Como a variante do coronavírus se espalha? Veja o que os cientistas já sabem

Maior capacidade de contágio é traço principal do vírus mutante detectado em mais de dez países

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The New York Times

Uma forma mais contagiosa do coronavírus começou a circular nos EUA. No Reino Unido, onde ela foi identificada primeiramente, a nova variante se tornou a forma predominante do vírus em apenas três meses, acelerando o surto no país e enchendo seus hospitais.

Poderá fazer o mesmo nos EUA, exacerbando o aumento das mortes e superlotando o sistema de saúde já sob estresse, advertiram especialistas.

Uma variante que se espalha com maior facilidade também significa que as pessoas deverão respeitar religiosamente precauções como o distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos e a maior ventilação de ambientes –notícias pouco apreciadas por muitos americanos que já reclamam das restrições.

"A conclusão é que qualquer coisa que fizermos para reduzir a transmissão reduzirá a transmissão de qualquer variante, inclusive desta", disse Angela Rasmussen, virologista afiliada à Universidade de Georgetown. Mas "pode significar que medidas mais dirigidas, diferentes de um lockdown total, não sejam tão eficazes".

O que significa que essa variante seja mais transmissível? O que a torna mais contagiosa que as versões anteriores do vírus? E por que devemos nos preocupar com uma variante que se espalha mais facilmente, mas não parece deixar as pessoas mais doentes?

Pedimos a especialistas para avaliarem a pesquisa em evolução dessa nova versão do coronavírus.

A nova variante parece se espalhar mais facilmente entre as pessoas

Muitas variantes do coronavírus surgiram desde o início da pandemia. Mas todas as evidências até agora sugerem que a nova mutante, chamada B117, é mais transmissível que as formas anteriores. Ela surgiu em setembro no Reino Unido, mas já responde por mais de 60% dos novos casos em Londres e arredores.

A nova variante parece infectar mais pessoas que as versões anteriores do coronavírus, mesmo quando os ambientes são iguais. Não está claro o que lhe dá essa vantagem, embora haja indícios de que ela possa infectar as células com maior eficácia.

Também é difícil dizer exatamente quão mais transmissível pode ser a nova variante, porque os cientistas ainda não fizeram os necessários experimentos em laboratório. A maioria das conclusões foi tirada de observações epidemiológicas, e "há tantos vieses possíveis em todos os dados disponíveis", advertiu Muge Cevik, especialista em doenças infecciosas para o governo britânico.

Os cientistas calcularam inicialmente que a nova variante fosse 70% mais transmissível, mas um estudo de modelagem recente calculou esse número em 56%. Quando os pesquisadores vasculharem todos os dados, é possível que a variante seja apenas 10% ou 20% mais transmissível, disse Trevor Bedford, biólogo evolucionário no Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle.

Mesmo assim, Bedford disse que é provável que ela pegue rapidamente e se torne a forma dominante nos EUA até março. Cientistas como Bedford estão acompanhando todas as variantes conhecidas de perto para detectar futuras mudanças que possam alterar seu comportamento.

Com exceção da maior transmissibilidade, a variante se comporta do mesmo modo que as versões anteriores

O novo vírus mutante pode se espalhar com maior facilidade, mas em outros aspectos parece diferir pouco dos antecessores.

Até agora, pelo menos, a variante não parece tornar as pessoas mais doentes ou causar mais mortes. Mas há motivos de preocupação: uma variante que seja mais transmissível aumentará o número de mortes simplesmente porque se espalhará mais depressa e infectará mais pessoas.

"Nesse sentido, é apenas um jogo de números", disse Rasmussen. O efeito será ampliado "em lugares como os EUA e o Reino Unido, onde o sistema de saúde está realmente em ponto de ruptura".

As rotas da transmissão –em gotículas grandes e pequenas e minúsculas partículas de aerossol que pairam no ar em espaços fechados– não mudaram. Isso significa que máscaras, tempo limitado com outras pessoas e melhor ventilação em espaços fechados ajudarão a conter a disseminação da variante.

"Ao minimizar sua exposição a qualquer vírus, você reduzirá seu risco de ser infectado, e isso vai reduzir a transmissão em geral", disse Rasmussen.

A infecção com a nova variante pode aumentar a quantidade de vírus no corpo

Algumas evidências preliminares do Reino Unido sugerem que as pessoas infectadas com a nova variante tendem a possuir quantidades maiores do vírus em seus narizes e gargantas do que as infectadas com versões anteriores.

"Estamos falando num escopo entre 10 vezes e 10 mil vezes maior", disse Michael Kidd, virologista clínico na Public Health England e assessor clínico do governo britânico, que estudou o fenômeno.

Há outras explicações para a descoberta – Kidd e seus colegas não tiveram acesso a informações sobre em que estágio da doença as pessoas foram testadas, por exemplo, o que poderia afetar a chamada carga viral.

Mas a descoberta oferece uma explicação possível sobre por que a nova variante se espalha com maior facilidade. Quanto mais vírus que infectam as pessoas estiverem em seus narizes e gargantas, mais elas os expelirão no ar e sobre superfícies ao respirar, falar, cantar, tossir ou espirrar.

Em consequência, as situações que expõem as pessoas ao vírus encerram uma probabilidade maior de semear novas infecções.

Alguns novos dados indicam que as pessoas infectadas com a nova variante espalham o vírus para um número maior de seus contatos.

Com as versões anteriores do vírus, o rastreamento de contatos sugeria que cerca de 10% das pessoas que têm contato próximo com uma pessoa infectada –a 1,80 metro durante pelo menos 15 minutos– inalam vírus suficientes para ser infectadas.

"Com a variante, podemos esperar 15% delas", disse Bedford. "Atualmente as atividades de risco se tornam mais arriscadas."

Os cientistas estão aprendendo como as mutações modificaram o vírus

A variante tem 23 mutações, comparada com a versão que surgiu em Wuhan, na China, há um ano. Mas 17 delas apareceram de repente, depois que o vírus divergiu de seu ancestral mais recente.

Cada pessoa infectada é uma tubo de ensaio, oferecendo oportunidades para o vírus se modificar enquanto se multiplica. Com mais de 83 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, o coronavírus está reunindo mutações mais depressa do que os cientistas esperavam no início da pandemia.

A vasta maioria das mutações não oferece vantagem para o vírus e morre. Mas as mutações que melhoram a capacidade do vírus ou sua transmissibilidade têm maior chance de pegar.

Pelo menos uma das 17 novas mutações na variante contribui para sua maior capacidade de contágio. O mecanismo ainda não é conhecido. Alguns dados sugerem que a nova variante pode se ligar mais firmemente a uma proteína na superfície das células humanas, permitindo que ela as infecte mais rapidamente.

É possível que a variante floresça no nariz e na garganta da pessoa infectada, mas não nos pulmões, por exemplo –o que talvez explique por que pacientes a espalham mais facilmente, mas não desenvolvem uma doença mais grave que as causadas pelas versões anteriores do vírus. Alguns vírus influenza se comportam de modo semelhante, comentaram os especialistas.

"Precisamos examinar essa evidência como preliminar e em acumulação", disse Cevik sobre os dados crescentes sobre a nova variante.

Mas a pesquisa feita até agora sugere uma necessidade urgente de reduzir a transmissão da variante, acrescentou. "Precisamos ser muito mais cuidadosos em geral e examinar as brechas em nossas medidas de mitigação."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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