OSWALDO SANCHEZ, 88, marceneiro, e MARIA DO C. SANCHEZ, 82, professora, São Paulo (SP)

Como tantas histórias, essa começa em uma pracinha do interior. Como poucas, termina com os dois morrendo praticamente juntos, 60 anos depois. Maria do Carmo era séria, forte, centrada. Perdeu a mãe muito nova e, como irmã mais velha, precisou arcar com a criação dos irmãos. Conseguiu completar os estudos e formar-se professora.

Oswaldo era o contrário: festeiro, descontraído e brincalhão. Cresceu entre as rodas de música que seus pais espanhóis, trabalhadores de plantações de café, organizavam. Estudou apenas até a quarta série, mas aprendeu sozinho a tocar violino.

O casal deixa seis filhos e oito netos. Os sapatos eram os favoritos deles.

TATIANE DA SILVA NETTO, 34, advogada, e ROSALITA DA SILVA NETTO, 60, professora, Duque de Caxias (RJ)

A Covid-19 devastou a família Silva Netto, de Duque de Caxias (RJ). A assistente social Thamires, 29, enterrou três tios, a mãe e a irmã mais velha, vítimas do vírus. O pai também adoeceu, mas foi curado no hospital.

Mãe e filha trabalhavam na prefeitura da cidade. Rosalita era chefe de gabinete na Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos. Advogada tributarista, Tatiane fazia assessoria jurídica na Secretaria de Educação.

Tatiane tinha também um lado artístico: era cantora, compositora e montou uma loja de produtos personalizados na internet, onde vendia varinhas dos personagens da saga Harry Potter. Risonha e brincalhona, era ela quem dava os apelidos de todos da família.

Em entrevista ao G1, Thamires disse que as três eram muito unidas. Costumavam trocar mensagens num grupo só delas no WhatsApp.

MARLI BALDO, 80, dona-de-casa, e PAULO BALDO, 86, autônomo, Ribeirão Preto (SP)

Paulo e Marli Baldo se conheceram muito novos em Jaborandi, no norte do estado de São Paulo. Casaram-se e mudaram para Ribeirão Preto em busca de oportunidades de trabalho.

Paulo gostava de futebol e acompanhava os campeonatos pela televisão, mesmo com o avanço do Mal de Alzheimer. Marli era famosa pelos bolos que fazia, principalmente o de abacaxi com coco.

Desde o início da pandemia, ficaram isolados e só saíram para consultas médicas.

Foram casados por 63 anos e tiveram quatro filhas. Perderam Solange, a caçula, de câncer de mama em 2011. Os dois morreram no mesmo dia. Marli morreu quatro horas depois de Paulo. Deixam seis netos e dois bisnetos.

Os sapatos são os pares que mais usavam ultimamente.

ZENAIDE BARBOSA DE OLIVEIRA, 84, dona-de-casa, Franca (SP) e MATEUS BARBOSA DE OLIVEIRA, 45, professor, Franca (SP)

Zenaide não gostava de ficar em casa. Não via a hora de poder arredar os pés. Tinha energia de sobra para passear e ir à roça reencontrar suas origens. Bastava entrar no carro e já ficava alegre. Não se deixou abalar nem no dia em que foi para o hospital com falta de ar.

Quando estava prestes a ser internada, um de seus filhos pediu para tirar uma foto: Zenaide manteve o sorriso. Era assim que gostaria de ser lembrada. Zenaide morreu sete horas antes do filho caçula, Mateus, também em decorrência de complicações da Covid-19.

Professor de português, Mateus fundou uma escola de idiomas com a esposa, com quem se casou aos 17 anos. Além da educação, Mateus dava valor às artes. Foi sócio-fundador do Instituto Arte e Vida, que oferecia aulas gratuitas de teatro para 120 crianças em Franca (SP). Fundou a Associação Brasileira de Artistas Espíritas, coletivo de atores que viajava o país.

Mateus morreu sete horas após sua mãe, Zenaide, também vítima da Covid-19.

JOSÉ ALVES, 87, professor, Aracajú (SE) e SONIA DEL VECCHIO, 72, médica, Aracaju (SE)

José Alves era cunhado de Sonia, mas depois casou-se com a sua mãe. Foram 59 anos de união. Foi um avô muito presente. Foi com o sapato preto que acompanhou a neta de coração, Suyane Del Vecchio até o altar e o único que restou para recordação. José faleceu em 29 de junho de 2020.

Sonia trabalhou durante 48 anos como ginecologista e obstetra no Hospital Santa Izabel, na capital de Sergipe, e só foi afastada neste ano devido à pandemia. Usava o mullet preto em todas as ocasiões, seja trabalho ou passeio. Foi com ele que foi até o hospital para ser internada devido às complicações da Covid-19. Ela morreu no dia 2 de julho.

JOSÉ CARVALHO, 73, soldador, e ENÉAS CARVALHO, 46, rapper, Santo André (SP)

Enéas 'Enézimo' celebrou, em novembro, 30 anos de carreira no rap. Integrou o grupo Armagedon e tinha sua produtora independente, a "Pau de Dá em Doido".

Enézimo acreditava no poder transformador da arte e a levava até jovens da Fundação Casa. Em 2020, integrou uma candidatura coletiva à Câmara Municipal de Santo André (SP), onde vivia.

José era calmo. Soldador aposentado, gostava de passar o dia entretido com filmes e séries de TV, além de jogar baralho com amigos e familiares. Apesar da aposentadoria, aprendeu a costurar para ajudar a esposa no ofício e sustentar a família.

Internado, morreu dia 17 de dezembro, dois dias depois do filho rapper. Quem deu a notícia nas redes sociais foi Emicida.