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Poluição volta a 'velho normal' em SP após melhora inicial com quarentena

Diminuição do isolamento aumentou CO e NOx na atmosfera, mostram dados da Cetesb

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Avenida 23 de Maio, em São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

“A natureza está se recuperando”, foi a frase repetida no mundo inteiro quando boa parte do planeta se recolheu em casa, no começo do ano passado, para tentar conter a pandemia da Covid-19. Com seres humanos trancados da porta para dentro, animais reapareceram perto de cidades e paisagens antes encobertas pela poluição voltaram a ficar visíveis.

Mas, com a retomada das atividades e o relaxamento da quarentena, isso não durou muito.

Dados inéditos da Cetesb (Companhia Ambiental de SP) mostram que a qualidade do ar da Grande São Paulo melhorou a partir do fim de março, no começo da quarentena, quando a circulação de veículos caiu drasticamente.

Ao longo do ano, porém, o “novo normal” se mostrou muito parecido com o “velho normal”, e a retomada da circulação fez os níveis de poluição voltarem a subir..

A Cetesb, que monitora a qualidade do ar no estado, analisou a concentração de poluentes emitidos por veículos automotores: o monóxido de carbono (CO), os óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado inalável (poluentes que se mantêm suspensos na atmosfera por seu tamanho pequeno).

Os dados indicam que as concentrações de monóxido de carbono chegaram a cair mais de 45% no fim de março, quando a quarentena começou, em relação ao mesmo período do ano anterior. O mesmo ocorreu com os óxidos de nitrogênio, que tiveram queda acima dos 50% no começo das medidas de distanciamento social.

Já no fim do primeiro semestre, com a autorização do governo João Doria (PSDB) de retomada parcial das atividades econômicas, essa diferença começa a cair. No segundo semestre, em diversos períodos a concentração desses poluentes ficou maior em 2020 do que em 2019.

As partículas inaláveis variaram menos, segundo a Cetesb, porque elas também são emitidas por outras atividades que não pararam, como construção e indústria.

A análise foi feita com dados de estações de monitoramento em lugares com grande circulação de carros: na marginal Tietê (ponte dos Remédios), próximo ao aeroporto de Congonhas, na avenida Dr. Arnaldo e em Osasco (na av. dos Autonomistas).

Além do menor número de veículos em circulação, a Cetesb credita a menor emissão de poluentes às condições mais livres do trânsito, sem carros parados em engarrafamentos.

O órgão, porém, faz uma ressalva: as concentrações atmosféricas dos poluentes também são fortemente influenciadas pelas condições meteorológicas —períodos com menos chuva, por exemplo, concentram mais poluição no ar.

A diretora-presidente da Cetesb, Patrícia Iglecias, explica que é direta a ligação entre a quantidade de veículos em circulação e o patamar de poluição. Políticas públicas de controle da qualidade do ar e obrigatoriedade de atualização tecnológica de carros novos, porém, diminuíram esse problema ao longo dos anos.

“Se tivéssemos as mesmas condições que tínhamos nos anos 1990, veríamos a cidade como Pequim, cinza”, resume.

“Os dados servem de alerta para que as pessoas entendam que isso é uma coisa macro. É preciso tirar lições desse período. Podemos instituir permanentemente o teletrabalho, para quem pode, implementar horários diferentes de expediente, para evitar picos com maior concentração de veículos, e repensar os próprios deslocamentos, como a necessidade de pegar um carro até para ir à padaria”, afirma.

Nascida e criada na capital, Natalia Santos, 27, que tem bronquite, rinite e sinusite, aprendeu a conviver com a poluição da cidade, mas percebeu a diferença mesmo quando se mudou para Marília, no interior de SP, onde fez faculdade.

“Percebi que minha respiração ficava muito melhor. Não tive crise nenhuma, respirava tranquila”, diz ela.

A mudança era clara quando voltava para São Paulo para ver a família. “Era eu chegar no terminal rodoviário da Barra Funda, região central, passar pelas marginais, que minha rinite e minha sinusite atacavam. Eu ficava com o nariz totalmente fechado”, diz.

Uma pesquisa do Instituto Clima e Sociedade feita com 2.000 pessoas em todo o Brasil dias antes da quarentena apontou que o Sudeste é a região onde os entrevistados mais veem a qualidade do ar como ruim (33% a consideram ruim ou péssima).

Além disso, 42% deles reconheceram que o carro é o maior contribuinte para a poluição, e 67% disse estar disposto a abrir mão do transporte individual por um meio mais limpo.

Quando questionados sobre ônibus elétricos, 92% disseram ser favoráveis a um aumento da frota desses veículos.

É essa uma das saídas, em um prazo mais curto, para reduzir a poluição provocada pelos veículos, afirma Marcel Martins, responsável pela pesquisa. São Paulo tem hoje 1,5% da frota eletrificada, e prevê que toda os coletivos do município sejam movidos a energia limpa até 2038.

Além disso, diz Martins, é preciso investir em infraestrutura de corredores de ônibus, para torná-los mais eficientes e atrativos, e, principalmente, em transporte sobre trilhos, que têm emissão zero e alta capacidade para levar passageiros.

Cristina Albuquerque, gerente de Mobilidade Urbana do WRI Brasil, explica que cada tipo de veículo automotor tem um padrão diferente de emissão de poluente atmosférico.

Veículos movidos a diesel, como caminhões e ônibus, emitem óxidos de nitrogênio e material particulado por combustão. Veículos movidos a gasolina e etanol, diz ela, emitem mais monóxido de carbono. E todos os veículos a combustão emitem dióxido de carbono, principal causa das mudanças climáticas, afirma.

“A mobilidade urbana tem papel fundamental para tornar nossas cidades mais saudáveis. O transporte rodoviário movido a combustíveis fósseis ainda é o principal meio de deslocamento urbano, responsável por cerca de 63% dos deslocamentos em cidades com mais de 1 milhão de habitantes”, diz ela.

“Esses caminhos já são conhecidos há muito tempo e será preciso coragem dos gestores públicos para colocar isso em prática. A crise atual do transporte coletivo, que se agravou com a queda de demanda durante a pandemia, torna ainda mais urgente agir nesse sentido”, afirma.

Capitais em outros países do mundo têm iniciativas para restringir o número de carros para conter a poluição. É o caso dos Eixos Ambientais de Santiago, no Chile, avenidas que, em épocas de emergência, permitem a circulação apenas de transporte público nos horários de pico.

Londres também cobra pedágio no centro da cidade para desincentivar o uso de carro e combater a poluição, não só em horários de pico, mas 24 horas por dia, em todos os dias do ano. É a chamada “zona de emissão ultra baixa”.

Medidas como essas podem ser eficientes, afirma Albuquerque, mas há passos anteriores que o país precisa tomar, como implementar a política nacional de controle da poluição do ar e penalizar cidades que não cumprem a legislação.

“Apenas algumas capitais brasileiras monitoram a qualidade do ar. Se não sabemos o que estamos respirando, não há como agir.”

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