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Para atender demanda da Covid por oxigênio, White Martins vai mudar suprimento para pacientes em SP

Novo equipamento substituirá cilindros por concentradores de oxigênio, o que elevará a conta de luz em uso domiciliar

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São Paulo

A empresa White Martins solicitou à Prefeitura de São Paulo permissão para trocar os cilindros de oxigênio domiciliares —utilizados por pacientes com dificuldades respiratórias— por concentradores ou reservatórios com oxigênio líquido, a fim de aliviar a demanda pelo gás, que tem sido usado em unidades de saúde no tratamento de pacientes de Covid-19.

A mudança, que já foi proposta a alguns pacientes, pode gerar custo às famílias, no caso do uso domiciliar dos concentradores, pois esses equipamentos consomem muita energia elétrica.

A versão líquida do gás possui limitação de instalação, já que a fonte usada na recarga dos cilindros não pode ser entregue em residências com degraus e escadas, para evitar que o recipiente –que armazena o oxigênio a 180ºC negativos– sofra vazamentos.

A Folha teve acesso a documento enviado no último dia 19 pela White Martins às coordenadorias regionais de saúde Sul e Sudeste da capital, com quem tem contrato para fornecimento de oxigênio a cerca de 3.000 pacientes do Programa de Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada (ODP).

Nele, a empresa afirma que “surpreendida por óbices, restrições e impactos imprevistos, provocados pelo estado de calamidade pública decorrente da 2ª onda de Covid-19” terá dificuldade em entregar cilindros de oxigênio aos doentes atendidos pela prefeitura.

Assim, a White Martins pede às coordenadorias que, enquanto durar a pandemia, possa utilizar concentradores ou oxigênio líquido no lugar dos cilindros de oxigênio para os novos pacientes admitidos no programa, sem cobrança de gastos extras sobre esses aparelhos.

A empresa ainda reforça a dificuldade em cumprir o contrato ao afirmar que foi obrigada pelo Ministério da Saúde “a apresentar vultoso estoque de cilindros para auxiliar no atendimento da gravíssima crise sanitária que assola o território nacional”, como diz trecho do documento.

A White Martins está no centro da crise do oxigênio em Manaus (AM), onde no início do ano pacientes morreram por falta do gás em unidades hospitalares. A empresa afirma que houve uma explosão na demanda, que aumentou cinco vezes na região, e que chegou a comunicar o governo federal a respeito do risco de colapso pela falta do produto.

No documento enviado às coordenadorias de saúde, a White Martins ainda afirma que essa será uma medida alternativa, quando for “estritamente necessário”, e que não deixará de atender os pacientes que fazem uso de cilindros.

Profissionais da rede municipal afirmam, no entanto, que desde o último dia 20 já foram comunicados a respeito da necessidade da troca dos equipamentos e orientados a entrar em contato com os pacientes para verificar quais podem receber concentradores ou oxigênio líquido.

Rosa Maria Fontes Lopes, interlocutora do Programa de Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada (ODP) da Coordenadoria Regional Sul, afirma que desde a última semana estão em contato com os pacientes para verificar quais podem e querem fazer a troca do equipamento.

“Sempre aviso aos pacientes sobre o gasto de energia dos concentradores, mas tem a parte boa que é não precisar pedir a troca dos cilindros. Alguns acham melhor e outros não querem. Mas a vontade do paciente é o que está prevalecendo na troca”, afirma.

O ODP da Prefeitura de São Paulo atende pacientes que necessitam de suplementação contínua de oxigênio em razão de doenças como DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), câncer, apneia do sono, entre outras.

Após laudo solicitando o tratamento e avaliação da residência pela empresa contratada para o fornecimento dos equipamentos, é definida a fonte de oxigênio mais adequada.

No caso do oxigênio em gás, o mais utilizado, os pacientes recebem em casa os cilindros, além de insumos como catéter e máscara, em número compatível com a necessidade de uso.

Quando o oxigênio dos cilindros está acabando, a família ou o cuidador do doente entra em contato com a empresa e pede a troca dos reservatórios vazios por outros cheios. A entrega é feita em até 24 horas após o aviso.

O oxigênio líquido também exige recarga da fonte que faz o resfriamento do gás, mas costuma pedir menos idas da empresa à residência do doente, pois nessa forma o produto ocupa menos espaço, aumentando a capacidade de armazenamento.

Já os concentradores de ar não precisam de recarga, pois são equipamentos que retiram o oxigênio do ar disponível no ambiente. O gás é separado, passa por filtros e fica acondicionado em reservatório, para ser usado pelo paciente. Só que tudo isso consome muita energia elétrica.

A preocupação com o consumo de energia consta até do manual de Diretrizes de Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada, feito pela Secretaria Municipal da Saúde.

“Ao se indicar o concentrador de oxigênio deve-se levar em consideração o aumento do consumo de energia elétrica e as condições das instalações elétricas do domicílio. Caso a condição econômica do paciente/familiar se enquadre na lei federal de isenção tarifária de energia (renda familiar menor que três salários mínimos), a família deverá se inscrever no CadÚnico (com o auxílio da assistente social) antes de o concentrador ser prescrito”, afirma trecho do manual.

Diante do possível aumento de gastos das famílias, assistentes sociais da prefeitura também foram incumbidas de auxiliar quem receberá os concentradores e a solicitar junto à concessionária de energia desconto ou isenção na tarifa de energia elétrica no caso dos mais vulneráveis, bem como avisar a empresa de que a residência tem paciente que depende de aparelhos, para evitar possíveis desligamentos da rede.

