Os ensaios clínicos são a última de três etapas para o desenvolvimento de uma vacina. É nesse momento que o imunizante é aplicado em seres humanos a fim de verificar sua eficácia e segurança.
Para que esses ensaios aconteçam, milhares de pessoas precisam se voluntariar. Mas quem são esses voluntários e por que eles decidiram participar dos testes?
Abaixo, conheça alguns voluntários no Rio de Janeiro.
Giullia Bortolini de Lucena, 30
A médica residente em oncologia no Instituto Nacional do Câncer conta que descobriu sobre o ensaio clínico em um grupo do WhatsApp que mantém com outros colegas de profissão. Na ocasião, eles estavam falando sobre a vacina de Oxford, desenvolvida pela universidade britânica em parceria com o laboratório AstraZeneca, que estava sendo testada em uma das unidades do Instituto d’Or, no Rio de Janeiro.
A maior motivação de Giullia para participar do estudo foi a vontade de ajudar. Para fazer parte da fase de testes, a voluntária teve que assinar um termo de consentimento e participar da primeira entrevista, onde diversos exames foram solicitados.
Com os resultados em ordem, a médica passou para a segunda etapa, onde ela recebeu a aplicação da dose –a médica não sabe se tomou a vacina ou placebo (formulação sem efeito farmacológico).
”Durante um mês, a gente teve que preencher um questionário diário pelo computador mesmo, com perguntas relacionadas a sintomas, se teve febre, se o local onde aplicou a vacina está dolorido, se ficou enjoada ou se vomitou”, relata.
Giullia tomou a primeira dose em julho e a segunda, em setembro. Ela conta que, após as aplicações, ela continua indo até o Instituto para colher exames periódicos e avaliar a duração da imunidade de quem recebeu a vacina.
Valter da Silva Valente Filho, 77
O economista aposentado foi informado do ensaio clínico por sua cunhada, que trabalha no Hospital dos Servidores.
Valter entrou para o estudo da vacina desenvolvida pela Johnson & Johnson. Segundo ele, seria uma oportunidade de contribuir com o estudo e, caso estivesse no grupo da vacina e não do placebo, ele poderia ser imunizado no processo.
“Em momento algum me passou o medo, sabe? Achei que era uma oportunidade de dar a minha pequena participação para chegarmos na única solução para esse problema, que é a vacina”, ressalta.
O aposentado tomou a sua primeira dose no dia 19 de novembro e a segunda, no dia 17 de dezembro.
Duas vezes na semana, Valter deve entrar em contato com a equipe para atualizá-los sobre seu estado e informar se ele desenvolveu algum sintoma de Covid.
Agora resta para o economista aguardar os resultados do estudo e descobrir se, de fato, ele recebeu a vacina.
Fernanda Carvalho de Almeida, 35
A enfermeira participa do programa de residência em enfermagem na Clínica da Família Armando Palhares e, por isso, tem contato direto com pacientes com possível quadro de Covid-19 –algo que a preocupa desde o começo da pandemia.
Os cuidados em casa tiveram que ser redobrados, ainda mais por causa do seu filho de cinco anos. “Eu tive que conversar com ele e explicar que ele não poderia me abraçar quando eu chegasse em casa; ele teria que ficar no lugar onde ele estava, eu iria tirar minha roupa, tomar banho e só depois que eu tomasse banho, lavasse o cabelo e escovasse os dentes, ele poderia vir falar comigo”, relembra.
Segundo Fernanda, a Fiocruz e o Instituto Butantan já realizavam estudos na clínica em que ela trabalha e, por meio de uma pesquisadora, ela foi informada dos testes para a vacina Coronavac. No começo, a enfermeira ficou com receio, mas ao saber os detalhes do estudo, foi ganhando mais confiança.
Fernanda tomou a primeira dose em agosto. Ela diz que a equipe do estudo foi muito solícita, sempre perguntando se ela tinha alguma dúvida, explicando os exames que ela precisaria fazer e avisando que poderia haver desistência a qualquer momento. A segunda dose veio 14 dias depois; o acompanhamento termina ao final de 15 meses. Na próxima consulta, a enfermeira vai descobrir se, de fato, tomou a vacina ou se recebeu placebo.
“Se eu tiver recebido placebo, eles garantem que eu tenho prioridade para a vacinação assim que a Anvisa liberar."
Marcus Grass, 50
Atuando como cirurgião vascular no Rio de Janeiro, Marcus não parou de trabalhar durante a pandemia. No começo, o sentimento predominante era de medo, tanto de contaminar a sua família quanto de adoecer e não poder prover o necessário para eles. O médico, inclusive, viu conhecidos perderem a vida para a Covid-19.
Marcus ficou sabendo do programa de voluntários no hospital em que trabalha, o Copa d’Or. Ele então decidiu fazer parte dos testes da vacina de Oxford.
Ele diz não ter tido medo de participar. “Eu, sinceramente, pensei como médico e julguei que o risco era baixíssimo. Também fui levado por duas razões: tanto contribuir para a viabilidade do estudo da maneira mais rápida, como que eu poderia ser sorteado já com a vacina”, diz.
A aplicação foi feita em duas doses. Antes, o médico teve que passar por uma série de exames. Após o reforço, Marcus continua fazendo acompanhamento periódico (presencial e por telefone) até o fim do estudo.
“A coisa funciona muito bem. Eventualmente, a gente recebe um WhatsApp com o link para responder sobre o estado de saúde, se você teve febre, se teve dor”, diz.
Cristiano Guedes Duque, 43
O médico oncologista soube do programa por sua esposa, que também é médica.
Um dos motivos para que Cristiano aceitasse fazer parte do estudo era que ele sempre convidava pacientes para participar de pesquisas na área médica. Agora era a vez de ele ser o paciente.
“A pesquisa era aberta inicialmente só para profissionais de saúde, então era algo que a gente tinha que fazer também por uma vacina, por uma pesquisa que tinha que ter o resultado logo”, lembra.
Em julho, Cristiano tomou a primeira dose da vacina de Oxford, testada pelo Instituto d’Or. Em agosto, a segunda.
“Confesso que não tive medo. Foi mais o outro lado, de ser um pouco o paciente, de ter que preencher tudo, de ter que fazer todas as avaliações antes da pesquisa”, diz.
Já da Covid o oncologista admite ter medo sim. E fazer parte do estudo pode tê-lo ajudado a se proteger, uma vez que ele teve 50% de chances de ter recebido a vacina e não o placebo.
O ensaio com voluntários faz parte de uma iniciativa do projeto Equipe Halo, desenvolvido pela ONU (Organização das Nações Unidas). A ação reúne cientistas do mundo inteiro com atuação em pesquisas voltadas à Covid-19, que aceitaram o desafio de tornar a comunicação mais clara com o público.
Para isso, os cientistas mostram a rotina de trabalho, desmentem notícias falsas e tiram dúvidas dos internautas por meio das redes sociais, principalmente, pelo TikTok.
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