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Vacina russa contra a Covid-19 enfrenta problemas globais de produção

Sputnik V depende de fábricas em 10 países, entre eles o Brasil, para alcançar meta

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Henry Foy Max Sheldon
Moscou | Financial Times

A vacina russa contra a Covid, Sputnik V, foi desenvolvida em um laboratório estatal, com apoio do fundo soberano do Kremlin. Mas Moscou depende de fábricas no Brasil, na Índia e na Coreia do Sul para alcançar sua meta de inocular quase um décimo da população mundial.

Contando com capacidade manufatureira limitada em casa, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), que administra a distribuição do Sputnik V, recorreu a países parceiros que possuem grande capacidade de produção de fármacos.

Com isso, o RDIF confiou o futuro da vacina a uma grande rede de empresas privadas terceirizadas que operam sob regras nacionais diferentes. Algumas delas disseram que ainda faltam meses para alcançarem produção plena.

“Cada fábrica e local provavelmente enfrenta problemas diferentes. Leva tempo operacionalizar uma produção e garantir qualidade, especialmente quando a produção é terceirizada”, disse Erasmus Bech Hansen, fundador da empresa de análise de dados científicos Airfinity, de Londres.

O RDIF disse ao FT que assinou contratos com 15 fabricantes em dez países para a produção de 1,4 bilhões de doses, o suficiente para vacinar 700 milhões de pessoas.

Os acordos significam que o RDIF depende de fábricas em outros países para produzir mais do dobro de doses que serão produzidas por empresas russas. Fábricas na China, na Coreia do Sul, na Índia e no Irã vão produzir doses de vacina que poderão ser exportados para países terceiros, enquanto fábricas em países como Brasil e Sérvia vão atender principalmente à demanda doméstica.

“Temos alguns fabricantes terceirizados que são realmente grandes e que vão produzir para o mundo inteiro. Outros são menores e vão produzir mais para satisfazer a demanda local”, explicou Kirill Dmitriev, diretor do RDIF. “Nossa abordagem é essa: solucionar o problema maior da produção, ao mesmo tempo disponibilizando a vacina localmente.”

O RDIF está apostando nessa abordagem terceirizada para ajudá-lo a evitar os déficits de produção que têm criado problemas para outros produtores de vacinas contra a Covid como a AstraZeneca, ao mesmo tempo produzindo para o grande mercado dos países mais pobres.

Em novembro a TV estatal russa declarou que sua vacina baseada em adenovírus e que requer duas doses é “tão simples e confiável quanto o fuzil de assalto Kalashnikov”. Mas, na ausência de evidências revistas por pares, especialistas reagiram com ceticismo.

Porém, depois de um estudo publicado neste mês ter apontado uma eficácia de 91,6% –no mesmo nível que as vacinas da BioNTech/Pfizer e da Moderna, à base de mRNA–, a Sputnik V agora quer emular o Kalashnikov e tornar-se um dos grandes produtos de exportação russos.

Enquanto as vacinas à base de mRNA precisam ser armazenadas a temperaturas abaixo de zero, dificultando seu transporte, o custo da Sputnik –US$ 10—e o fato de poder ser armazenada a temperaturas de 2ºC a 8ºC faz da vacina russa uma opção atraente para muitos países de renda mais baixa.

A Sputnik V vence em todos os quesitos”, declarou Dmitry Kulish, professor da universidade científica particular Skoltech, em Moscou. “Sua simplicidade e sensibilidade à temperatura significam que ela pode sair ganhando, como fez o fuzil Kalashnikov.”

Mas ainda há dúvidas sobre quando a rede de produção global da Sputnik V vai conseguir atender à demanda de mais de 50 países. Fabricantes terceirizados na Índia e no Brasil, países que respondem por mais de metade da produção global prevista pelo RDIF, disseram ao FT que ainda não iniciaram a produção em massa da vacina.

A indiana Hetero Drugs, que tem contrato para produzir mais de 100 milhões de doses por ano, aguarda a aprovação regulatória nacional antes de iniciar o cultivo ao atacado da cultura do vírus, um passo de pré-produção que leva tempo significativo.

A União Química, a fabricante brasileira com contrato com a RDIF, disse que está em fase de produção piloto e que só a partir de abril alcançará sua produção plena de 8 milhões de doses mensais. A empresa disse também que está negociando com a Rússia a importação de 10 milhões de doses nas próximas seis semanas.

A fabricante sul-coreana GL Rapha, que vai produzir exclusivamente para exportação, disse que não tem capacidade para produzir os 150 milhões de doses ao ano acordados com o RDIF e que está terceirizando a produção, enquanto amplia suas próprias instalações.

A Airfinity estima que 8 milhões de doses da Sputnik V foram entregues até agora. A empresa farmacêutica americana Pfizer disse neste mês que produziu 65 milhões de doses.

Com relação à meta de vacinação do RDIF, Hansen disse que “700 milhões de pessoas inoculadas é uma meta muito alta e improvável, dado o ritmo atual de produção e também o que estamos vendo ocorrer com outros produtores de vacinas. Acreditamos que uma meta de produção total de 380 milhões em 2021 seja mais realista, mas o total produzido pode ser significativamente inferior se a fábrica em Hyderabad, na Índia, não elevar sua produção em pouco tempo”.

Segundo Dmitriev, o RDIF vai divulgar em março informações completas sobre a fabricação da Sputnik V em outros países.

“Algumas das fábricas no exterior já estão produzindo. A maioria delas já produziu lotes de teste de alta qualidade. Em alguns desses países as vacinas já estão prontas para o embarque; em outros, está passando pelo processo de aprovação.”

Seis empresas farmacêuticas estão manufaturando a vacina na Rússia, e outras duas estariam em discussões para somar-se ao esforço. Essa produção é “quase 100%” para consumo interno, disse Dmitriev, mas começará a ser redirecionada para mercados de exportação a partir de junho, quando a demanda russa tiver sido atendida.

A produção russa não deixou de sofrer alguns percalços. O país previu inicialmente manufaturar 30 milhões de doses até o final de 2020, mas reduziu os planos para apenas 2,5 milhões de doses depois de fabricantes locais terem problemas com a aquisição de equipamentos e a produção da segunda dose da vacina. Esses problemas, disse Dmitriev, já foram resolvidos. A Rússia pretende produzir 33 milhões de doses até o final de março.

Tradução de Clara Allain

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