Descrição de chapéu Coronavírus

Cidades com até 20 mil habitantes registram crescimento de 500% no número de mortes por Covid

O percentual de mortes no Brasil como um todo foi menos da metade no segundo semestre

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Brasília

​Com tempos epidêmicos diferentes, os municípios com até 20 mil habitantes, inicialmente pouco afetados pela Covid-19, tiveram uma explosão de casos no segundo semestre e registraram maior crescimento percentual de mortes no período.

Levantamento realizado pela Folha mostra que enquanto o percentual de óbitos no Brasil cresceu 227% no segundo semestre em relação ao primeiro, nos 3.797 municípios com até 20 mil moradores houve um aumento médio de 503%.

O novo coronavírus já chegou a todos os municípios brasileiros e ultrapassou as 200 mil mortes no país.

Em julho, população procurava a Secretaria de Saúde de Taperoá, no sertão da Paraíba, para se informar sobre os cuidados com a Pandemia da covid-19 - Leo Caldas/Folhapress

Os dados revelam ainda que quanto menor a faixa de população do município, maior foi esse crescimento. Nas cidades com até 5 mil habitantes o aumento foi de 850%, já nas de 5 a 10 mil, 603%, e nas de 10 a 20 mil, 434%.

Apesar desse aumento, ainda há 544 municípios que não registraram nenhuma morte. Todos com até 30 mil habitantes. Já os casos chegaram a todas as partes do Brasil após Cedro do Abaeté, em Minas Gerais, atingir seu primeiro caso em dezembro.

Especialistas associam esse maior crescimento em cidades com menos habitantes no período a dois fatores: interiorização da doença, que havia chegado primeiro aos grandes centros, e falta de estrutura das cidades de pequeno porte para atender pacientes graves.

Tarcísio Marciano da Rocha Filho, professor do Instituto de Física da UnB (Universidade de Brasília), avalia o que maior crescimento em cidades de pequeno porte no segundo semestre tem relação com a interiorização da doença.

A Covid-19 começou nas grandes cidades, por onde o novo coronavírus entrou no país, e avançou para cidades menores no interior.

“Quanto menor o município, maior a tendência de demorar a começar a doença porque tem menos pessoas de fora circulando. Quando começa na cidade, a própria população alimenta esse aumento. A forma como o gestor e a população vai lidar com o vírus vai influenciar no crescimento dos casos e, consequentemente, no número de mortes”, disse.

O Ministério da Saúde informou, em nota, que é possível identificar uma transição dos casos e mortes de Covid-19 das regiões metropolitanas para as interioranas do Brasil. Na análise da pasta, entre 22 a 28 de março, 87% dos casos novos foram registrados nas capitais e regiões metropolitanas.

A partir dos dias 14 de junho a 2 de janeiro a maioria dos casos novos foram registrados em cidades do interior. Durante este período a porcentagem dos casos em região interiorana variou de 51a 65% a depender da semana epidemiológica.

A pasta acrescentou que em relação aos óbitos novos, houve um comportamento similar, pois 89% das mortes eram registradas em regiões metropolitanas entre 22 a 28 de março. Entre os dias 30 de agosto e 5 de setembro essa tendência se inverteu, quando as regiões interioranas alcançaram 53% dos óbitos novos no país.

“É importante esclarecer que existem variações na porcentagem de casos e óbitos pela Covid-19 ocorridos nas regiões metropolitanas e interioranas que são constantemente observadas e analisadas pelo ministério da Saúde”, disse em nota.

Água Branca, no Piauí, tem 17 mil habitantes e representa uma das cidades com mais mortes por Covid-19 a cada 100 mil habitantes. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram 47 óbitos, sendo que 34 ocorreram no segundo semestre.

Amilton Feitosa, secretário municipal de Saúde da cidade, afirma que o município é referência na região para casos de média complexidade e atende a 16 municípios. Entretanto, os casos graves tiveram que ser levados para a capital Teresina, a 92 km de distância.

