Descrição de chapéu Coronavírus

Com 5 milhões de profissionais de saúde, país não define quais deles receberão a vacina primeiro

Na ausência de uma diretriz, várias categorias profissionais pedem prioridade; pesquisadores recomendam hierarquização

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São Paulo

Diante da escassez de vacinas contra Covid-19 nesta primeira etapa da imunização que começa nesta segunda (18), pesquisadores e dirigentes de entidades de saúde defendem que os profissionais da área que estão na linha de frente de enfrentamento da pandemia sejam priorizados, a exemplo do que ocorre em países que saíram à frente na vacinação.

O Plano Nacional de Vacinação ainda não definiu, dentre os profissionais da saúde, quais serão os primeiros vacinados.

Na ausência de uma diretriz, estados e municípios têm adotado critérios próprios e aberto espaço para que várias categorias profissionais, dos professores de educação física aos tatuadores, peçam prioridade na fila da vacinação.

Uma análise divulgada nesta segunda (18) pela Rede de Pesquisa Solidária, que reúne mais de cem pesquisadores de instituições como a USP e a da Fiocruz, calcula que no país existam cerca de 5 milhões profissionais da saúde.

Ou seja, serão necessários 10 milhões de doses para a cobertura vacinal de toda a força de trabalho na saúde.

“A meta deve ser a vacinação em massa de todos os profissionais de saúde, mas as doses inicialmente previstas não serão suficientes. Como não há diretriz nem planejamento, algumas categorias se sentem favoritas, querem desde já furar a fila”, diz Mario Scheffer, professor da USP e autor da análise.

Segundo Scheffer, não existem estimativas precisas do número de trabalhadores da saúde no Brasil, pois há inconsistências e incompletudes nas bases de dados disponíveis.

Na análise, ele utilizou quatro fontes de dados para estimar essa população. Se forem contabilizados apenas os vínculos formais (carteira de trabalho assinada), por exemplo, o Brasil tem cerca de 5,6 milhões de pessoas ocupadas em atividades públicas e privadas de atenção à saúde.

No entanto, o pesquisador diz que o número é impreciso porque sobrepõe quem tem mais de um emprego (algo comum na área da saúde) e ao mesmo tempo desconsidera os arranjos de trabalho precários, temporários e autônomos, cada vez mais frequentes nos subsetores público e privado da saúde.

“A vacinação baseada em comprovante de contrato formal de trabalho deixaria de fora parcela significativa dos trabalhadores da saúde”, afirma.

Segundo ele, devem receber a vacina não apenas aqueles que atuam em hospitais com terapia intensiva, atendimentos de urgência e triagem de pacientes, mas também os trabalhadores da atenção primária e ambulatorial, da vigilância em saúde, dos cuidados de longa duração, os que dispensam medicamentos, acompanham pacientes idosos e doentes crônicos.

Também os que trabalham em consultórios médicos, clinicas, laboratórios, serviços de reabilitação, centros de diálise, hemocentros, ambulâncias e unidades móveis, além dos profissionais recrutados para postos ampliados de vacinação.

Há ainda os agentes comunitários, prestadores de atendimento domiciliar, cuidadores de idosos, doulas, parteiras, funcionários e voluntários de organizações não governamentais e de equipamentos de assistência social que assistem doentes e populações vulneráveis à Covid-19.

“É preciso incluir também quem trabalha em atividades administrativas, de recepção, segurança, limpeza, transporte de pacientes e cadáveres, alimentação, lavanderia e outras áreas de apoio aos serviços de saúde.”

Scheffer explica que vários países têm usado a hierarquização de riscos, de acordo com o local e tipo do trabalho, para ajustes de cronogramas e escalas de vacinação de profissionais de saúde.

No Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, foram priorizados trabalhadores da saúde que se encaixam em pelo menos um de três critérios: maior grau de exposição ocupacional, maior risco de transmissão a pacientes ou colegas de trabalho e nível de risco individual para desenvolver a Covid-19 com gravidade.

A imunização tem sido dirigida primeiramente a todos os profissionais que trabalham regularmente em ambientes de alto risco de infecção, como hospitais, serviços de urgência e emergência, maternidades, enfermarias e unidades de terapia intensiva para Covid-19.

Há também recomendações de preferência para o trabalhador da saúde que tem idade avançada ou é portador de doença preexistente. Tendem a ser prioritários ainda os profissionais que têm maior risco de infectar indivíduos suscetíveis, por trabalharem em serviços que atendem idosos e pacientes com comorbidades que impactam no agravamento da Covid-19.

Segundo Suzana Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a prioridade deve ser de quem está de fato na linha de frente de toda a jornada do paciente com Covid-19.

“Isso envolve quem atende nas unidades básicas de saúde, quem transporta esse paciente para o hospital, o motorista, o enfermeiro, o técnico. E, nas emergências, todo o pessoal que atende, inclusive quem faz o transporte e a limpeza, além de todos os profissionais das enfermarias e das UTIs de Covid.”

Para ela, não faz sentido que pessoas que não estejam trabalhando diretamente com pacientes Covid, como médicos que fazem apenas teleatendimento, recebam a vacina antes de quem esteja lidando todos os dias com pacientes infectados.

A Amib elabora uma nota sobre a escassez de vacinas e a priorização de grupos de profissionais na linha de frente, que será enviada às autoridades de saúde.

“Nos preocupa muito essa falta de definição de como vai ocorrer essa vacinação dos profissionais de saúde. Existem poucas doses, somos muito, vamos precisar de duas doses, com intervalos de 21 dias”, diz a enfermeira Renata Pietro, embaixadora da Federação Mundial de Enfermagem em Cuidados Críticos.

Ela conta que tem recebido inúmeras mensagens de alunos da enfermagem que estão fazendo estágios em serviços de saúde e de profissionais que atuam em casa de famílias (home care). “Todos querem saber se serão vacinados. Precisamos de um plano efetivo para entender como isso tudo vai funcionar."

No Brasil, o Conselho Federal de Enfermagem registrou 500 mortes ocupacionais por Covid-19 de enfermeiras, técnicos e auxiliares de enfermagem, sendo 30 óbitos em janeiro de 2021. Ainda não há dados oficiais sobre mortes entre todos os profissionais de saúde.

Para César Eduardo Fernandes, presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), seria importante que houvesse uma categorização de profissionais para os que estão na linha de frente da pandemia sejam os primeiros beneficiados. “Aqueles que estão afastados poderiam vir numa segunda ou terceira leva. Tem que ser melhor hierarquizados. Se isso não for feito, vai ter briga na fila”, diz ele.

Segundo a análise de Scheffer, estudos mostram que quem atua na linha de frente do tratamento apresenta risco de três a quatros vezes maior de teste positivo para Covid-19 do que a população em geral.

Além de infecções e mortes é alta prevalência de estresse, ansiedade e depressão entre aqueles que assistem pacientes com a doença.

Ele lembra também que, além do número de profissionais, no planejamento da vacinação é imprescindível definir a sua localização. Três estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) concentram, juntos, 51% dos médicos, 50% dos dentistas e 44% dos enfermeiros do país.

“As campanhas de vacinação e a logística de distribuição dos insumos devem considerar as características definidoras do perfil e da oferta da força de trabalho em saúde no país.

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