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Depoimento: Não percebi que estava indo além dos meus limites

Jornalista relata como, em meio à pandemia, demorou a identificar que sofria de síndrome de Burnout

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São Paulo

Começou com falta de energia, cansaço, insônia, tristeza. Mas, afinal, quem não está sujeito a isso nesta pandemia que envolve longas jornadas de trabalho, meses de home office, isolamento social, uma conduta vergonhosa do Ministério da Saúde e do governo federal e a morte de quase 2.000 vítimas da Covid-19 todos os dias?

Mais alguns meses e esses sintomas ganharam nova companhia: crises de ansiedade. Em setembro de 2020, após um susto com o meu serelepe pai de 90 anos, que despencou de uma altura de cinco metros, passei a acordar sobressaltada na madrugada, com taquicardia e mãos suando frio.

Mais um pouco e aí veio a uma dificuldade de concentração, tontura, enjoo, uma exaustão física e mental. Mesmo com tudo isso, a pessoa disciplinada que habita em mim se esforçou para manter a atividade física diária (caminhada, subida de escada no prédio e aulas de Pilates online), meditação (ou tentativa de) e o mesmo ritmo insano de trabalho.

Foi aí o meu maior erro. Não percebi que estava indo além dos meus limites até cometer um erro em uma matéria e sofrer uma crise de pânico sem precedentes. Diagnóstico: síndrome de Burnout, que tem sintomas parecidos com os de ansiedade e de depressão.

Exercício simples para diminuir estresse e ansiedade
Exercícios físicos ajudam a diminuir estresse e ansiedade - Bigstockphoto

Segundo especialistas em saúde mental, a sobrecarga de trabalho provocada pela rotina de home office, agravada pelo isolamento social, tem aumentado as queixas dessa síndrome.

Só foi aí que percebi que tinha passado da hora de buscar acompanhamento médico e retomar a terapia. Em vez de um psiquiatra, recorri a um médico de família de confiança porque suspeitava que, além da saúde mental, a bagunça hormonal provocada pela chegada da menopausa também tinha uma parcela considerável nessa confusão toda. Bingo.

Mudei de ginecologista e acertada as medicações (antidepressivo + terapia hormonal), reiniciadas as sessões de terapia e intensificadas as atividades físicas, em menos de um mês eu me senti de novo nos eixos para continuar na luta.

Não que esteja tudo às mil maravilhas. Como é que dá para ficar bem em um país que enterra diariamente quase 2.000 mortos por Covid-19? E que tem um presidente contra as medidas protetivas, como isolamento social e o uso de máscara, que defende medicamentos sem eficácia e que, quando cobrado, diz: “chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?

O consolo é que não estou sozinha. Um estudo realizado entre maio e junho de 2020 com homens e mulheres de várias regiões do país (26 Estados brasileiros e do Distrito Federal) mostrou que as mais afetadas emocionalmente pela pandemia foram as mulheres, respondendo por 40,5% dos sintomas de depressão, 35% de ansiedade e 37,3% de estresse.

A pesquisa ouviu mais de 3.000 voluntários e foi realizada pela equipe do neuropsicólogo Antônio de Pádua Serafim, do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da USP.

Além do perfil da mulher que concilia trabalhos domésticos e vida profissional, o estudo trouxe um achado interessante. O sofrimento psíquico também atingiu mulheres que moram sozinhas e não têm filhos.

Uma das hipóteses é que a pandemia tenha deixado esse grupo mais vulnerável a um estado de falta de perspectivas e incertezas quanto ao futuro, o que teria causado mais sensações de desconforto, angústia, ansiedade e desamparo.

Desamparo, desespero, desesperança. Na psicologia, as reações três Ds vêm sendo muito estudadas especialmente entre os profissionais da saúde durante a pandemia.

Envolvem um comportamento de aflição, descontrole, angústia, irritação, desespero. Também um sentimento de abandono acompanhado de uma sensação de vulnerabilidade, solidão, tristeza e medo e sensação de não ver saída.

Não é mimimi, não é frescura. As pesquisas, os dados, mostram que os serviços de saúde precisam estar bem mais preparados para o aumento da demanda e urgência no tratamento de novos casos de doença mental desencadeados pela pandemia.

E, nós, como sociedade, precisamos nos apropriar de conceitos básicos da psicoeducação. Ou seja, que essas reações "3 Ds" são comuns em tempos pandêmicos, que muitos de nós estamos passando por situações semelhantes, e que existem amigos, familiares, serviços e profissionais que podem nos ajudar muito. Resumindo, #tamojuntos.

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