Na coordenadoria Sudeste, a troca vai começar pelos pacientes que fazem uso intermitente de oxigênio, menos de 15 horas por dia. Segundo funcionários, a maioria deve receber concentradores, pois moram em residências inadequadas para a instalação do oxigênio líquido.

A Folha falou com familiares de dois pacientes dessa região que usam cilindros de gás. Sob condição de anonimato, pois temem perder a vaga no programa da prefeitura, eles relatam que não têm condições de ter mais esse gasto.

Um deles, que sofre de DPOC, afirmou que chegou a usar concentrador quando entrou para o programa, há dois anos, mas logo no primeiro mês a conta de energia dobrou.

Além disso, ambos afirmam que o cilindro permite o deslocamento por vários cômodos da casa. Já o concentrador vai limitar o uso somente a áreas com pontos de energia, para ligar o equipamento.

Para quem usa o concentrador, a empresa também disponibiliza um cilindro de gás reserva, para o caso de faltar energia.

Trabalhando há cerca de 15 anos na prefeitura com pacientes que precisam de oxigenoterapia, Rosa Maria afirma que é muito difícil conseguir desconto junto à concessionária de energia. “Só quando a pessoa se enquadra nos requisitos da tarifa social”, diz.

Para Maria Vera Castellano, pneumologista coordenadora da Comissão Científica de Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, as três formas de suplementação de oxigênio são equivalentes, mas precisa ser avaliada a mais adequada para cada paciente.

“Os concentradores costumam demandar um fluxo maior de oxigênio do que os cilindros. Assim, um médico deve fazer uma nova prescrição em caso de troca de equipamento”, alerta.

A médica ainda chama atenção para o possível aumento de pacientes que necessitem do serviço de oxigenoterapia, em razão das sequelas de Covid-19.

RESPOSTA

A Prefeitura de São Paulo informou, por meio de nota, que os pacientes do Programa de Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada (ODP) não serão afetados pela mudança solicitada pela White Martins em função da pandemia e que “os casos estão sendo analisados um a um” e os “tratamentos seguem em acordo com a recomendação médica”.

“Diante do impacto que a pandemia tem causado no fornecimento de cilindros de oxigênio para serviços de saúde, observado principalmente na região Norte do país, e a manifestação da empresa, que poderia ter dificuldades na entrega e implementação com cilindros de O² gasoso, aceitamos a interrupção temporária das implantações com oxigênio gasoso como fonte principal para novos usuários do programa de ODP --o que não causaria danos ao tratamento previsto”, diz trecho da nota.

A Secretaria Municipal da Saúde ainda esclarece que dos 1.644 pacientes atendidos pela coordenadoria Sudeste, 27% já são atendidos por concentradores de oxigênio. Já na coordenadoria Sul atende 1.211 pacientes.

A pasta afirma que as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e as interlocuções do programa acompanham cada caso e fazem “intervenções junto à empresa sempre que acontecerem dificuldades de adaptação do usuário à fonte implantada” para que os pacientes não fiquem desassistidos.

“Em relação à tarifa social, os usuários e familiares podem ser orientados pelos técnicos nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)”, afirma trecho da nota.

As coordenadorias Leste, Oeste, Norte e Centro, segundo a secretaria, têm como fornecedora de oxigênio para o programa ODP a empresa Air Liquide, que não solicitou nenhuma alteração de equipamentos até o momento.

Já a White Martins afirmou que a mudança da fonte de suprimento de gás só será feita quando for estritamente necessário, “levando em consideração o fluxo de gás estabelecido em prescrição médica, as instalações elétricas da residência do paciente e mediante a solicitação da prefeitura”.

A empresa também informou que a demanda de oxigênio medicinal se mantém estável na capital, mas teve um aumento de 15% no estado desde dezembro. “Tanto a cidade quanto o estado de São Paulo contam com a infraestrutura necessária para garantia de fornecimento aos pacientes deste programa no atual cenário de demanda”, diz trecho da resposta enviada à Folha.

O QUE É A OXIGENOTERAPIA DOMICILIAR

A oxigenoterapia domiciliar é usada por pacientes que precisam de uma suplementação do gás para manter um nível de oxigênio no sangue acima de 90%, dependendo da doença. Para isso, ele pode fazer uso das seguintes fontes de suprimento.

Oxigênio em gás – São cilindros com oxigênio em gás comprimido. Pesam cerca de 70 kg, mas há opções menores, quando o usuário necessita se deslocar. Possuem válvulas reguladoras de pressão e do fluxo de oxigênio fornecido. Os reservatórios vazios precisam ser trocados por cheios com frequência. Só empresas especializadas podem fazer a recarga.

Oxigênio líquido – O oxigênio líquido é produzido pelo resfriamento do gás a -180º C. Nessa condição, o oxigênio ocupa menos espaço e fica mais leve. A transformação é feita em uma fonte, que fica na casa do paciente. Para utilizar, o doente ou cuidador deve fazer a recarga de cilindros menores a partir do produto feito na fonte. Quem faz o manuseio dos cilindros precisa ter condições de seguir as instruções dadas pelos profissionais de saúde e a empresa fornecedora para sua correta utilização. Esse método requer recarga pela empresa especializada, mas em menor quantidade que os cilindros de gás.

Concentrador de oxigênio – É um equipamento que retira o oxigênio do ar disponível no ambiente, por isso não precisa de recarga. O oxigênio passa por filtros e é comprimido, ficando à disposição para uso do paciente. Faz uso de energia elétrica para funcionar.

Fontes: Maria Vera Castellano, pneumologista coordenadora da Comissão Científica de Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, e manual de Diretrizes de Oxigenoterapia Domiciliar Prolongada, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo

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