagem B, e cada um dos números seguinte indica uma divisão subsequente nesse ramo da árvore genealógica do vírus. A variante descrita na África do Sul é a B.1.351 nessa classificação.

A identificação de cada variante por sua posição na árvore de linhagens foi sugerida em julho do ano passado por um grupo de cientistas, na revista Nature, já prevendo o aparecimento de um número grande de mutações. Depois disso, passou a ser usado pelo banco de dados internacional Gisaid, que reúne mais de 400 mil genomas de todo o mundo.

Mas, para embolar ainda mais o meio de campo, um outro sistema de classificação criado por outro grupo de cientistas chama a B.1.1.7 de 20I / 501Y.V1.

No Brasil foi identificada uma variante B.1.1.28, também chamada de N501Y.V3, e logo em seguida outra variante da mesma linhagem, a B.1.1.28.1, que se espalhou rapidamente na região de Manaus e acabou recebendo um novo apelido, P1.

Para a líder técnica da OMS para Covid-19, Maria van Kerkhove, é preciso criar uma nomenclatura que seja facilmente compreendida e evite "nacionalizar" os vírus. "Queremos remover qualquer questão geopolítica desse tema", afirmou ela na última sexta.

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