Por conta do crescimento de casos e mortes, diversas medidas foram tomadas. Entre elas a busca ativa e o programa "Selo Amigo do Idoso", que consiste em classificar os domicílios nas cores verde, amarelo e vermelho. O vermelho, por exemplo, representava a moradia de idosos com risco grave para a Covid-19.

“As pessoas que iriam às casas com esse adesivo já sabiam que deveriam ter mais cuidados. Conseguimos reduzir bastante o número de óbitos, hoje a gente tem a média de um por mês”, disse.

“Estamos preocupados com a retomada do aumento de casos. Sabemos que podemos carregar o vírus. Se não tivermos cuidado com as pessoas mais frágeis vão aumentar novamente as mortes”, completou.

Fernando Bellissimo Rodrigues, médico infectologista e professor associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, acrescenta que outro fator que pode estar contribuindo para esse crescimento no interior é a falta de estrutura da rede de saúde.

Na avaliação do infectologista, muitas cidades do interior não possuem estrutura para atender pacientes com casos graves, necessitando do auxílio de cidades maiores. Entretanto, a demora do diagnóstico e da internação, dependendo da gravidade do caso, pode colocar a vida de uma pessoa em risco.

“Na Covid-19 há um fenômeno de hipóxia silenciosa, quando a oxigenação no sangue está baixa e a pessoa não sente falta de ar, isso faz com que retarde a procura ao médico. Se isso acontece num município pequeno e ela demora a conseguir vaga, pode ser tarde. A distância e a inacessibilidade de algumas cidades é uma barreira de acesso ao tratamento”, disse.

O pedagogo Edilson Pinheiro da Silva, morador de Tapauá, cidade do interior do Amazonas, que possui 17 mil habitantes, perdeu dois tios vítimas da Covid-19, Madalena Apurinã, 82, e Júlio Apurinã, 80.

Edilson conta que o caso mais recente foi o do tio, em dezembro deste ano, que é morador de uma aldeia indígena. Com falta de ar e dificuldade para se alimentar, os parentes atravessaram o rio e gastaram 12 horas para chegar ao hospital mais próximo. Já com o quadro bem avançado, Júlio morreu antes de dar entrada no atendimento.

“Foi uma perda muito grande, não esperava. Nossa cidade está passando por uma calamidade pública. É uma doença que está assustando e matando muito”, disse.

Diego Xavier, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, concorda que esse crescimento tem relação com a interiorização e com a falta de estrutura das cidades menores.

Ele acrescenta que o país está na fase de sincronização da doença, quando ela já chegou a todos os municípios e passa a crescer em todas as regiões simultaneamente.

“Quando isso acontece, dependendo da movimentação das pessoas, os casos podem subir muito. Percebemos que com as eleições, final de ano e as férias os casos estão aumentando no interior e na região metropolitana”, disse.

Diego avalia que, no início, os tempos epidêmicos distintos da pandemia trouxeram como efeito indireto a ocupação gradual dos hospitais. Mas, na fase atual, a situação pode se agravar porque o aumento acontece ao mesmo tempo. Isso pode gerar diversos casos sem atendimento, provocando novo colapso do sistema de saúde.

“Na primeira onda tínhamos recurso extra, hospital de campanha, equipe de saúde motivada. Agora, a população não segue recomendação, tem muita gente viajando, e as equipes de saúde estão exaustas. Estamos falando muito sobre a vacina, mas o que temos hoje ainda é o número de casos e mortes aumentando, o ano de 2021 será ainda de enfrentamento à doença”, diz.

O Ministério da Saúde informou, por nota, que a pasta vem fortalecendo a estrutura do SUS com entregas de equipamentos, insumos e recursos para o combate à pandemia. Disse ainda que destinou aos 26 estados e o Distrito Federal R$ 198,1 bilhões, em 2020. Desse total, R$ 133,9 bilhões foram para serviços de rotina do SUS, e os outros R$ 64,2 bilhões para o enfrentamento da Covid-19.

“A pasta vem dando apoio irrestrito aos estados e municípios na aquisição e entrega de ventiladores pulmonares, equipamentos de proteção individual, medicamentos, além da habilitação e prorrogação de leitos de UTI”, disse em nota. ​

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